Caro Molina,

A questão de ter um equilíbrio entre apresentar argumentos filosóficos de
um lado e fórmulas e demonstrações de outro, não é algo que se restrinja
hoje em dia a cursos de lógica para filósofos.

Cito um livro muito elogiado por pessoas no exterior, o de Carnielli &
Pizzi sobre lógica modal. A razão do elogio estava justamente no fato de
que o livro faz a ponte necessária entre a lógica modal mais filosófica e a
matemática. Todos experts da Europa me dizem que esse era o livro que
estava faltando.

Voltando à lógica clássica, proposicional ou de primeira ordem, se eu olho
os artigos de Russell e Quine, o que devo eu imaginar estar lendo? Lógica
matemática ou lógica filosófica?

Não posso estar de acordo com a ideia de que filósofos não tenham interesse
em fórmulas e demonstrações, e profissionais da computação não tenham
paciência com argumentos filosóficos.

Ao contrário do que muita gente pensa, um texto sobre lógica que não dá
exemplos, nem fórmulas, fica muito abstrato. As fórmulas e as demonstrações
concretizam o que está sendo explicado. Um texto somente com fórmulas e
demonstrações, sem as contextualizar, sem explicar a questão filosófica por
detrás, fica vazio de sentido.

Dar exemplos com frases de línguas naturais é bom. Mas, as línguas naturais
têm muitas propriedades semânticas intricadas que ainda estamos por
descobrir. (Por exemplo, não sabemos ainda direito o que sejam em
linguagens formais as implicações contrafactuais). Também, não é sempre que
um certo tipo de conceito ou problema lógico é imediatamente transposto
para frases de uma língua como Português, Grego ou Inglês. Como eu
exemplifico com conjuntos de frases naturais o que seja uma lógica de ordem
omega? Não vi nada do gênero até agora.


Em 11 de abril de 2012 19:12, Jorge Alberto Molina <mol...@unisc.br>escreveu:

>  Prezado Tony :  Demorei em respondê-lhe porque fiquei pensando no
> assunto. Eu vejo as coisas do modo seguinte. Considere estas situações:
>
>
>
> 1) Um investigador de policia observa contradições no depoimento de um
> suspeito. Toma *essa contradição* como um sinal de que a fala do suspeito
> não corresponde aos fatos. Ele não se preocupa em identificar quais são as
> proposições falsas do depoimento. Basta-lhe considerar que o discurso
> globalmente não corresponde aos fatos.
>
> 2) Em algum momento do ano 450 AC Tísias e Córax disputam em Siracusa
> sobre quem é o dono de um terreno. No percurso da argumentação Córax se *
> contradiz. *Ele perde a disputa e deve entregar o terreno.
>
> 3) Sem estar em jogo nem a liberdade, nem dinheiro, nem poder, Antístenes
> e Górgias discutem sobre se a virtude é ou não é ensinável. Não percurso do
> diálogo Górgias *se contradiz*, e todos os participantes do debate dão a
> razão a Antístenes.
>
> Você observe que em todas estas situações *se contradizer *signfica
> perder algo: liberdade, dinheiro, o assentimento dos demais para o que se
> afirma. Haverá regras para evitar cair na contradição?
>
> 4)Em algum momento de sua vida Antifonte descobre que se houver tais
> regras, então as mesmas se aplicam ao diálogo que silenciosamente fazemos
> com nós mesmos. O diálogo deixa lugar para o discurso silencioso do
> silogismo.
>
> Tony, a Lógica surgiu da argumentação. E na argumentação seja com nós
> mesmos ou com outros *devemos evitar cair na contradição*. A dialética
> platônica e os Tópicos de Aristóteles precedem  os Segundos Analíticos.
> Como se deu esse passo? Você deve considerar os enunciados  proferidos como
> proposições, isto é, fazer abstração de suas condições de enunciação;
> depois outorga aos termos do seu discurso um significado unívoco; agora
> introduz variáveis; já tem um esqueleto e pode investigar a forma desse
> esqueleto. Como você tem proposições e não apenas enunciados, você as pode
> considerar como  verdadeiras ou como falsas, segundo seja o caso.  Agora
> você vai se interessar pelas regras que permitem passar de proposições
> verdadeiras a proposiçoes verdadeiras. Você já é um lógico.
>
> Gosto de livros como o de Strawson *Introduction to Logical Theory *e o
> de Toulmin *os usos de argumento *porque fazem surgir a Lógica da
> argumentação na linguagem ordinária. Você poder duvidar que esse processo
> histórico ocorreu do modo que eu o descrevo , mas pode considerar meu
> relato como uma hipótese explicativa, como a do estado de natureza de
> Rousseau. Por isso  eu disse que para o estudante de Filosofia é mais
> interessante iniciar por um curso de Lógica informal ou Teoria da
> argumentação  mais do que pelo estudo da Lógica formal. Sobretudo porque a
> argumentação filosófica na maioria dos casos não é formalizada. * *O caso
> dos matemáticos e cientistas da computação a coisa é distinta. A maioria
> deles se impacientariam com estas disquisições e achariam entendiante uma
> abordagem à Lógica formal como a que eu sugiro para os estudantes de
> Filosofía. Um abraço. Jorge Molina* *
>
>
>  ------------------------------
> *De:* Tony Marmo [marmo.t...@gmail.com]
> *Enviado:* segunda-feira, 9 de abril de 2012 18:37
> *Para:* Jorge Alberto Molina; Lista acadêmica brasileira dos
> profissionais e estudantes da área de LOGICA
> *Assunto:* Re: [Logica-l] ENSINO DE LÓGICA, POR QUAL LÓGICA COMEÇAR?
>
>  Caro Alberto Molina,
>
>  Eu já não gosto de fazer essa separação. Na verdade, o bom e o ideal
> seria que os livros e os cursos de introdução à lógica primeiro
> recuperassem no começo dos capítulos ou seções as reflexões filosóficas que
> motivaram a abordagem e depois podem entrar nos formalismos cada vez mais.
>
>  Por exemplo, em um primeiro capítulo, um livro pode falar da maiêutica,
> depois um pouco da escola megárica, do Organon e depois dos estóicos. Outro
> exemplo: quando se vai introduzir a noção de valoração, pode-se falar ainda
> que en passant do problema da batalha naval.
>
> Em 9 de abril de 2012 15:52, Jorge Alberto Molina <mol...@unisc.br>escreveu:
>
>> Prezado Tony: Sua sugestão é razoável se se trata de cursos de graduação
>> em computação e em matemática. Para o caso de um curso de graduação em
>> Filosofia eu me posiciono em contra. Aí eu começaria por um curso de Lógica
>> informal e depois seguiria com um curso de Lógica clássica de primeira
>> ordem. Extensões da lógica clássica e lógicas divergentes deixaria para
>> pós-graduação. Um abraço. Jorge Molina
>>
>> ________________________________________
>> De: logica-l-boun...@dimap.ufrn.br [logica-l-boun...@dimap.ufrn.br] em
>> nome de Tony Marmo [marmo.t...@gmail.com]
>> Enviado: segunda-feira, 9 de abril de 2012 14:11
>> Para: Lista acadêmica brasileira dos profissionais e estudantes da área
>> de LOGICA
>> Assunto: [Logica-l] ENSINO DE LÓGICA, POR QUAL LÓGICA COMEÇAR?
>>
>> Aos mestres, colegas e amigos,
>>
>> Existe uma tradição, mesmo em centros onde lógicas não-clássicas são
>> estudadas aprofundadamente, de iniciar o estudo da lógica por uma
>> apresentação à lógica clássica.
>> Depois, conforme a escola de pensamento seguida, estudam-se outras lógicas
>> e apresenta-se inclusive a ideia de que a lógica clássica pode ser vista
>> como um caso particular de outras lógicas.
>>
>> A pergunta que faço é a seguinte: por que não começar os cursos de
>> introdução por uma lógica ou por uma perspectiva não-clássica. Por
>> exemplo,
>> por lógicas multi-valentes e mostrando como os sistemas bi-valentes são
>> casos particulares? Ou então pela lógica intuicionista? Ainda que faltem
>> em
>> um ou outro caso textos mais acessíveis, deve ser possível
>> confeccioná-los.
>>
>> O que acham?
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