DESTINOS - HOMENS.
Há tantos tipos de destino quantos são os homens.
Destinos que elevam, que estacionam, que descem.
Uns ardem na ânsia do aperfeiçoamento moral e se
entregam a provas intensas por um caminho acelerado; outros
estacionam, vagabundando pela margem da vida; outros destróem seus
valores espirituais, brutalizando-se na matéria.
E cada um, segundo aquilo que é, julga a vida - mas
no fundo, não julga senão a sua vida e a si próprio.
Os que estão destinados ao céu dizem que a terra é um
purgatório, um lugar de sofrimento e que a vida não pode ter outro
valor ou significado além da redenção através da dor.
E sofre, sabendo que sofre utilmente, numa dor
consciente e construtiva.
Este tipo de destino tem a sua meta além da vida e
nessa meta se realiza, permanecendo em irredutível contraste com a
vida terrena.
Trata-se, em geral, de almas caídas na terra para
expiação ou missão.
Há também os que, equilibrados em posição
estável no ambiente terrestre, não tem função de suportá-lo apenas
para que aprendam e avancem, mas sim para trabalhá-lo a fim de que a
animalidade terrestre evolua.
E podem ser honestos trabalhadores, mas ainda não
sabem se realizar nos mais altos planos da terra.
Para eles, aqui é um lugar de trabalho e aqui querem
colher seus resultados. Para ele são inconcebíveis os superamentos e
as fugas.
Enfim, aí está o grande lodaçal onde estagnam em
putrefação os que vivem no estado de inércia.
Ignorantes, indiferentes, gozadores, oportunistas,
incapazes de crer em outra coisa senão no seu bem-estar, guiados
pelos poucos instintos através dos quais imperam as leis da vida -
esses consideram a terra não como um lugar de expiação ou missão,
nem como lugar de trabalho, mas como lugar para o gozo.
Vegetam na animalidade e são agarradíssimos à vida e
aos seus prazeres.
Acham-na, às vezes, espinhosa, mas são dotados de tal
diferença, insensibilidade e egoísmo, que conseguem assim mesmo
encontrar alegria.
E ficam satisfeitos, não sabendo conceber nada
melhor.
Esses louvam a vida e concluem que, apesar de tudo,
chora-se muito bem neste vale de lágrimas.
Para esses, a dor não é senão um inimigo que se deve
combater e destruir por todos os meios. Ignoram a sua função
evolutiva!
Esta inútil escumalha humana vai à deriva; é o
rebanho amorfo, a grande massa social a cujo nível devem descer
todas as concepções religiosas, políticas, sociais, se desejarem na
massa sobreviver e agir.
É natural que os pontos de vista e a posição de cada
um, sendo assim diversos, os juízos estejam em desacordo e as mesmas
coisas tenham, para os vários indivíduos, significação e valores
diversos.
O contraste entre o nosso personagem e o mundo não é,
no fundo, senão uma divergência de tipo individual e de
meta.
O destino que aqui estamos observando pertence ao
primeiro tipo, que se pode chamar de irredutível ou inadaptável.
Suportam tudo com heróica paciência, mas consideram
sempre a terra como um exílio e um inferno.
E tal é, para sua tristeza. Tanto mais quanto eles
compreendem tudo, não tendo a proteção nem da ignorância, nem da
insensibilidade, como aqueles outros.
Diante dos destinos estacionários ou descendentes,
estes podem se qualificar destinos ascensionais:
destinos felizes e desgraçados a um tempo -
desgraçados pelo caminho a percorrer, mas felizes pela meta que
deverão alcançar, e que são sempre um tremendo trabalho.
Para
dar repouso e trégua à expiação, permitir a assimilação das provas,
a explicação das missões; para não destruir o homem sob a cruz,
estes destinos ascensionais saem muitas vezes não segundo uma reta,
mas por ondas em cujos vértices estão sempre mais alto e nos mínimos
sempre menos baixo.
Isto implica uma ascensão de todo o conjunto, mas
também depois de cada período de ascensão, um de descida ou queda.
Neste ponto estamos no fim do período que vínhamos
narrando. O nosso personagem havia chegado a um vértice e foi a
própria altitude deste que o precipitou pela descida da onda, pela
depressão que fatalmente se abriu diante dele.
Ao fim desse período, os motivos nele dominantes
conseguiram sua plenitude; todos os valores anteriormente acumulados
tinham dado o seu rendimento. E a expansão, exaurido o seu ímpeto,
susteve-se.
Continuemos a observar o desenvolvimento das
várias forças que operam neste destino que, presentes ao nascimento,
deverão desenvolver-se até à morte, já delineadas precedentemente,
mas continuamente corrigidas pela livre vontade do indivíduo, que as
utilizava para continuar sua ascensão.
Estas forças sempre em ação, mutáveis no seu
desenvolvimento, são os verdadeiros personagens deste livro.
Este não é apenas um conto: é um estudo dos mais
íntimos impulsos da vida, que para nós sempre assume um significado
orgânico, lógico e profundo.
Tão lógico e profundo que naquelas forças se sente e
se reconhece aqui uma inteligência motriz que cintila de pensamento
divino, uma inteligência que nos permite saber cumprir o destino de
cada personagem.
Esperamos que não seja inútil e que sejam
compreendidas as afirmativas deste livro, elaboradas para dar um
sentido sério e substancial à vida.
Veremos ao fim deste
período, que vai dos quarenta e cinco aos cinqüenta e cinco anos do
nosso personagem, que cada germe amadureceu o seu fruto e que em
cada campo foi feita a colheita.
Cada um dos três motivos, continuando seu
desenvolvimento, expõe sua posição.
1o - O conhecimento,
inicialmente esperado e procurado, foi conseguido em primeiro lugar
e foi neste período registrado e divulgado com sucesso.
2o -
Isto representa o remate da atuação: aquela vida dava todo o seu
rendimento no cumprimento de sua missão. Aquela força amadureceu o
seu fruto, para o bem dos outros; tornara-se ação humana operando na
sociedade. Os resultados que esta atuação trouxe ao mundo, uma vez
quebrado aquele mal-entendido temporário, provocariam agora a
agressão. A atuação é um desafio para a luta.
3o - Os dois
motivos precedentes se completam num terceiro que se desenvolve
paralelamente. No estado de graça durante a registração e no
cumprimento da própria missão, amadurece no sujeito a catarse
mística que tínhamos descrito, na qual a expiação na dor tem uma
pausa e um conforto, sobrevindo, qual ascensão espiritual, uma
primeira libertação e redenção.
Depois de um período de
formação primárias e depois das afirmações individuais, aquele
destino assumia um significado coletivo.
Os três impulsos se cruzavam e fundiam numa única
realização. Conseguida a transformação do sujeito, eles agora se
irradiam em ação exterior mais vasta, da qual ele era o centro. Mas,
para chegar a este novo rendimento, era necessário voltar ao grande
trabalho purificador da dor, ao esforço da
redenção.
Encontramo-nos, neste momento, diante de três
vértices de realização e são justamente os vértices que atraem o
assalto.
Um vértice é, no fundo, uma culminância de forças,
uma concentração de impulsos num só ponto - um desequilíbrio que
exige compensação.
As leis da vida não vêem se aquele desequilíbrio no
seu plano se formou em vista de equilíbrios mais elevados e
complexos que se hão de realizar em outros planos.
A natureza não sente esse gênero de escopo que a
supera.
Será, naturalmente, uma compensação mais longínqua;
toda embebida na tensão do trabalho em seu próprio plano, não o leva
em conta.
Suas leis assinalam o desequilíbrio no seu nível e se
limitam a corrigi-lo automaticamente.
Quem se atira ao vácuo cai e se esfacela, embora seja
herói ou mártir que arrisca a vida para salvar uma outra ou para o
bem do mundo.
A lei humana terrestre diz: "Serás compensado, mas
agora tens de pagar".
Por essas razões, chegado a esse ponto
do seu desenvolvimento, os três motivos daquele destino que se
tinham reunido em três vértices, devem sofrer três assaltos.
A continuação do desenvolvimento não poderá se dar
senão através da correspondente inversão de posições.
As três estradas continuam, as três forças devem
avançar, mas se invertem e agem em direção contrária.
Cada impulso favorável transmuda num impulso oposto
de reação.
A Lei dera gratuitamente e agora se apresenta como um
credor que tem o direito de exigir o seu preço.
Tinha exaltado e agora abate.
E volta a hora das provas, na qual o sujeito,
triunfante por efeito do auxílio daquelas forças, vê-se justamente
por elas severamente examinado.
O caminho do conhecimento
havia-lhe produzido um máximo de rendimento individual e coletivo.
A divulgação se cumpria.
A semente estava definitivamente brotada e era agora
impulso autônomo, como um filho que já não precisa da mãe.
Não restava ao nosso personagem senão ser o
administrador do ideal, isto é, de acompanhar praticamente a
divulgação. Mas esta afirmação implicara numa negação; este superior
equilíbrio produzira um equilíbrio inferior que agora exigia a sua
compensação.
Todo o seu organismo, a expensas de cuja energia se
realizara grande parte do trabalho, sofria agora as conseqüências.
A alta tensão nervosa em que vivera durante anos para
produzir, nas condições mais desfavoráveis, tinha-o esgotado.
A "matéria" que se havia prestado ao esforço do
"espírito" devia agora pagar por isso. Quando cessou a febre de
exaltação produtiva, quando voltou a calma normal, ele viu que sua
saúde estava abalada.
O esforço intenso e contínuo reduzira-o a um farrapo.
Chegara à mais alta realização de si mesmo no
conhecimento, mas com isso violara o equilíbrio da natureza
econômico e conservadora que o fazia ver agora, no seu plano, o
quanto ele lhe devia. Nada se dá de mão beijada e ele devia agora
amontoar em seus ombros esta nova dívida.
E caiu em profunda exaustão.
O trabalho
demandado pela atuação produzira a colheita, a alegria das messes
maduras e abundantes.
O conhecimento divulgado tornara-se força operante no
mundo; a missão estava afinal realizada.
Fora, mesmo, um sucesso exterior que provocara
admiração e exaltação, exaltação necessário para que aqueles livros
pudessem penetrar e alcançar os espíritos maduros, prontos para
compreendê-los. Mas, era preciso pagar.
O vértice de exaltação do mundo é justamente o
desequilíbrio que exige compensação. É a preparação lógica e natural da agressão do mundo
( Domingo de Ramos).
No caso particular que narramos, não fazemos senão
aplicar uma lei de caráter universal, sempre pronta a se fazer valer
a qualquer momento para quem quer siga a estrada da ascensão.
Trata-se de lei universal, válida para casos
singulares como para coletivos ( determinismo histórico).
O momentâneo compromisso de paz mantido pela
incompreensão já não tinha razões morais nem possibilidades
materiais para se manter ainda e devia cair.
Em seu lugar não poderia tardar em aparecer a
substância daquela atuação que era desafio e luta e a substancial
inconciliabilidade entre o ideal e o mundo.
Ao divulgar-se os escritos, isto deve ter sido
compreendido, bem como o que o autor em verdade pretendia e, ante
esta revelação inesperada, haveria a rebeldia.
O mundo ali estava para se vingar.
Ele mexera com as leis de interesse humano, tinha
acusado em nome do bem e da verdade, havia tentado destruir para
superar. Portanto, devia pagar. Era chegada a hora da
traição.
Afinal, mesmo o caminho da expiação havia conduzido
aos seus frutos, ou seja, à purificação e com esta, à ascensão
espiritual na catarse mística.
Chegara até à inspiração e às visões; que mais podia
sonhar?
A realização que para ele era máximo, exigia uma
compensação adequada. Aquele vértice era uma antecipação muito
apressada de evolução, um desequilíbrio das forças da natureza,
agarrada, não é renovação, mas à mais segura estabilidade das
posições já conquistadas.
Este misoneísmo conservador é uma posição de inércia
dominante e de todo negativa ante as superconstruções biológicas.
E enquanto aquele misoneísmo assim oferece ao homem
normal larga base de apoio e garantia de sobrevivência - deixa
aquelas superconstruções sozinhas, abandonadas às próprias forças, à
própria responsabilidade e ao próprio destino.
A regra
protesta e se levanta contra a exceção, exprobrando-lhe a
imperdoável lei divergente.
Ele ficava lá em cima, sozinho, suspenso entre o céu
e a terra, entre dois planos, entre duas leis diversas, desprotegido
de ambas.
A sua posição era o produto de um esforço
excepcional; não podia resistir muito nesse equilíbrio de vôo.
Para o triunfo da mediocridade imbecil, Ícaro devia
precipitar-se.
Assim também aquele píncaro espiritual que alcançara
exigia que caísse, para que o equilíbrio fosse restabelecido.
Quando, um dia, a natureza se negou a fornecer
energias antecipadamente e retraiu-se ao risco da aventura,
contrapondo sua lei de conservação à lei da evolução que se atirava
muito longe, então se aclamou a febre criadora, arrefeceu o
entusiasmo da ascensão.
E para que ele não fosse queimado e sobrevivesse, a
alta tensão espiritual caiu e a luz interior se apagou.
Cai sobre a terra um fragmento.
Jazem no lodo os restos piedosos do anjo que queimara
as asas ao sol.
Aqui também, ele tinha de pagar.
E chegou a cegueira espiritual.
Perdida a força capaz de alcançar a alta tensão, as
doces visões desaparecem, e assim a sensação de Deus.
Ficou sozinho sobre a terra inimiga que o renegara e
agora renegava, muito cansado para saber voltar ao céu; muito forte
ainda a memória da grande experiência vivida para poder adaptar-se a
viver na terra.
Sentiu-se então abandonado por Deus e na sua alma não
restou senão a visão do espantoso inferno terrestre.
Não teve diante de si senão a realidade humana que
contra ele se voltava.
Assim, com a sua completa destruição,
tudo pagava.
E estas são as provas que esperam aqueles que
enveredam pelos caminhos do espírito. E caiu, desfalecido, sob a
cruz.
Pietro Ubaldi
ll