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To: ajo
Sent: Wednesday, November 24, 2004 10:42 PM
Subject: Re: hypomnemata 55

 
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To: nu-sol
Sent: Tuesday, November 23, 2004 11:25 AM
Subject: hypomnemata 55

hypomnemata 55

Boletim eletrônico mensal
 do Nu-Sol - Núcleo de Sociabilidade Libertária
do Programa de Estudos Pós-Graduados em Ciências Sociais da PUC-SP
no. 55, novembro de 2004.

o u t r o s    d o c e s    b á r b a r o s

Nem sempre há frescor na juventude e por vezes prepondera o ranço. Da mesma maneira nada se decreta morto na história com a autoridade de um cientista. Mais recentemente, Francis Fukuyama se viu obrigado a rever sua tola tese de fim da história. Ainda nos anos 80, o historiador George Woodcock, reescreveu sua conclusão em The anarchists, após os acontecimentos de 1968 e seus desdobramentos, reconhecendo ter se precipitado ao associar o fim do anarquismo à Guerra Civil Espanhola. Este anarquismo talvez tenha se esgotado como experimentação histórica. Contudo, isto não habilita ninguém a concluir que o anarquismo acabou. No passado esta equivocada conclusão podia estar vinculada à arrogância política, mas hoje em dia soa quase como irremediável condição de convalescência.

O anarquismo não é uma totalidade indissolúvel. Ele é múltiplo, diverso, tem muitas maneiras de existir e atuar; não está disponível para ser apanhado pela oportunista crítica ao dogmatismo. Até os acadêmicos sabem que ele se desmembra em mutualismo federalista, coletivismo, comunismo libertário, anarco-individualismo... e que se aglutina por afinidades.

O anarquismo se refaz segundo as práticas históricas. Diferentemente, o socialismo real (afinal há socialismo irreal?) é mais do que uma deformação stalinista definitivamente soterrada. Está vivo na China, em Cuba, na cabeça de velhos jovens militantes e professores universitários. Socialismo marxista é autoritário e uniformizador. É comando superior e ditatorial de Estado como insistiram Marx e Engels, não só na teoria da revolução como também nos seus escritos esparsos contra os anarquistas. Portanto, não há deformação história a ser corrigida ortopedicamente.

Anarquismos são generosos sim. Acolhem qualquer um na dinâmica de seu movimento, de suas associações, incorporando na prática uma consciência dos acontecimentos, como mostrou Errico Malatesta. Os anarquistas são anti-autoritários históricos e respeitam a democracia pelo que ela preserva de liberdades associativas. A propósito, Maurício Tragtenberg, apresentando nos anos 80 uma coletânea sobre o anarquista italiano Errico Malatesta, morto em prisão domiciliar durante o fascismo na Itália, destacava a diferença dos anarquistas dos demais socialistas ao indicar o papel de retaguarda aos intelectuais em oposição à vanguarda marxista-leninista que se arvorava em condutora da massa. Um autor heterodoxo como Tragtenberg, que prezava a história, tentou combinar, a seu modo, a crítica econômica de Marx à crítica política anarquista de Bakunin. Era um momento histórico diferente do atual, aquele em que escreveu. O Brasil estava virando democrático rápido demais, isto é, os reacionários se proclamavam democráticos e os socialistas, rapidinho, aninhavam-se no colo reformista.

O início do século XXI carregará ainda muitos bolores, incluindo nostalgias de certo anarquismo, mas esperamos que os vestígios do socialismo real desapareçam mais rapidamente possível. E que isto não ocorra pela consagração da sociedade de controle com sua convocação à participação, glorificando as burocracias competentes e críticas.

 Enfim, vale recordar um verso de um antigo doce bárbaro que dizia: é sempre bom lembrar que um copo vazio está cheio de ar. Insistir em afirmar que o anarquismo é a infância do socialismo, movimento pré-político e outras verdades universitárias agenciadoras da continuidade das teses do partido comunista, embaça a boa intenção de quem deseja a emancipação. Os libertários gostam de humor, sem dúvida, mas tem ouvidos atentos aos rumores envelhecidos dos adversários. A liberdade para um anarquista é uma prática interminável que jamais será apanhada pela ilusão da liberdade absoluta, utopia do socialismo autoritário. A irreverência libertária está acompanhada de demolição, incluindo  costumes etrós transvestidos de novidades.


notícias de uma história normalizadora


Crianças recolhidas nas ruas do Rio de Janeiro.
            Autoridade governamental declara na mídia que realiza medida preventiva  ao recolher e fichar garotos que andam pelas ruas. Segundo a autoridade, cedo ou tarde eles serão os criminosos. Por isso é importante, incluí-los imediatamente em bancos de dados. Criança pobre continua sendo suspeita em potencial constituindo-se em caso de polícia. A lei permanece sendo um conjunto de palavras atiradas sobre papéis agrupados com o nome de Estatuto da Criança e do Adolescente.

Mendigos mortos em São Paulo.
            Nestes últimos meses, diversos moradores de rua que pernoitavam pelas calçadas foram mortos cruelmente durante o sono. Os cidadãos viram, souberam mas poucos notaram. Depois de idas e vindas burocráticas dois policiais foram considerados suspeitos. Por falta de provas, libertados. Neste caso, os procedimentos policiais permaneceram insuficientes e a justiça continuou sendo palavras em papéis feito leis em livros.

Especialistas recomendam educação. 
           
Passando pelo Brasil, dupla de especialistas recomendam investir em educação familiar e escolar para reduzir a raiva da criança  por meio do princípio das recompensas. Mais uma vez o velho soa como novo. A volta da velha fórmula resume-se na crença em aplacar a revolta e o desassossego saudável gerados por crianças e jovens. A novidade está no argumento punitivo: tal  empreendimento, segundo os renomados especialistas, reduzirá no futuro os custos com o sistema penal. A postura conservadora quer fazer crer que a história é apenas uma entediante continuidade.

Cientista político afirma que o futuro será democrata.
           
Na mesma balada, cientista político de posse do resultado eleitoral estadunidense afirma que devido a incidência maior de jovens votando nas últimas duas eleições nos democratas, o futuro tenderá a ser democrata. Os intelectuais tornaram-se inventores e intérpretes de estatísticas. Para eles, a vida está sob controle. Tolice que a história desmente.

Os religiosos votam em Bush JR.
          Um pouco mais de generalização  estupenda. Há uma tendência atual em associar voto religioso aos republicanos e conservadores eleitores de Bush JR. Olhe e ouça em sua volta! Sinta o cheiro, toque nas pessoas e depois constate se os fanáticos religiosos do momento são apenas os fundamentalistas, os conservadores, os republicanos e os eleitores de Bush JR. Novamente a estatística mostra-se como o dispositivo racional de análise coerente que faz o estudioso esquecer suas próprias devoções. O neoliberalismo estadunidense se pauta no civismo, na religião, na comunidade e na punição fazendo a força e a grandeza de sua economia! Por isso mesmo dissemina ações afirmativas, multiculturalismo e pletora de direitos.

Enquanto isso mais sinais fascistas: crianças são presas como suspeitas, mendigos assassinados, intelectuais brilhantes recomendam rebaixamento futuro de gastos com o sistema penal,  religiosos vão se tornando cada vez mais fanáticos e a lei e a pletora de direitos, palavras em livros, ações para reprodução de elites.

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