Rodrigo Freire escreveu:
>
> Outro ponto sobre a linguagem usada em lógica: notações.
> Acho que notação é um ponto crítico em lógica.

Tendo esclarecido que não me parece possível, e nem muito menos
necessário, termos uma notação _universalmente partilhada_, ofereço
aqui apenas algumas sugestões para questões levantadas pelos colegas.

(Insisto: não pretendo fazer propostas com caráter normativo, por isso
ninguém precisa se revoltar e dizer que vai adotar uma convenção
inteiramente contrária ao que eu proponho a seguir simplesmente porque
não gosta de mim ou da forma como eu me expresso, quando defendo
animadamente aquilo em que acredito.)

> Outra coisa: notação para substituição de termos: por exemplo, é comum
> encontrarmos a notação A(a_1,...,a_n) para expressar a substituição
> simultanea de variáveis x_1,..., x_n por a_1,...,a_n na fórmula A. É comum
> também encontrar outras notações para a mesma coisa que explicitam as
> variáveis x_1,..,x_n. Como há outras operações que podem ser realizadas nas
> fórmulas, as vezes a notação não deixa claro qual é a ordem das operações.

Talvez não haja uma forma de ser absolutamente claro com relação ao
caráter _simultâneo_ da noção de *substituição* sem usar uma notação
bidimensional, que podemos adotar ao escrever por exemplo o mapa de
substituição como uma matriz-coluna.  Não terá sido, contudo, um dos
pontos menos antipáticos da escrita-conceitual de Frege justamente o
seu caráter bidimensional...

Mais grave me parece o problema anterior de usarmos a notação E[t/x],
usando a convenção anglófona, para expressar a substituição da
variável x pelo termo t na expressão E.  Neste caso a leitura em Bom
Inglês é "substitute t for x in E".  No entanto, uma alternativa de
leitura mais próxima do uso natural das preposições em português, e em
muitas outras línguas naturais, seria "substitute x by t in E", ou
seja, "substituir x por t em E" ou "a expressão E, com x substituído
por t".  Notem que esta história toda fica particularmente confusa
quando o termo t é ele próprio uma variável y: qual a leitura de
E[y/x], "substitute y for x" ou "substitute y by x" --- são duas
substituições completamente diferentes!  Para evitar este tipo de
confusão e imprimir um caráter de direcionalidade à substituição,
tenho preferido escrever E[x \mapsto t], que revela justamente x como
parte do domínio da função de substituição e t como parte de seu
contra-domínio, e ainda mostra a substituição como um tipo de manobra
_sintática_ que fazemos em uma linguagem de programação (ou na teoria
da reescrita).  Mas não julgo que esta convenção E[x \mapsto t] seja
"melhor" do que outras; ela é apenas vantajosa em não permitir que eu
erre ao me confundir com o significado de "substitute t for x", em
inglês.

% % %

Ainda sobre "notações bidimensionais", parece-me que em muitos casos
não dá para evitá-las, ou sequer é vantajoso fazê-lo.  Em outras
ocasiões, contudo, podemos perfeitamente separar "aspectos práticos"
de "aspectos implementacionais".  Por exemplo, ao pensar numa
gramática regular, ou numa linguagem formal, ou numa álgebra abstrata,
podemos obviamente pensar e escrever seus termos como strings.  Mas
certamente facilitará o parsing destes termos, bem como a definição de
funções recursivas e o estabelecimento de demonstrações indutivas
sobre eles, se os _implementarmos_ como árvores, ou outra estrutura de
dados mais adequada!

Um ilustração.  Muitos dos colegas devem se encontrar, como eu, em uma
certa lista de mensagens em que não pediu para entrar, e terão
recebido uma mensagem recente do Corcoran sobre uma certa "string
theory" que ele continua a desenvolver há anos.  Se temos razão
contudo em pensar que as strings são apenas um _disfarce sintático_
para uma estrutura de dados mais profunda cujo proveito podemos tirar,
é difícil perceber se haveria algum real interesse lógico no estudo de
fórmulas-como-strings.  Como lógicos praticamente nunca fazemos, por
exemplo, indução sobre strings.  Algumas vezes até fazemos
demonstrações por indução sobre números naturais (que "traduzem" as
estruturas envolvidas).  Mas a "verdade" sobre a maior parte das
induções que nos interessam é que eles são *estruturais*!  Ignorar a
estrutura é esconder parte da verdade...

Demorei a compreender a importância e o alcance do conceito de
"estrutura de dado" justamente por ter feito parte da minha formação
inicial na Filosofia.

% % %

Walter Carnielli escreveu:
>
> 1) "Forcing" (substantivo) :  Relação de forçamento

E a *técnica de forcing*, de Cohen?

> 2) "Frame" (substantivo) :  enquadramento

Este já está "consagrado", não?

> 3) "tableau"  e "tableaux"  (substantivos):   tablô e  tablôs

Esta é engraçada, pois o termo *tableau(x)* foi justamente um
galicismo proposto e "consagrado" por um holandês (Beth) e um
estadunidense (Smullyan)...

> 10) " proof"  (substantivo) :   preferencialmente  'demonstração',
> mas mantendo   "Teoria da Prova"  no caso  específico da área.

Vou manter não... :-)

> *Não quero*  dizer  com isso  que uma discussão mais  profunda,
> como aquela sobre  "consequência sintática"e "semântica, ou sobre a
> distinção ( se  houver) entre "prova" e "demonstração"  devam ser
> canceladas--simplesmente  não creio que esse tipo  de discussão se
> resolve  na  Lista.

O objetivo de discutir não é resolver, ou alcançar um "acordo
universal"!  Por exemplo, vários colegas da lista que usam e até já
escreveram textos com o termo "Teoria da Prova" não se manifestaram na
discussão que aconteceu nos últimos dias.  Estarão "de acordo" com o
que foi proposto?  Muito provavelmente NÃO.  Mas ficaram registrados
aqui os *argumentos* a favor de "Teoria das Demonstrações".

> Talvez se  inicie na Lista, mas  só vai prosperar   (penso) com um
> artigo competente e bem feito endereçando-se à questão.

Haverá a necessidade de mais um artigo escrito neste mundo? :-)  Como
bem já disseram os colegas, estas coisas são resolvidas *na prática*,
com o **uso**.  Mas uma lista como esta parece ser um bom local para
discutir e difundir certos usos, não?

> Há  muito mais. Ficam como desafio "turnstile", "top" e  "bottom"...

"Catraca" é uma possibilidade já discutida aqui na lista para
"turnstile" --- com o defeito de ser um termo demasiado regional,
mesmo no Brasil.  "Topo" e "base" são traduções razoáveis para os
demais termos, e até já tentei usá-las em sala de aula, sem muito
sucesso até aqui --- eu próprio voltei para "top" e "bottom", sem
perceber. :-)

E já que estamos nessa, o que dizer de "meet" e "join"?

% % %

Não resisto a mais uma anedota.

Recordo-me de uma palestra que apresentei na Sardenha ano passado.
Cometi a imprudência de fazê-la em italiano, pra ver no que dava.
Além de ter demorado mais tempo, claro, do que se tivesse feito na
língua franca da Ciência, tive que parar várias vezes para perguntar à
plateia indefesa a tradução de certos termos (como "entailment").  Via
de regra, a resposta que me deram foi:
> Non abbiamo una parola in italiano per questo!

O que eu devia esperar da língua de um povo que engoliu os romanos, e
não soube sequer criar termos *em italiano* para "computador" ou
"esporte/desporte"? :-D

% % %

JM

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