*Fast food agrava crise de civilidade entre americanos*

*Tese é defendida por professora californiana, que vê reflexos na situação
de radicalismo político do país*

*Estudos mostram que pessoas gastam apenas 20 minutos por refeição, o que
desestimularia conversa e tolerância*

*CRISTINA FIBE*
DE NOVA YORK

Há uma "crise de civilidade" nos Estados Unidos que afeta principalmente a
política, e uma das razões para isso é o fato de as pessoas dedicarem cada
vez menos tempo às refeições em grupo.

A tese está no livro "The Taste for Civilization - Food, Politics and Civil
Society" (o gosto pela civilização - comida, política e sociedade civil; à
venda na Amazon.com por cerca de R$ 40, mais taxas), da cientista política
Janet Flammang, 62.

Professora da Universidade Santa Clara, na Califórnia, Flammang diz que a
"arte da conversação" é aprendida à mesa, onde "há um incentivo para
discordar sem dar aos outros uma indigestão".

Em entrevista à *Folha*, Flammang diz ver esse problema refletido no
Congresso, onde os "políticos de partidos diferentes não socializam". Em
outubro, ela participa de painel promovido pelo governo para discutir o
assunto, parte do "tour da civilidade por 50 Estados".

A iniciativa é de Jim Leach, ex-congressista que foi nomeado pelo presidente
Barack Obama como titular do National Endowment for the Humanities, agência
do governo dedicada a apoiar pesquisa, educação e programas públicos em
humanidades.

Leach viaja pelo país, desde o fim de 2009, dando palestras sobre "o
discurso do ódio e os seus perigos". Leia abaixo os principais trechos da
entrevista.

*Folha - A sra. diz, em seu livro, que a democracia se beneficiaria de
refeições mais longas. Como relaciona as duas coisas? *

*Janet Flammang* - Desenvolver a arte da conversação é extremamente
importante para aprender a discordar de forma civilizada. E aprendemos essa
arte à mesa. Quanto menos tempo dedicamos às refeições, mais colocamos essa
habilidade em perigo. À mesa, há um incentivo para discordar sem dar aos
outros uma indigestão. Muito da política atual nos EUA é uma política de
ataque, na qual se quer marcar pontos e derrubar o oponente, e não ouvir. O
foco do livro é a conversação. A conversa não é uma discussão, há regras
sobre como ouvir, esperar a vez e guardar o que tem a dizer. A coisa mais
próxima de uma conversa é a diplomacia, que todos nós achamos ser
extremamente importante.
O que me intriga é: por que não estudamos como fazer as pessoas se
comportarem com diplomacia?

*Isso está piorando? A conversa está morrendo?
*
Sim. Há muitos estudos que indicam que gastamos, em média, 20 minutos no
jantar, à mesa, e mais e mais pessoas já nem se sentam para dividir uma
refeição, pegam algo e saem correndo. Meu livro é sobre a situação
americana, mas há evidências de que outras culturas estão se tornando mais
como os EUA, onde o trabalho é a coisa mais importante e você é consumido
por atividades. As pessoas não param para pensar no custo de não se sentar e
ter conversas, e cara a cara, porque é claro que muita coisa hoje é
eletrônica.

*Quais são os sinais de falta de civilidade nos EUA?
*
Podemos começar pelo Congresso. Tem havido forças-tarefa pela civilidade
promovidas por congressistas, que dizem que perdemos a civilidade na Casa, a
habilidade de socializar com pessoas de outro partido e de discordar. Muito
disso se relaciona à chamada revolução republicana de 1994, quando Newt
Gingrich tomou conta [da Câmara dos Representantes]. Muitos veem isso como
um ponto-chave, porque ele disse aos republicanos que voltassem aos seus
distritos todos os finais de semana e não mudassem suas famílias para
Washington. Isso significou que havia muito pouca socialização entre
congressistas. Hoje, as salas de jantar estão vazias, eles não socializam.

*As iniciativas de Michelle Obama [pela alimentação orgânica e contra a
obesidade infantil] tiveram resultado?*

Qualquer coisa que a Casa Branca faça tem grande importância simbólica. E as
pessoas que trabalham na Casa Branca estão muito mais sensíveis a essas
questões do que antes. Não só o Departamento da Agricultura, mas outros
departamentos estão mais preocupados com produtos de qualidade e com a crise
da obesidade. Michelle não tem poder oficial, mas, nos EUA, o comportamento
da "primeira família" tem grande importância simbólica.
*Repito uma pergunta que a sra. faz: como é possível encontrar tempo para
rituais alimentares em uma cultura acelerada e workaholic?*

Depende de cada lar, não há uma resposta única. Sei que em lares em que os
salários são baixos é muito difícil, mas a primeira medida a tomar é
encontrar uma maneira para que haja pelo menos um jantar comum [por semana].
Questiono também o número de horas que os americanos dedicam ao trabalho.
Devemos ter cargas horárias mais humanas, para que os pais possam voltar
para casa antes de os filhos dormirem. A Europa tem dias mais curtos e igual
produtividade. Falo no livro sobre o modelo europeu de menos horas, mais
tempo para a vida.


-- 
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FG

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