De "nunca antes" em "nunca antes" podemos explicar tudo no Brasil de hoje. 
Estamos na era do desaprendimento.

C.A.

1) O texto abaixo é de Luciano Pires.
2) Muito oportuna a referência a novilíngua que remete diretamente ao mundo 
totalitário de Orwell in 1984.


A REPÚBLICA DA QUANTIDADE
 
Um seguidor do confucionismo, Ji Mèngke, que passou para a história como 
Mêncio, escreveu uns 300 anos antes de Cristo o seguinte:
 
"Alguns trabalham com a cabeça, outros com os músculos. Os que trabalham com a 
cabeça dirigem os que trabalham com os músculos."
 
Muito bom, né? O pensamento de Mêncio tem me ocupado a cada vez que observo as 
coisas inexplicáveis que acontecem neste nosso brasilzão.
 
O apagão do Lula, por exemplo. Ops! Desculpe! A novilíngua petista já definiu 
que não foi apagão. Foi blecaute. Quem tem apagão é o FHC, né?
Pois bem, nos últimos anos investimos quantidades crescentes de dinheiro em 
nosso sistema de geração de energia. E então -  a se acreditar
nas explicações dos técnicos escolhidos para falar - um raio cai no lugar certo 
e... pimba! Tudo no escuro. Mas "nunca antes neste país
tivemos tanta geração, tanta conectividade, tanto controle, tanta eficiência." 
Qual é o indicador de sucesso? Quantidade.
 
Outro exemplo? O exame do Enade, obrigando milhares de estudantes a 
deslocarem-se 40, 60, 100 quilômetros para fazer uma prova. Quem cuidou
da logística do exame deve ser uma daquelas figuras onipresentes no Brasil: o 
burro com iniciativa. E as perguntas com propaganda do
governo? Uma vergonha. Qual é o indicador de sucesso?  "Nunca antes neste país 
tivemos tantos estudantes participando de uma avaliação".
Quantidade.
 
Vamos ao SUS, o Sistema Único de Saúde? É tão bom que vão sugerir ao Obama que 
copie. E as filas, o desaparelhamento, a falta de médicos?
Ah... O indicador de sucesso é: "Nunca antes neste país tanta gente teve 
atendimento médico". Quantidade.
 
Quer mais? Que tal nosso sistema educacional? Investimos, comunicamos, 
elaboramos, implementamos. E entra ano, sai ano, terminamos os testes
de nível de conhecimento empatados com a Belonésia do Sul em penúltimo lugar. 
Indicador de sucesso? "Nunca antes neste país tivemos tanta
criança na escola, tanta sala de aula, tão pouca evasão escolar". De novo, a 
quantidade.
 
Vamos às operadoras de celular? A prestação de serviços é uma merda, mas "nunca 
antes tivemos tantos técnicos, tantas torres, tantos
atendentes telefônicos, tantos clientes". Indicador de sucesso: quantidade.
 
E aquele programa horrível de televisão, com sangue, bundas e baixarias? "Nunca 
tivemos uma audiência tão alta". Quantidade...
 
A resposta é sempre "nunca tantos, nunca quantos": quantidade. Claro! 
Quantidade dá pra reproduzir facilmente com números que (quase) todo
mundo entende. Mas e a qualidade? Dá pra reduzir a números? Não dá. Para 
avaliar "qualidade" tem que ter cabeça.
 
O Brasil é a República da Quantidade. Quer saber? Conseguimos. "Abrasileiramos" 
Mêncio:
 
"No Brasil, alguns trabalham com a cabeça, outros com os músculos. Os que 
trabalham com os músculos dirigem os que trabalham com a cabeça."
 
 
Luciano Pires

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