O escândalo Lula
 
Emir Sader
 
O que mais escandaliza hoje no Brasil é a esquizofrenia entre dois mundos que 
não se comunicam: o mundo dos 82% que apóiam o Lula e o dos 3% que o rejeitam.
E o mundo dos que falam mal do governo Lula e os que não têm espaço público 
para 
expressar suas simpatias.

Quem olhasse para o Brasil através da imprensa, não conseguiria entender a 
popularidade do Lula. Foi o que constatou o ex-presidente português Mario 
Soares,
que a essa dicotomia soma a projeção internacional extraordinária do Lula e do 
Brasil no governo atual e não conseguia entender como a imprensa brasileira
não reflete, nem essa imagem internacional, nem o formidável e inédito apoio 
interno do Lula.

Acontece que Lula não se subordinou ao que as elites tradicionais acreditavam 
reservar para ele: que fosse eternamente um opositor denuncista, sem capacidade
de agregar, de fazer alianças, se construir uma força hegemônica no país. 
Ficaria ali, isolado, rejeitado, até mesmo como prova da existência de uma 
oposição
– incapaz de deixar de sê-lo.

Quando Lula contornou isso, constituiu um arco de alianças majoritário e 
triunfou, lhe reservavam o fracasso: ataque especulativo, fuga de capitais, onda
de reivindicações, descontrole inflacionário, que levasse a população a 
suplicar 
pela volta dos tucanos-pefelistas, enterrando definitivamente a esquerda
no Brasil por vinte anos.

Lula contornou esse problema. Aí o medo era de que permanecesse muito tempo, se 
consolidasse. Reservaram-lhe então o papel de “presidente corrupto”, vitima
de campanhas orquestradas pela mídia privada – como em 1964 -, a partir de 
movimentos como o “Cansei”. Ou o derrubariam por impeachment ou supunham que
ele pudesse capitular, não se candidatando de novo, ou que fosse, sangrado pela 
oposição, ser derrotado nas eleições de 2006. Tinham lhe reservado o destino
do presidente solitário no poder, isolado do povo, rejeitado pelos “formadores 
de opinião”, vitima de mais um desses movimentos que escolhem cores para
exibir repudio a governos antidemocráticos e antipopulares.

Lula superou esses obstáculos, conquistou popularidade que nenhum governante 
tinha conseguido, o povo o apóia. Mas nenhum espaço da mídia expressa esse
sentimento popular – o mais difundido no país. O povo não ouve discursos do 
Lula 
na televisão, nem no rádio, nem os pode ler nos jornais. Lula não pode
falar ao povo, sem a intermediação da mídia privada, que escolhe o que deseja 
fazer chegar à população. Nunca publica um discurso integral do presidente
da republica mais popular que o Brasil já teve. Ao contrário, se opõem 
frenética 
e sistematicamente a ele, conquistando e expressando os 3% da população
que o rejeita, contra os 82% que o apóiam.

Talvez nada reflita melhor a distância e a contraposição entre os dois países 
que convivem, um ao lado do outro. Revela como, apesar da moderação do seu
governo, sua imagem, sua trajetória, o que ele representa para o povo 
brasileiro, é algo inassimilável para as elites tradicionais. Essa mesma elite 
que
tinha uma imensa e variada equipe de apologetas de Collor e de FHC, não tolera 
o 
fracasso deles e o sucesso nacional e internacional, político e de massas,
de um imigrante nordestino, que perdeu um dedo na máquina, como torneiro 
mecânico, dirigente sindical e um Partido dos Trabalhadores, que não aceitou a
capitulação ou a derrota.

Lula é o melhor fenômeno para entender o que é o Brasil hoje, em todas as 
posições da estrutura social, em todas as dimensões da nossa história. Quase se
pode dizer: diga-me o que você acha do Lula e eu te direi quem és.


      

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