O objetivo é evitar a perda de espécies únicas e, principalmente, garantir que nós (ou alguns de nós, que seja) possamos recomeçar do zero a produção agrícola - e garantir a comida - no caso de o planeta sofrer um desastre de grandes proporções, como o choque de um asteróide, uma guerra nuclear ou biológica. Isso mesmo: já temos a garantia de uma despensa se for preciso fazer tudo de novo.
Svalbard, onde nada se planta, será o local que no futuro "tudo se dará". Uma das colônias locais, por exemplo, precisa de uma estufa aquecida e iluminada, com vegetais, para garantir o suprimento de vitaminas aos moradores. Mas o Brasil também mantém uma iniciativa similar, assim como vários outros países. Então, no que se diferencia esse celeiro adormecido sob o gelo ártico?
O abrigo será construído perto de Longyaerbyen, a principal aldeia do arquipélago de Svalbard, e armazenará sementes de cereais, frutas e legumes. Será um túnel de concreto reforçado de dezenas de metros de profundidade, protegido por duas portas de aço e onde a temperatura será de -18°C. O congelamento de sementes para a preservação de espécies não é um pioneirismo. Muitos países mantêm seus bancos.
- Não estão fazendo nada a mais do que já fazemos há 25 anos - explica a pesquisadora Clara Oliveira Goedert, agrônoma gaúcha que coordena as câmaras frias de conservação de sementes da Embrapa.
Clara, no entanto, concorda que uma motivação no caso de Svalbard se impõe, a segurança.
- Trata-se de nossa rede final de segurança. Se as sementes armazenadas num banco comercial de genes forem destruídas, o que já aconteceu, os conteúdos do nosso banco genético tornarão possível substituir as perdas - disse Jens Stoltenberg, primeiro-ministro da Noruega, na cerimônia que marcou o início da construção, junto às montanhas geladas, na segunda-feira passada.
Perante colegas dos outros países nórdicos, ele colocou, simbolicamente, um tubo de sementes bem no local onde a galeria será escavada.
Conforme informações preliminares, as sementes serão mantidas em caixas-pretas, num sistema de refrigeração artificial que pode chegar a -18°C. Com 54 metros de comprimento e mais de seis metros de altura, a câmara será construída sob uma montanha de pedra, à prova de atividades vulcânicas, sísmicas, radiação e aumento do nível do mar. Uma cerca de alta segurança, equipada com câmeras de TV e detectores de movimento, além de agentes de segurança noruegueses, impedirão o acesso ao tesouro biogenético. O banco não poderá ser utilizado para pesquisa científica.
O projeto servirá como um remoto substituto às dezenas de bancos de sementes já usados no mundo, mais vulneráveis a riscos que variam de guerra nuclear a simples falhas de energia.
Naquela região do Ártico, mesmo que haja problemas no sistema da temperatura, é provável que as sementes permaneçam congeladas. A capacidade de germinação será regularmente examinada.
O depósito armazenará até 3 milhões de amostras genéticas, procedentes de 11 instituições de países como Colômbia, México, Índia, Filipinas e Quênia. Serão excluídas árvores frutíferas, batatas e plantas medicinais reproduzidas por clones e organismos geneticamente modificados.
- Teremos a base biológica de toda a agricultura que realmente tem alguma relevância - disse Cary Fowler, secretário-executivo da Global Crop Diversity Trust (Fundo de Diversidade de Lavoura Global), a organização internacional que está coordenando a criação do cofre.
Mais de cem países endossaram coletivamente a construção, que tem o apoio da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO), da América Latina, da África e da Europa. A iniciativa do banco de sementes nasceu em 1983, quando a FAO aprovou o Compromisso Internacional sobre Recursos Fitogenéticos.
A Noruega controla a região do arquipélago de Svalbard e concordou em bancar os custos de construção. O Fundo de Diversidade de Lavoura Global, com sede em Roma e comandado pelo norte-americano Cary Fowler, administrará o local quando as operações forem iniciadas, no próximo ano.
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