Sobre chavões, promessas e fiascos [Correio Braziliense - 06/09/2010] Seduzir o imaginário popular com ideias de vulto é uma prática consolidada entre os políticos do Brasil desde sempre.
O ano era 1995 e o então presidente Fernando Henrique Cardoso encaminhou ao Congresso Nacional, em nome do Executivo, a mensagem com as principais aspirações e projetos para o país. Abraçado ao Plano Real, o tucano convidou os parlamentares a somar forças, condicionando parte de seu sucesso à aprovação de medidas que, segundo ele, dariam sustentação ao crescimento econômico represado havia décadas por equívocos, experimentalismos baratos e todo tipo de aventuras. No cardápio de FHC estavam clássicos da agenda nacional como as reformas tributária, da Previdência Social e a administrativa, além de propostas de políticas industrial, social e ambiental de longo prazo. A julgar pelas palavras que estavam no documento enviado ao Legislativo, o então presidente parecia tomado por grande entusiasmo, embora tenha deixado no ar (talvez de propósito) uma pontinha de desconfiança em relação ao que o futuro lhe reservava. Que oportunidade mais consagradora pode um político ambicionar, do que a de entregar seu país melhor do que encontrou ao assumir uma importante função pública? Por outro lado, que frustração poderia ser mais amarga do que a de deixar escapar essa oportunidade?, escreveu o sociólogo. Oito anos mais tarde foi a vez de Luiz Inácio Lula da Silva apresentar o cartão de visitas a deputados, senadores e, por tabela, à nação. Como boa parte de seu capital moral apoiara-se no slogan da mudança, o petista dirigiu-se ao Parlamento apontando novos caminhos. Não deixou, contudo, de renovar compromissos empoeirados que constavam do antigo contrato firmado pelo antecessor. Tenho certeza de que vou contar com a intensa participação do Congresso Nacional nas discussões, aprimoramento e aprovação das medidas necessárias a essa dura fase de transição e das reformas de que nosso país tanto precisa, resumiu Lula. De novo, vieram à tona preocupações com a Previdência, a racionalização do sistema de impostos, a indústria e com todo o resto. Olhando para trás, não é preciso ser gênio para perceber que nem tudo o que ambos disseram que fariam se concretizou. Ou, pelo menos, não da maneira como a embalagem dizia que seria. O desequilíbrio nos regimes geral (setor privado) e próprio (funcionalismo) prova que o financiamento de pensões e aposentadorias aos trabalhadores brasileiros ainda é um saco sem fundo. Dos anos 1990 para cá, a carga tributária só aumentou e sustentar o Estado está cada vez mais caro ao contribuinte, o que também mostra que os arremedos de reforma tributária nada ajudaram. Como se não bastasse, os donos de fábricas continuam às voltas com o fantasma da desindustrialização agora, mais do que nunca, devido à escalada das importações e ao dólar fraco. Os projetos de longo prazo inspiram peças publicitárias, mas pecam pela gestão. A infraestrutura briga com a realidade, com os pneus dos carros, com os navios, com os aviões... As políticas social e ambiental, por sua vez, não conseguiram romper as amarras do assistencialismo e do deixa disso. Moral da história: o que está escrito vale o quê? Hábito deplorável Períodos eleitorais costumam ser férteis para que pactos do passado voltem à mesa repaginados. É o que Dilma Rousseff (PT) e José Serra (PSDB), os dois principais candidatos ao posto de FHC e Lula, estão fazendo neste momento. O problema é que, ao bater em velhas teclas, nenhum dos dois quer se comprometer. Diga-se de passagem, esse é um hábito deplorável, mas que, infelizmente, o eleitor tolera. E isso não é de hoje. Seduzir o imaginário popular com ideias de vulto é uma prática consolidada entre os políticos do Brasil desde sempre. O bordão das reformas estruturais criado por Getúlio Vargas não me deixa mentir. Dilma e Serra bem que poderiam dizer a que vieram, o que farão com o deficit previdenciário crescente na iniciativa privada e no setor público, quais os planos para aliviar o bolso das pessoas e de que modo oferecerão contrapartidas robustas à sociedade. Como nada disso ainda está claro, torço para que a mensagem ao Congresso que será despachada em fevereiro de 2011 traga mais do que meras intenções, mesmo porque os livros de história já estão fartos disso. Luciano Pires é repórter especial. .