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ANTONIO MACHADO

Correria para capitalizar Petrobras expõe exaustão do Estado para
apoiar o pré-sal e o crescimento

Acionistas privados entram com dinheiro vivo, único que importa à
estatal, e o governo, com papéis de divida do Tesouro

27/8/2010 - 18:25 - Antonio Machado

A correria do governo para fechar o processo de capitalização da
Petrobras não está bem explicada pelas razões factuais, que focam os
investimentos para a exploração do pré-sal. O atraso de algumas
semanas ou meses não faria diferença para uma operação prevista a
entrar em produção a partir de 2014 e, em regime, na outra década.

A imensa riqueza submersa na plataforma continental do país, nas
contas da Petrobras, deverá adicionar até 2020 mais 3 milhões de
barris/dia à produção diária atual de 2 milhões, e será quase toda
exportada – se a relação do consumo interno de energia por unidade de
produto correr abaixo do crescimento esperado da economia.

Em termos líquidos, abatida a demanda doméstica, estima-se que o saldo
para exportação será amplamente favorável, mas condicionado à expansão
da oferta de etanol, às novas hidrelétricas, às fontes alternativas,
como eólica e solar, e a um plano de racionalização do consumo de
energia em todos os níveis nem sequer iniciado.

Sem a sintonia perfeita da matriz energética, o petróleo que sair do
pré-sal será aqui mesmo queimado. Basta que a economia cresça à base
de 5% ao ano até 2020 e não mude o padrão do consumo corrente de
derivados do petróleo. A exportação líquida, ai, será residual.

É meio como hoje. Sem problema para a Petrobras, se puder casar a
receita de exportação com suas despesas em dólares, realizando em
reais mesmo o grosso de seu resultado. Problema será do país, pois se
frustrará em tal cenário a grande alavanca para a construção de
maciços superávits externos - o capital para catapultar a economia ao
patamar de nação desenvolvida. E isso na mesma década em que as
grandes potências poderão encolher em relação aos emergentes.

A equação do pré-sal, por tudo isso, é muito mais complexa do que
sugere a retórica ufanista do governo. Admita-se, porém, que será
conforme o previsto, com ingressos tão volumosos que problema será
impedir a valorização do real. Se ela já leva a balança comercial hoje
a encolher, com o pré-sal o real apreciado poderá arruinar a
agricultura de exportação e a indústria instalada no país.

O antídoto é o fundo soberano, criado para reter parte da receita em
divisas, aplicá-las fora do país e destinar a renda obtida em
investimentos sociais, infraestrutura e inovação tecnológica.

No papel, tudo é belo

No papel, tudo fica uma beleza. A maioria dos políticos, quando o novo
regime de exploração passou pelo Congresso, se embriagou com o
potencial da riqueza enterrada em alto mar, e foram à luta pela
partilha dos royalties aos estados e municípios.

Não há registro de apreensão para entender a dificuldade oceânica que
a Petrobras enfrentará para escarafunchar o pré-sal e o custo da
empreitada.

Pelos próximos vinte anos, o pré-sal será mais salgado que doce, já
que, para virar dinheiro, primeiro a Petrobras terá de investir pesado
– US$ 214 bilhões entre 2010 e 2014, e é só para começar. E será bem
sucedido se tais investimentos não sugarem as demandas de capital para
expansão de outros setores, já limitadas pelo virtual esgotamento da
capacidade de emprestar do BNDES e pelo teto baixo, pelo menos por
enquanto, do mercado nacional de capitais privados.

O caixa público aguou

O fato de o governo capitalizar a fatia majoritária do Estado no
capital da empresa com a emissão de títulos de dívida pelo Tesouro – a
contrapartida financeira da cessão onerosa de até 5 bilhões de barris
de petróleo das reservas da União a serem ainda exploradas -, enquanto
os acionistas privados entram com dinheiro vivo, único que importa à
Petrobras, expõe a carência do funding público.

O governo exigiu da Petrobras mais do que ela pode investir com a
geração de caixa, lucros retidos e a capacidade de se endividar. E o
fez acumulado a outros megaprojetos que também vão exigir - além do
que já requer a própria dinâmica da aceleração do crescimento – um
volume de investimentos recorde, só comparável, como relação do PIB,
ao do último ciclo de expansão acelerada, nos anos de 1970.

Outro modelo econômico

Essa não é uma questão estritamente financeira, mas de modelo do
crescimento que se quer. A polêmica da capitalização da Petrobras
mostra que o financiamento público é limitado.

É preciso trazer o capital privado para tais iniciativas, e
redirecionar a ênfase do crescimento movido pelo consumo para o
impulsionado pela dinâmica do investimento. Isso implica moderar o
ritmo do gasto público e as facilidades do crédito ao consumo.

Se tal transição for suave e lenta, pouco se notará. Mas será outro
modelo de economia.

O lixo ou a redenção

A transição para um ciclo acelerado do investimento possivelmente
encontrará resistências, e exigirá extrema habilidade política do novo
governo. Quem está agarrado ao Estado não vai querer ceder um centavo.
Nunca cedeu pacificamente.

Esse veto explícito poderá ser contornado, se o gasto público crescer
abaixo do ritmo de expansão do PIB, mas sem encolher em termos reais.
Dá para fazer sem doer.

Importa considerar também que o problema não se deve a Lula nem a quem
o suceder. Qualquer um encontraria tais obstáculos. Eles são inerentes
ao tamanho estreito da economia quando surge a tendência de pleno
emprego.

No passado, quando havia a asfixia cambial, quem fosse governo pisava
no freio, gerando o tal para—anda responsável pelas décadas perdidas.
A década que vai começar não pode também acabar no lixo.
 

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