Olá, pessoal!

Compartilho a seguir o link para o preprint de um artigo que será em breve
publicado (assim esperamos):

http://philsci-archive.pitt.edu/16610/

Trata-se de uma teoria de primeira ordem com igualdade e uma única letra
funcional, cuja interpretação pretendida é o conceito intuitivo de função,
mais precisamente a ideia de "valoração", "calcular em", ou "avaliação"
(evaluation): f_1^2(x, y)  = x(y).

O propósito dessa teoria é modificar a máxima "todas as coisas são
conjuntos", ou "tudo é conjunto", substituindo-a por "todas as coisas são
funções" ou "tudo é função".

Não é um programa novo, apesar de os resultados que apresentamos no
preprint, sim, são novos. Entre eles, destacamos:

1) O paradoxo de Russell é evitado de forma muito simples, sem necessidade
de algo similar ao Esquema de Separação;

2) A definição usual de igualdade de funções é um teorema em Flow, que
decorre de um axioma de extensionalidade associado a "propriedades
universais" de duas funções especiais;

3) Par ordenado é teorema;

4) Potência é teorema;

5) Não há redução do conceito de avaliação ao de composição, como em
categorias, tais ideias permanecem distintas, o que nos permite observar
fenômenos que não aparecem quando usamos apenas "lentes categoriais".

Como é bem sabido, von Newmman introduziu em seu famoso artigo de 1925 uma
proposta de fundamentação para a matemática inteiramente assentada na ideia
de função, isto é, em que os conjuntos são definidos por meio de funções e,
portanto, figuram numa posição subordinada.

Por outro lado, é também evidente que a teoria de categorias concede grande
centralidade à ideia de função (generalizada no conceito de morfismo),
subordinando os conjuntos ao papel de meros objetos que, a rigor, são
dispensáveis: podem ser substituídos por morfismos-identidade ("object-free
definition"). Note-se, a propósito, a antevisão de von Neumman, que
apresentou sua proposta vinte anos antes do artigo "A general theory of
natural equivalences" de Eilenberg e Mac Lane. (Não estamos sugerindo
correlação direta entre tais trabalhos ou entre as duas visões sobre
matemática que eles representam, apenas tentando enfatizar o papel
preponderante que funções podem adquirir frente aos conjuntos.)

O trabalho que agora submetemos à critica é um desenvolvimeto de pesquisas
realizadas há vários anos pelo Prof. Adonai Sant'anna, em parceria com o
Prof. Otávio Bueno e com o Prof. Newton da Costa, sobre a possibilidade de
eliminar o máximo número de conceitos primitivos "dispensáveis" (definíveis
por meio de outros) na axiomatização de teorias físicas e também de teorias
matemáticas usuais, como a teoria de conjuntos.

A primeira formulação das ideias que deram origem à Teoria Flow apareceu
num artigo do Prof. Adonai e do Prof. Otávio Bueno publicado em 2014,
intitulado "Sets and functions in theoretical physics". Neste trabalho,
entretanto, a então "Teoria N" mantinha-se ainda muito próxima da ideia
original de von Neumman e não se fazia uso sistemático de métodos
categoriais (busca pelos fenômenos de dualidade, adjunção, propriedades
universais, etc.) para a obtenção de linhas de investigação ou resultados
novos. Por isso, duas funções especiais, constantes introduzidas por von
Neumman para fazer o papel análogo ao daquilo que hoje chamamos de
"classificador de subobjetos" de Set, isto é, ligadas ao conceito de função
característica, permaneciam sem significado na Teoria N, a despeito do fato
de que o próprio artigo já sugerisse a possibilidade de investigar com mais
profundidade o possível significado dessas funções.

Na formulação atual, tais constantes, representadas com 0 e 1, são agora
funções muito especiais, que possuem "propriedades universais", de certo
modo "duais" (a notação já sugeria, desde a Teoria N, embora não
intencionalmente, a dualidade objeto terminal vs. inicial).

Por estar assentada no conceito de avaliação (evaluation) e não no conceito
de composição, como a teoria de categorias, Flow é simultaneamente distinta
da teoria de categorias e parece conter a teoria de categorias, na medida
em que esta pode ser vista como a descrição de um subuniverso de Flow, em
que por razões práticas pode ser útil introduzir a ideia de composição
restrita, domínio e codomínio, etc. (Em Flow, todas as funções são
"componíveis", não há necessidade, em princípio, dos conceitos de domínio e
codomínio, mas eles podem ser facilmente introduzidos.)

O nome Flow Theory é uma alusão à filosofia de Heráclito, que compreende a
realidade como um processo de transformação permanente, um fluxo de
transformações e mudanças. Tal escolha está, portanto, em oposição à
"filosofia" implícita na ideia de conjuntos abstratos, onde os entes do
universo matemático são coisas estáticas, com elementos igualmente
estáticos, que se relacionam com os conjuntos por meio da rígida relação de
pertinência. Em Flow, os entes do universo são funções, processos de
transformação. As transformações atuam umas sobre as outras produzindo
novas transformações. Aqui há um notável paralelo, obtido de forma não
intencional, com a fundamentação filosófica da Topos Theory, em que toda
ideia de "constância" é vista como um caso limite de processos de variação
(William Lawvere). De modo análogo, em Flow, conjuntos são funções muito
especiais, funções que chamamos de "estáticas" (às vezes de "mortas").

A versão apresentada nesse preprint é uma versão simplificada de Flow, em
que forçamos a "extensionalidade fraca" de Flow a se comportar como a
extensionalidade conjuntista: duas funções com o mesmo "comportamento" são
iguais nessa versão simplificada. Essa escolha tem o propósito de facilitar
a demonstração de que os axiomas de ZFC, quando traduzidos em Flow, são
teoremas. Na versão não simplificada de Flow, contudo, pode não ser tão
fácil obter tal demonstração: duas funções com o mesmo comportamento não
são necessariamente iguais, seriam apenas "equivalentes". Ainda não
descobrimos, nessa versão não simplificada, leis de cancelamento (como
monomorfismo e epimorfismo) ou "separadores" (como o objeto terminal em
Set) que nos permitam separar morfismos, obter a igualdade de funções: elas
continuam sendo seres com individualidade, porém não totalmente
distinguíveis (até o momento). Acreditamos que Flow possa desempenhar, no
futuro, papel relevante na formulação de problemas sobre
"indistinguibilidade" que ocorrem em mecânica quântica.

Um minicurso sobre a Teoria Flow será apresentado em um workshop sobre
mecânica quântica que ocorrerá em Florianópolis em dezembro. Até lá,
pretendemos ainda preencher as lacunas do preprint e coletar críticas,
sugestões e correções. Como a proposta é bastante ousada, pode ser que
estejamos completamente equivocados! :-)

Por outro lado, a versão que está agora no papel é resultado de seis meses
de trabalho diário. Nesse percurso, nos deparamos diversas vezes com
pequenas inconsistências. Ficaremos imensamente agradecidos se os colegas
interessados puderem analisá-lo com seus alertas de inconsistência ligados!

Ainda há muita coisa interessante para ser analisada e certamente diversos
fatos, teoremas, que não estamos enxergando. Uma das nossas dificuldades no
momento é que o único categorista da nossa equipe é amador (eu), o que tem
atrasado um pouco a obtenção de resultados que parecem estar diante do
nosso nariz, mas que não conseguimos formular satisfatoriamente. Temos a
esperança, contudo, de que categoristas profissionais se interessem pelo
trabalho e queiram contribuir com o desenvolvimento dessa teoria.

A propósito, os diagraminhas que representam as funções finitas pequenas de
Flow são grafos reflexivos, o que sugere um problema de imersão (fora da
teoria, é claro) de Flow na categoria dos grafos reflexivos ou um problema
de imersão de Flow, vista como categoria (monoide sob a composição), na
categoria dos endomorfismos de conjuntos... Isso tudo está em aberto. Outro
fato curioso é que uma das funções mais importantes de Flow, a função
sucessor, tem um comportamento "algébrico" muito similar ao de um
funtor-hom, e parece nos dar de fato uma interpretação "quase-funtorial" de
um subuniverso de Flow em conjuntos (chamamos de "quase-funtorial" porque o
sucessor de uma composição não é igual à composição de sucessores, ela
contém a composição, mas apenas em casos particulares é igual).

Bom, era isso. Esperamos que os colegas se interessem e que possam analisar
o material (e que não descubramos nenhum erro muito grave, hahaha...)

Abraços!

M.

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