2010/1/28 Matheus <mateusm...@yahoo.com.br>

>  Olá Ricardo
>

Olá Matheus.

>
> eu estou trabalhando com isso na minha pesquisa de mestrado. A condicional
> material parece não captar adequadamente as condições de verdade da
> condicional da linguagem natural. Há um ou outro caso que parece desmentir
> isso, vou citar dois (como não estou certo se os símbolos dos conectivos vão
> aparecer nos emails de todos, vou colocá-los em linguagem natural mesmo:
>
>
>
> P ou Q logo ~P então Q
>
> Ou o mordomo é o assassino ou o jardineiro é o assassino. Portanto, se o
> mordomo não é o assassino, o jardineiro é o assassino.
>
>
>
> ~(P e Q) logo P então ~Q
>
> O mordomo e o criado não são ambos inocentes. Logo, se o mordomo é
> inocente, o criado não é inocente.
>

Não entendi o que há de errado com os casos acima, pois se assumirmos as
premissas (que vem antes do "logo"), devemos assumir a conclusão, não?

>
> Há também alguns exemplos de linguagem natural, como o mencionado pelo
> Adolfo antes, que parecem reforçar a idéia de que a condicional material
> capta adequadamente as condições de verdade da condicional da linguagem
> natural. Contudo, há uma avalanche de casos que apontam num sentido
> contrário. Ao meu ver a passagem da linguagem natural para a lógica
> verofuncional é tão problemática quanto a passagem da lógica verofuncional
> para a linguagem natural, entendendo por passagem aqui a preservação de
> validade dos argumentos. Por exemplo, Edwards em* "**A Confusion about If
> . . . Then" *apresenta casos em que a condicional material é verdadeira
> num número maior de circunstâncias do que a sua equivalente em linguagem
> natural e apresenta casos em que a condicional material é verdadeira num
> número menor de circunstâncias que a sua equivalente em linguagem natural:
>
>
> *Casos em que a condicional material é verdadeira num maior número de
> circunstâncias *
>
> P então Q
>
> (P então Q) ou R
>
> ~[(P então Q) então R]
>
> R então (P então Q)
>
> ~[R então ~(P então Q)]
>
>
>
> *Casos em que a condicional material é verdadeira num menor número de
> circunstâncias*
>
>
> ~(P então Q)
>
> ~[(P então Q) ou R]
>
> ~(P então Q) ou R
>
> (P então Q) então R
>
> R então ~(P então Q)
>
> ~(P então Q) e ~R
>
>
>
Ah! Essa é uma boa lembrança: em geral, em linguagem natural, dizer que "não
é o caso que A implica B" não quer dizer "ocorre A e não B" (e que é a
negação da condiciona, enquanto conectivo).


>
> Entre outras coisas isso quer dizer que a condicional material é
> logicamente mais fraca do que a condicional da linguagem natural, asserindo
> menos do que ela, ao passo que a negação da condicional material ~(P então
> Q) é mais forte em relação à negação da condicional natural.
>

Concordo (se entendi bem o que disse), alias, a segunda parte segue "por
contraposição" da primeira, não?


> A partir disso ele mostra que dada qualquer afirmação contendo um
> "se-então", se ele ocorre como uma premissa em um argumento e a substituição
> do "se-então" pela condicional material é inofensiva, então a substituição
> não será inofensiva em qualquer argumento em que essa afirmação for a
> conclusão.
>



> E, vice versa, dada qualquer afirmação contendo um "se, então", se ela
> ocorre como a conclusão de um argumento e a substituição de "se, então" pela
> condicional material é inofensiva, então a substituição não será inofensiva
> em qualquer argumento em que essa afirmação apareceu como uma premissa. Ao
> dizer que a substituição de "se, então" pela condicional material é
> inofensiva, eu quero dizer que se o argumento em que a condicional material
> ocorre é válido de acordo com o cálculo proposicional, então o argumento em
> que "se, então" aparece é válido".
>
>
>


> Penso que o exemplo que o Adolfo apresentou é fraco se comparado com outros
> exemplos da linguagem natural que mostram inadequação da condicional
> material. Para citar só dois exemplos.
>
> 1) Todo mundo conhece a regra de fortalecimento do antecedente que nos
> permite a inferência: P então Q, logo (P e R) então Q
> **
> O problema é que se aceitarmos isso teremos que dizer que os argumentos
> abaixo são válidos:
>
>
> ‘Se risco o fósforo, ele ascenderá’. Logo, ‘se mergulho o fósforo por uma
> noite inteira na água e o risco, então ele ascenderá’.
>
>
>
> “Se eu colocar açúcar no meu café ele ficará saboroso. Se eu colocar açúcar
> e óleo diesel no meu café, ele fiará saboroso”.
>
Acho que o Adolfo só quis mostrar casos em que a implicação material é
válida, sem discutir o grau de sua adequação à linguagem natural.

O que acho importante, nesta discussão da implicação material, reconhecê-la
como UM TIPO de implicação, como escrevi no outro e-mail. Se reconhecermos
isso, podemos usá-la, sabendo de suas características indesejáveis, como a
que apontou acima. Porém ela tem uma característica muito boa (que penso que
é o que a mantém até hoje): a simplicidade de sua definição.


> **
>
> 2) Sabemos que a condicional material é um cáculo verofuncional a partir do
> valor de verdade de suas partes componentes. Não há meios de avaliar o
> conteúdo das condicionais na tabela de verdade e qualquer exigência de
> relevância do antecedente para o consequente é descartada. O problema é que
> há inúmeros exemplos de condicionais que são verdadeiros ou falsos em função
> da relevância do antecedente para o consequente. Por exemplo, a frase "Se
> Fernando Pessoa é australiano, então ele é português" é falsa, pois exprime
> uma conexão geográfica incorreta. O problema é que a partir da lógica
> clássica teremos que dizer que é uma frase condicional verdadeira, pois o
> consequente "ele é português" é verdadeiro.
>

Ok, e esta é uma das motivações da Lógica da Relevância...

>
>
> É importante entender o significado dessa discussão sobre a adequação da
> condicional natural. Isso não é uma disputa entre partidários da lógica
> clássica e defensores de lógicas não-clássicas mais desviantes, nem é uma
> disputa entre partidários de uma concepção de linguagem comum e partidários
> de uma concepção de linguagem ideal. Um defeito na lógica clássica não
> estabelece a vantagem de lógicas rivais nem implica que devemos confiar
> apenas numa noção intuitiva de validade. A questão é saber se a condicional
> material é uma tradução correta da condicional natural. A discussão de
> revisão ou não da lógica clássica e propostas de novos sistemas formais que
> captem melhor o funcionamento semântico da condicional natural é uma
> discussão que é relacionada, mas é diferente. É claro que esta também é uma
> discussão importante, sobretudo em semântica formal. Basta ver a quantidade
> enorme de propostas e sistemas na literatura de lógica dos condicionais. Só
> pra citar alguns nomes pensem nos sistemas de  Belnap e Anderson, N.
> Rescher, Ernest Adams e William Cooper.
>

Ok. E repedindo o que escrevi no outro e-mail:

Penso que, na linguagem natural, não temos apenas UM tipo de implicação, mas
VÁRIOS.

E penso que a forma do pensar ultrapassa os sistemas formais, que descrevem
apenas uma PARTE dessa FORMA.

>
>
> Abs
>
> Matheus
>

Abraços,
Ricardo.

>
>  Original Message -----
>
> *From:* Ricardo Pereira Tassinari <rica...@cle.unicamp.br>
> *To:* Adolfo Neto <ado...@utfpr.edu.br>
> *Cc:* Lista acadêmica brasileira dos profissionais e estudantes da área de
> LOGICA <logica-l@dimap.ufrn.br>
> *Sent:* Thursday, January 28, 2010 3:49 PM
> *Subject:* [Bulk] Re: [Logica-l]Explicação do significado da implicação
> clássica
>
> Olá Adolfo e a todos.
>
> Abaixo uma pequena reflexão que gostaria de compartilhar sobre a implicação
> na linguagem natural entre duas sentenças (que designarei por "se A então
> B") e o conectivo condicional.
>
> Notemos então que o condicional pode ser parafraseado, em linguagem natural
> por: "não é o caso que A e não B", já que ele é equivalente a ~(A&~B).
>
> Quando passamos DA IMPLICAÇÃO DA LINGUAGEM NATURAL PARA O CONECTIVO
> CONDICIONAL, NÃO TEMOS PROBLEMA (como no exemplo que citou ou em "Se chove,
> então a rua está molhada"), pois, se A então B, então temos que: não é o
> caso que A e não B. Exemplo, se assumimos que "se chove, então a rua está
> molhada", podemos sempre concluir que "não é o caso que chove e a rua não
> está molhada".
>
> A VOLTA QUE É PROBLEMÁTICA, OU SEJA, PASSAR DO CONECTIVO CONDICIONAL PARA A
> IMPLICAÇÃO NA LINGUAGEM NATURAL, ou ainda, passar de "não é o caso que A e
> não B" para "se A então B". Exemplo: todos nós concordamos que "não é o caso
> que a Lua é de queijo e o Sol é de gelo", mas nos é estranho dizer que "se a
> Lua é de queijo então o Sol é de gelo".
>
> Ou seja, assumir que existe uma implicação na linguagem natural é
> condição suficiente (mas não necessária) para assumirmos uma implicação
> condicional.
>
> Assim, se um argumento é válido na linguagem natural (isto é se assumir as
> premissas implica em assumir a conclusão), então sua formalização com o
> condicional (conjunção das premissas condicional conclusão) será sempre
> verdadeira; por isso, se o argumento é válido, então sua formalização tem
> que ser, isto é, nunca encontraremos premissas verdadeiras e conclusão
> falsa, mas nem sempre uma argumento formalmente válido fica bem em linguagem
> natural.
>
> Abraço a todos,
> Ricardo.
>
> 2010/1/28 Adolfo Neto <ado...@utfpr.edu.br>
>
>> Gostei do exemplo abaixo...
>>
>> Fonte: Introdução à Álgebra Abstrata, de Jaime Evaristo
>> http://professor.ic.ufal.br/jaime/livros/Capitulo%25201.pdf
>> p.11-12
>>
>> O exemplo a seguir mostra que o significado matemático do se então,
>> embora inusitado, tem
>> sentido também no nosso dia a dia. Imagine que um pai anuncie para sua
>> filha que vai fazer o
>> vestibular para um curso de Medicina: se você passar, então eu lhe dou um
>> carro.
>>
>> Se a filha foi aprovada (p verdade) e recebeu o carro (q verdade), o
>> pai cumpriu a promessa
>> (p => q verdade); se a filha foi aprovada (p verdade) e não recebeu o
>> carro (q falso), o pai
>> descumpriu a promessa (p => q falso); se a filha não foi aprovada (p
>> falso) e não recebeu o carro (q
>> falso), o pai não descumpriu a promessa (p => q verdade); finalmente,
>> se a filha não foi aprovada
>> (p falso) e recebeu o carro (q verdade), o pai também não descumpriu a
>> promessa e, portanto p => q
>> é verdadeiro (nesse caso, o pai pode ter entendido que a filha, mesmo
>> não tendo sido aprovada,
>> merecia, pelo resultado obtido, o prêmio - foi a primeira dos não
>> aprovados, por exemplo).
>>
>> Como p => q só é falso se p é verdadeiro e q é falso, a demonstração de
>> uma assertiva do tipo
>> "se p então q" pode ser feita supondo-se que p é verdade e provando
>> que, a partir daí, q também o é.
>> Normalmente, o predicado p é chamado hipótese (que é o que se supõe
>> ser verdadeiro) e o
>> predicado q é chamado tese (que é o que se quer provar que é verdadeiro).
>>
>>
>> ==========================================
>> Adolfo Neto
>> Departamento Acadêmico de Informática
>> Universidade Tecnológica Federal do Paraná
>> Fone: (41) 3310-4644 / Fax: (41) 3310-4646
>> Web: http://www.dainf.ct.utfpr.edu.br/~adolfo
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> Dr. Ricardo Pereira Tassinari - Departamento de Filosofia
> UNESP - Faculdade de Filosofia e Ciências - Marília
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Dr. Ricardo Pereira Tassinari - Departamento de Filosofia
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