Nada de pedágio na internet

Lawrence Lessig * ,  Robert W. McChesney *

O Congresso americano está prestes a  realizar uma votação histórica
sobre o futuro da internet. Decidirá se a  internet vai permanecer uma
tecnologia livre e aberta que fomenta a inovação, o  crescimento
econômico e a comunicação democrática ou se será transformada em
propriedade de empresas a cabo e companhias telefônicas, que poderão
colocar  cabines de pedágio em todos os acessos e saídas da
auto-estrada da  informação.

No centro deste debate está a mais importante política  pública da
qual provavelmente você nunca ouviu falar - a "neutralidade na  rede".

Neutralidade na rede significa simplesmente que todo o conteúdo na
internet deve ser tratado da mesma forma e movimentado pela rede à
mesma  velocidade. Os proprietários da fiação da internet não podem
fazer  discriminação. Este é o projeto simples, mas brilhante, "de
ponta a ponta" da  internet que fez dela uma força tão poderosa para o
bem econômico e social -  todas as informações e o controle são
detidos pelos produtores e usuários, e não  pelas redes que os
conectam.

As proteções que garantiam a neutralidade da  rede foram uma lei desde
o nascimento da internet - vigorando até o ano passado,  quando a
Federal Communications Commission (Comissão Federal de Comunicações)
eliminou as normas que impediam as empresas a cabo e de telefonia de
discriminar  provedores de conteúdo. Isso desencadeou uma onda de
anúncios da parte de  diretores-presidentes de empresas telefônicas
dizendo que planejam fazer  exatamente isso.

Agora o Congresso está diante de uma decisão. Vamos  devolver a
neutralidade à rede e manter a internet livre? Ou vamos deixar que
ela morra nas mãos dos proprietários de redes que estão ansiosos para
se  transformarem em guarda-cancelas do conteúdo? As implicações de se
perder para  sempre a neutralidade da rede não poderiam ser mais
graves.

A atual  legislação, que conta com o respaldo de empresas como AT&T,
Verizon e  Comcast, permitirá que as firmas criem diferentes camadas
de serviços online.  Elas poderão vender acesso à via expressa para
grandes empresas e relegar todos  os demais ao equivalente digital a
uma tortuosa estrada de terra. Pior ainda:  esses guardiães
determinarão quem vai ter tratamento especial e quem não  vai.

A idéia deles é se postar entre o provedor de conteúdo e o
consumidor, exigindo um pedágio para garantir um serviço de qualidade.
É o que  Timothy Wu, um especialista em política da internet da
Columbia University,  chama de "modelo de negócios Tony Soprano
(personagem que é chefe da máfia da  série de televisão Família
Soprano)". Ou seja, extorquindo dinheiro para  proteção de todos os
sites na web - desde o menor dos blogueiros até o Google -,  os
proprietários de rede terão imensos lucros.

Sem a neutralidade da  rede, a internet começaria a ficar parecida com
a TV a cabo. Uma meia dúzia de  grandes empresas controlarão o acesso
ao conteúdo e sua distribuição, decidindo  o que você vai ver e quanto
vai pagar por isso. Os grandes setores como os de  assistência médica,
finanças, varejo e jogo vão se defrontar com enormes tarifas  para o
uso rápido e seguro da web - todos sujeitos a negociações
discriminatórias e exclusivas com as gigantes da telefonia e da
telefonia a  cabo.

Perderemos a oportunidade de expandir vastamente o acesso e a
distribuição de notícias independentes e de informações comunitárias
por meio da  televisão de banda larga. Mais de 60% do conteúdo da web
é criado por pessoas  comuns, e não por empresas. Como essa inovação e
produção vão progredir se seus  criadores vão precisar pedir permissão
a um cartel de proprietários de  rede?

O cheiro dos lucros caídos do céu paira no ar em Washington. As
empresas de telefonia estão fazendo o máximo possível para legislar
para si  mesmas o poder do monopólio. Estão gastando milhões em
dólares em propaganda nos  círculos do poder em Washington, em
lobistas muito bem pagos, em firmas de  pesquisa e consultoria que
podem ser "compradas" e em operações de falsas bases  populares com
nomes Orwellianos como Hands Off the Internet e  NetCompetition.org.

A elas se opõem uma coalizão de verdadeiras bases  populares de mais
de 700 grupos, 5 mil blogueiros e 750 mil americanos que se
arregimentaram para apoiar a neutralidade da rede no site
www.savetheinternet.com. A coalizão é de  esquerda e de direita,
comercial e não comercial, pública e privada. Conta com o  apoio de
instituições das mais diversas áreas. Inclui também os fundadores da
internet, as marcas famosas do Vale do Silício e um bloco de
varejistas,  inovadores e empreendedores. Coalizão de tais amplitude,
profundidade e  determinação são raras na política contemporânea.

A maioria dos grandes  inovadores da história da internet começou na
garagem de suas casas, com grandes  idéias e um pequeno capital. Isso
não é por acaso. As proteções à neutralidade  da rede minimizaram o
controle pelos proprietários de rede, maximizaram a  competição e
convidaram forasteiros a inovar. A neutralidade da rede garantiu um
mercado livre e competitivo para o conteúdo da internet. Os benefícios
são  extraordinários e inegáveis.

O Congresso está decidindo o futuro da  internet. A questão que se
apresenta é simples: deve a internet ser entregue à  meia dúzia de
empresas a cabo e de telefonia que controlam o acesso online de  98%
do mercado de banda larga? Somente um Congresso cercado por lobistas
de  telecomunicações de alto preço e recheado com contribuições para
campanha poderá  possivelmente considerar um tal ato absurdo.

As pessoas estão acordando  para o que está em jogo, e suas vozes
estão ficando cada vez mais altas a cada  dia que passa. À medida que
milhões de cidadãos forem se dando conta dos fatos,  a mensagem para o
Congresso será clara: Salvem a internet.
 * Lawrence Lessig é professor  de Direito na Stanford University e
fundador do Center for Internet and Society  (Centro de Internet e
Sociedade).

* Robert McChesney é professor de  Comunicações na Universidade de
Illinois em Urbana-Champaign e co-fundador da  entidade para
reformulação da mídia Free  Press.
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