QUEIMAR OS NAVIOS
“Queima os teus navios, meu amigo!” — assim te
escrevi...
E tu me perguntas o que quer isso dizer...
Coisa muito grave, gravíssima — quer isso dizer, meu
amigo...
Quando Fernando Cortez, há mais de quatro séculos, aportou no país dos
astecas, disse ele aos soldados:
“Reembarque para Cuba todo homem
medroso!...”
Silêncio profundo acolheu esta ordem — e o pugilo de temerários heróis
foi à conquista do México... Para cortar cerce toda esperança de regresso inglório, lançou Cortez fogo aos navios — reduzindo-os a cinzas...
E tu, meu amigo — já queimaste teus
navios?...
Cortaste rente toda a idéia de voltar atrás — às “panelas do
Egito”?...
Das árduas alturas do espírito — para a suave planície da
matéria?”
Olha em derredor: quase todos preferem a farta escravidão — à austera
liberdade...
E muitos dos que vão à conquista do paraíso de Deus — deixam intatos seus
barcos...
Sempre dispostos a refugiar-se neles — no comodismo da vida, nas queridas
vaidades de ontem...
Aqui, o deserto de Deus — lá embaixo, festins do
Egito...
Aqui em cima, remar contra a corrente — lá embaixo, deixar-se ir ao sabor
das tépidas vagas...
Somos como nadadores principiantes que se lançam às águas mas não largam
os arbustos da praia.
Quanto mais nos convida a jubilosa liberdade das ondas bravias de Deus —
tanto mais nos aferramos às coisas queridas da
terra...
Somos de Deus, certamente — mas somos também do
mundo...
Não ousamos sem reserva lançar-nos a seus mares ignotos — e perder de
vista os verdes litorais da nossa vida...
Empunhamos o arado de Deus — mas sempre a olhar para
trás...
Queremos, sim, anunciar o reino de Deus — mas primeiro matar saudades em
casa e enterrar nossos defuntos...
Ai! como é difícil ser integralmente o que se
é!...
Bandeirante de vastos horizontes...
Pioneiro de mundos ignotos...
Herói sem reserva!...
Forramos de anêmicos quisera, quisera nossa vida — e não ousamos bradar um
intrépido eu quero!...
Tu, meu amigo, que és
jovem e espírito ideal — reduze a cinzas as naus em que
vieste!...
Morrer para o teu panteão de ídolos...
Morrer por um grande ideal...
É viver eternamente... (De “De Alma para Alma”, de Huberto
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