se permitem minha invasão...
tem esse texto aqui, de 2003:

*Christiania*

*Há 32 anos, em Copenhague, na Dinamarca, uma sociedade alternativa sem leis
e sem hierarquia resiste ao capitalismo como experiência social*

por André Deak <[EMAIL PROTECTED]>*
*EmCrise – 12/2003

Parece ter saído de um conto de fadas - mas fadas não fumam haxixe. Flores
espalham-se por janelas de pequenos sobrados de pedra, em ruas ainda de
paralelepípedos; calçadas que lembram bosques, com um chão que veste um
cobertor de retalhos, folhas cor de ferrugem; e há o céu, azul, que não
ameniza o ar gelado de novembro. O tempo parece parado. Monotonia de outono,
entretanto, que se quebra com o burburinho incessante de um pequeno mercado
de artesanato, marijuana e haxixe. Estamos em Christiania, em Copenhague, na
Dinamarca.

O turista desavisado que passa por København (Copenhague, em dinamarquês)
nem sequer percebe Christiania. É como se fosse um bairro, incrustado que
está na capital escandinava. Com excessão da "porta da frente", um arco
sobre dois totens, entrada da colorida Pusher Street, é impossível dizer
quando se está dentro ou fora da comunidade.

A história começa em 1971, quando um terreno do exército cheio de
alojamentos abandonados foi invadido por grupos de hippies, libertários,
socialistas, punks e fugitivos (da lei, dos pais, da sociedade
convencional), entre tantos outros. Seguiam a sugestão de um artigo
publicado em um jornal chamado Hovedbladet (Revista Cabeça), ele mesmo parte
de uma exibição de arte chamada "Dar e Receber" que lotava Copenhague de
"alternativos". Ao final da migração, foi declarado o nascimento oficial de
Christiania, "uma sociedade alternativa livre, baseada na convivência com o
próximo e com a natureza".

*Guerra dos mundos*

Quando o governo e a polícia perceberam o que ocorria na área militar, era
tarde demais: já havia mais de mil pessoas morando lá, e, segundo a história
conta, o espaço era muito grande para uma operação policial (90 mil metros
quadrados). O assunto "Christiania" logo foi parar no Parlamento, que
decidiu aceitar a área como "experimento social" até que se decidisse o que
fazer com o espaço militar - contanto, claro, que seus moradores pagassem
eletricidade, água e um aluguel para o Departamento de Defesa. De qualquer
forma, conseguiram um espaço livre e autônomo, apesar de até hoje a
tolerância política ser tênue: a polícia ainda faz "batidas" contra os
vendedores de haxixe e marijuana.

Durante os primeiros anos, a cidade-livre tornou-se conhecida por suas ações
no teatro e na política. Quem conseguiu maior sucesso nessa área foi um
grupo chamado Solvognen. Uma de suas ações diretas mais famosas foi em 1973,
quando a OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte), uma espécie de
braço armado dos Estados Unidos na Europa, realizou um encontro de cúpula em
Copenhagen. Inspirados no programa de rádio "Guerra dos Mundos" de Orson
Welles, que simulou uma invasão de marcianos colocando em pânico a população
norte-americana na década de 40, centenas de pessoas, lideradas pelo grupo
de teatro de Christiania, fizeram parecer que um exército da OTAN tinha
ocupado a Rádio Dinamarca e outros pontos estratégicos da cidade. A
impressão que se tinha era que a Dinamarca estava ocupada por forças
estrangeiras. Durante várias horas, o país inteiro ficou em dúvida se a
invasão era teatro ou realidade. A ação foi uma dura crítica a intervenção
dos Estados Unidos na vida dos países europeus.

O Solvognen também usou a critividade para contestar o comércio da maior
festa do cristianismo. Em 1974, o grupo organizou o primeiro Natal dos
Pobres da Dinamarca. Milhares de presentes foram distribuídos generosamente
por um batalhão de Papai Noéis que estavam dentro das lojas de departamento
da cidade. Detalhe: as lojas não sabiam nem haviam autorizado nada. O
resultado é que todos foram presos, mas o escândalo ganhou as manchetes dos
principais jornais da europa, com fotos de dezenas de Papais Noéis sendo
espancados pela polícia. Até hoje o Natal dos Pobres continua sendo
organizado - mas de uma maneira diferente: todo ano, aproximadamente duas
mil pessoas participam de uma grande ceia.

A década de 1980 foi marcada pelas drogas. Em 1982, o governo começou uma
campanha difamatória contra Christiania: a cidade-livre era considerada o
centro das drogas do Norte da Europa e a raiz de muitos males. A comunidade
teve então que organizar programas de recuperação de drogados e expulsar
comerciantes de drogas pesadas, como a heroína. O mercado de haxixe continua
funcionando normalmente. O governo dinamarquês nunca deixou Christiania em
paz, e vários planos foram elaborados visando a "normalização e legalização"
da área. Em janeiro de 1992, finalmente um acordo foi assinado. Christiania
já tinha mais de vinte anos de independência e provara ao mundo que é
possível viver em liberdade. Hoje, 32 anos depois, já foi foco de dezenas de
estudos sociais e inspiração para outros projetos.

*Como funciona?*

Christiania é organizada em vários conselhos, onde todos os moradores têm
direito a opinar e discutir os problemas comunitários. As decisões não são
feitas por votação, mas sim através do consenso. Isso significa que não é a
maioria que decide e sim que todos tem que estar de acordo com as decisões
tomadas nas reuniões. Às vezes, contam-se os votos somente para se ter uma
idéia mais clara das opiniões, mas essas votações não tem nenhum significado
deliberativo, não contam como uma solução para os problemas da comunidade.
Christiania é dividida em 15 áreas, cada uma administrada pelos seus
moradores, para facilitar o funcionamento dos serviços básicos.

Todos têm a obrigação de viver com as decisões tomadas nas reuniões - e
todos têm acesso e o direito de opinar. Mesmo com esta forma de democracia,
algumas pessoas decidem não utilizar seus direitos - por exemplo, o tópico a
ser discutido na reunião influencia bastante o quórum. Pode ser um processo
difícil, e muitos christianitas (como são chamados seus habitantes) estão
cansados de reuniões. Mas todos eles, inclusive os milhares de ex-moradores
que hoje estão espalhados pelo mundo, aprenderam algo sobre auto-gestão
através deste processo.

Foi assim que, ao longo dos anos, a cidade-livre aprimorou sua autogestão:
casa comunitária de banhos (não há água quente), creche e jardim de
infância, coleta e reciclagem de lixo; equipes de ferreiros para fazer
aquecedores a lenha de barris velhos, lojas e fábricas comunitárias de
bicicletas.

Christiania é um lugar de vida simples onde não é permitida a propriedade,
normalmente mais seguro que o resto de Copenhague e calmo, pois não circulam
carros (não são bem-vindos - estimula-se o uso de bicicletas) e é bastante
arborizada. A administração, ainda, é rotativa e não possui hierarquia.
Andando pelas ruas de Christiania, não se percebe diferença de classes
sociais, ao contrário do resto do mundo capitalista. Cada um trabalha o
quanto quer, e isso é muito respeitado. Quem opta por trabalhar mais, vive
um pouco mais confortavelmente; quem opta por trabalhar menos, vive de
maneira mais rústica, e não há discriminação alguma por causa disso.

*Economia*
Baseado num cálculo de 1996, Christiania recolhia e gastava 9,5 milhões de
Coroas (a moeda dinamarquesa, cerca de 10 para 1 com o dólar) por ano. Os
residentes arcavam com 66% desse valor em forma de aluguel, optativo: os que
não querem ou não podem não precisam pagar. Dez a 20% deles são os que não
pagam. Os negócios, como lojas, fábricas e bares, pagam outros 34% desse
valor para arcar com os impostos sobre o produto que o governo dinamarquês
cobra. Uma grande conquista é que o pagamento não é feito diretamente ao
governo, mas ao Conselho de Christiania, que arrecada, gere e paga as contas
da população. O Conselho, como sempre, é aberto e livre para a participação.

Normalmente, as despesas são maiores do que as arrecadações, mas a "cidade"
sempre conseguiu dar um jeito e estar em dia com suas dívidas. "O que
levou-nos à estranha experiência de sermos declarados 'cidadãos ideais' por
políticos e autoridades, porque desde o começo dos anos 1990 temos honrado
com 100% de nossas despesas".


Christiania não tem leis, mas foram criados alguns consensos para o bom
convívio da sociedade:

*Não às drogas pesadas
Não às armas
Não à violência
Não se negociam prédios ou áreas residenciais*

Visite o site da comunidade de Christiania <http://www.christiania.org/>




Em 04/04/07, Cyrano . <[EMAIL PROTECTED]> escreveu:

Bom, Régis, cê pediu então vai o que consegui pegar sobre os caras.

O site http://www.christiania.org, oficial, foi mudado e tá tudo cheio
de letras com bolinhas, então não dá pra saber o que tá acontecendo.
Mas antes tava em inglês e rolou de ler algo a respeito da comunidade.

Eles começaram há tempos atrás, parece que a partir de um festival de
arte que organizaram na área. Essa área aliás é do gobierno e tava
abandonada, então o pessoal foi lá ocupar pro encontro deles e acabou
gostando, e ficaram por lá. Daí montaram o bairro, não tem propriedade
privada, tudo é resolvido em assembléias, essas coisas. Parece que
rola muita feira de excambo!, e eles precisam de grana basicamente pra
pagar taxas pros césares, ou seja, de novo o gobierno. Sofrem ameaças
mais ou menos constantes mas parece que nada muito sério. A não ser,
talvez, o projeto recente (que não entrou em vigor) de lotear o bairro
e trazer de volta a propriedade privada -- e, com ela, proprietários.
Seria só questão de tempo pra comunidade de dissolver. Mas eles tão lá
e as coisas continuam rolando.

Eu mandei uma proposta pra seleção de visitantes, e tem a ver com as
redes que participo aqui em BR (incrusivi metarec), e a idéia era ir
lá conhecer gente, ver as coisas rolando, acompanhar e documentar
isso. Não, não vou fazer vídeo. Odeio vídeo.

E como eu teria que trabalhar pra me sustentar tou vendo jeito com
eles deu cozinhar por lá, que aí eu me sustentaria até a hora de ir
embora, poderia dar oficinas de culinária, fazer camisas, stencils,
enfim, do nosso jeito. E claro que iria atrás de cozinheiros na
comunidade pra trocar figurinha, e ver se eles fazem coisa boa e
trazer pra cá. Não, isso não inclui o haxixe, que algumas pessoas
produzem/consomem e que já deram brecha pra problemas políticos sérios
pra comunidade em relação ao gobierno.

basicamente é isso.

--
Cyrano.
http://blogs.metareciclagem.org/cyrano
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