Quando eu digo que as coisas pioraram e muito, não é papo de quem passou dos 
sessenta e acha que tudo era melhor antigamente. O texto abaixo veio a calhar 
e, coincidência, ontem mesmo eu postei aqui o trecho de um poema do Mario 
Benedetti. Pra que ainda não leu a obra dele eu recomendo.
Enquanto acharmos que tudo tem que ser como sempre foi, aí mesmo é que nada 
muda.
Os anos não me tiraram o brilho dos olhos. 
E nem o sonho.

Carlos Antônio.

P.S. Somerset Maugham é outro autor que eu recomendo.

Os ex-resignados

Escrito por Luciano Pires - (Qui/26/08/2010).

      Assistindo à ginástica verbal dos presidenciáveis tentando justificar 
certas alianças inexplicáveis, lembrei-me de Mário Benedetti, um dos maiores 
escritores e poetas do Uruguai. Em sua novela A Trégua, lançada em 1960, 
encontrei um trecho que me chamou a atenção:

      "Ele me perguntou se eu achava que tudo estava melhor ou pior do que 
cinco anos atrás, quando ele foi embora. `Pior`, responderam minhas células por 
unanimidade. Mas depois tive que explicar. Ufa, que tarefa. 

      Porque, na verdade, a corrupção sempre existiu, o acordo também, as 
negociatas, idem. O que está pior, então? Depois de muito espremer o cérebro, 
cheguei à conclusão de que o que está pior é a resignação. Os rebeldes passaram 
a semi-rebeldes, os semi-rebeldes a resignados. (...)`Não se pode fazer nada`, 
as pessoas dizem. Antes só quem queria conseguir algo ilícito é que subornava. 
Agora quem quer conseguir algo lícito também suborna. E isso significa relaxo 
total."

      Benedetti dizia que "o que está pior é a resignação" em 1960, quando 
havia uma clara divisão entre esquerda e direita, a guerra fria assombrava a 
todos, Fidel acabara de derrubar Fulgêncio Batista em Cuba e a juventude estava 
tomada pelo ideal romântico da revolução que viraria o mundo de cabeça para 
baixo nos vinte anos seguintes!

      Tudo que não havia era resignação, pô!

      Se Benedetti achava que as pessoas estavam resignadas naquela época, o 
que acharia hoje, quando o mundo virou um balcão de troca? Quando vale tudo 
para obter ou manter o poder? Quando quem se rebela é atacado pelas patrulhas 
do politicamente correto? Quando "é feio" dizer na cara de um mentiroso que ele 
está mentindo? Quando quem reclama e grita é considerado mal educado? 
      Repito: se Benedetti achava que estávamos resignados em 1960, acharia o 
que hoje? Que estamos resignadíssimos? Resignadassos? Resignados ao cubo? 
Resignadalhos? Hiper-Mega-Resignados?  Resignadásticos? 

      Pois eu acho que o adjetivo é "frouxos" mesmo.  

      Mas o texto de Benedetti continua. E é aí que o bicho pega: 

      "Mas a resignação não é toda a verdade. No princípio foi a resignação; 
depois, o abandono do escrúpulo; mais tarde a co-participação. Foi um 
ex-resignado quem pronunciou a famosa frase: `Se os de cima levam o deles, eu 
também levo o meu`. Naturalmente, o ex-resignado tem uma desculpa para sua 
desonestidade: é a única forma de os outros não tirarem vantagem dele. Ele diz 
que se viu obrigado a entrar no jogo, porque caso contrário seu dinheiro 
valeria cada vez menos e seriam cada vez mais numerosos os caminhos corretos 
que se fechariam para ele. Continua mantendo um ódio vingativo e latente contra 
aqueles pioneiros que o obrigaram a seguir esse caminho. Talvez seja, no final 
das contas, o mais hipócrita, já que não faz nada para se safar. Talvez seja 
também o mais ladrão, porque sabe perfeitamente que ninguém morre de 
honestidade..."

      Alguma familiaridade com o que você anda assistindo? Pois é... Mas como é 
que se explica essa situação? Fácil. É só recorrer a outro escritor famoso, o 
romancista britânico William Somerset Maugham que um dia escreveu a incômoda 
verdade: 

      "A coisa mais útil sobre um princípio é que ele pode ser sacrificado pela 
conveniência."

      E desce o pano. (Luciano Pires).

      Em: http://www.portalcafebrasil.com.br/artigos/os-ex-resignados
     


Carlos Antônio.

Responder a