Silvio e todos,

Existe uma assimetria muito grande na batalha do software livre x
software proprietário. O primeiro é tocado por hackers, tradutores,
colaboradores e alguns departamentos de corporações interessadas numa ou
noutra tecnologia, mas sempre com a salinha ao lado responsável pelo
registro de patentes outra ali responsável pela relação comercial com a
indústria de software proprietário. O segundo é representado pelas
maiores corporações do planeta. Estas sim que há mais de década têm bala
na agulha. Detêm o monopólio, aprisionam, alimentam outras indústrias
monopolistas e chegam a definir políticas públicas em países em
desenvolvimento através de lobbies e propinas. São ainda as que têm
verba suficiente pra repetir as mentiras até tornás-la verdade. Esta
assimetria de poderes vem sendo reduzida vagarosamente, essencialmente
pelo poder de mobilização social que o software livre carrega, e que é
representada atualmente pelo nascimento de empreendimentos com o sem
fins lucrativos, planos de governo e eventos como ENSL.

Agora a indústria de idéias encaixotadas vê nos eventos de software
livre uma ótima oportunidade para manter essa posição hegemônica,
conseguindo convencer os organizadores de que é importante manter essa
relação de "respeito" e "imparcialidade", onde os interesses, mesmo que
opostos, possam conviver pacificamente. Ora, todos sabemos que lobistas
da indústria são oradores profissionais, usam do mais barato ao mais
refinado sofisma para convencer os desavisados. E quem são os
desavisados em eventos de software livre?  São usuários de tecnologia,
representantes de governo, empreendedores, aqueles que estão pensando em
migrar pra SL e todo o resto que, muitas vezes ainda sem opinião formada
sobre o assunto é alvo perfeito para sua indústria. Não é hora de
aproveitar essa energia de mobilização pra diminuir a assimetria em vez
de se julgar "aquele que permite ao povo ver os dois lados da moeda" e
aceitar acordo com esse tipo de empresa?  Será que um dos lados da moeda
já não foi demasiado encrustado na mente das pessoas nesses últimos
anos?

Tenho dois exemplos clássicos que mostram como o raciocínio que parte de
uma premissa verdadeira é concluído de maneira absurda. O primeiro foi
aquela campanha que lobistas da MS tentaram mobilizar, ao comprar pautas
da mídia para anunciar que o Brasil precisa de isenção sobre as
tecnologias adotadas em políticas públicas[0]. A premissa é politicamente
correta, mas a conclusão de que o Windows Starter Edition é uma opção
viável para um programa de inclusão digital no país é inadmissível. O
outro exemplo é exatamente do que estamos falando: abrir espaço para a
Microsoft em eventos de software livre pela premissa de que o público
tem o direito de ouvir ambos os lados. Ok, mais uma linda premissa, e
correta, mas que vai de encontro à própria lógica quando se considera
que um dos lados é o mobilizador do evento, e que uma das mais árduas
tarefas deste é diminuir a injustiça na capacidade de manifestação entre
as partes, como se o que se defenda lá não seja algo que mereça o mérito
da coerência por si só e necessite imediatamente de um ente oposto se
manifestando para que assim o público tenha como decidir corretamente, e
para que os organizadores tenham sua consciência tranquila de ter feito
o papel de mostrar os dois lados.

[0] http://www.link.estadao.com.br/index.cfm?id_conteudo=3591

Pra mim a questão se resolve numa letra de Rita Lee: Diga não às drogas,
mas seja educado: diga não, obrigado. Deixa a MS divulgar seus valores
em seus próprios eventos, em seus anúncios diários e nos seus estudos de
caso. Organizador, durma em paz quando alguém te chamar de totalitário
por não oficializar a infiltração dessa empresa em algo que você se
esforça pra divulgar valores totalmente opostos aos dela, pois a ela
ainda sobra muito espaço, acredite.

Pra terminar, fico com um provérbio espanhol que a vida ainda não me
refutou:

"Honra e proveito não cabem no mesmo saco"

abraços,

-- 
Tiago Bortoletto Vaz
0xA504FECA - http://pgp.mit.edu
http://tiagovaz.org
 
 "É preciso não ter medo,
 é preciso ter a coragem de dizer."

 Rondó da Liberdade, Carlos Marighella

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