CC,
enquanto nossa socialite socialista sonha com uma revolução bobo-livariana
exógena..
algo muito mais concreto ocorre aqui na janela socialista da viera souto...


Daniel Aarão Reis - Página 6
   Uma grande inversão

*DANIEL AARÃO REIS*

A disparada de Dilma Rousseff nas pesquisas de opinião pública tem suscitado
interpretações diversas.

Duas constatações mobilizam os comentaristas: a primeira é a popularidade do
governo, atingindo patamares de quase unanimidade, se computados como
favoráveis os que avaliam o desempenho de Lula como ótimo, bom ou regular.
Depois de oito anos, trata-se de algo raro.

A segunda constatação é a capacidade de transferência de votos do
presidente. Também não é algo comum.

O comum é o inverso. Líderes de expressão nem sempre conseguem “fazer” os
sucessores. Isto se deve, em parte, à vontade deles mesmos, por medo que os
herdeiros possam obscurecer sua liderança, apagandoos da história. Leonel
Brizola era craque nisto: nunca elegeu um sucessor, embora saindo de
governos com alto índice de popularidade.

O mesmo aconteceu na sucessão de FHC. Embora desgastado, foi notório que ele
preferia transferir a faixa presidencial ao líder operário, mesmo porque
estava convencido de que a gestão deste seria um fracasso, favorecendo, quem
sabe, a sua volta ao poder. No entanto, mesmo que os líderes o desejem, a
transferência de votos nem sempre se dá, ou se dá de forma tão parcial que
os herdeiros perdem as eleições.

Ora, o que surpreende nesta campanha eleitoral é a capacidade de
transferência de votos de Lula para Dilma. Esta era uma personagem
desconhecida em termos eleitorais. Sua vocação era outra: a de servidora
pública, empenhada na gestão de empresas estatais ou planos de
desenvolvimento.

Assim, quando Lula sacou o seu nome e o apresentou ao distinto público, não
faltaram análises de que o homem não queria eleger o sucessor, no caso,
sucessora.

Escolhera um nome destinado a uma derrota eleitoral honrosa, evitando
sombras em sua popularidade.

Mas não foi isto que aconteceu.

Lula investiu na herdeira, pessoalmente e com a máquina pública. Os
resultados não se fizeram esperar e até agora espantam os analistas.

O que dizer destas evidências? Os mais simplórios, como sempre, denunciam
sombrias manipulações.

É uma velha cantilena, de direita e de esquerda. Quando o eleitorado não
acompanha suas propostas é porque está sendo manipulado. Para a velha UDN,
era Vargas o grande manipulador.

Para as esquerdas, depois da ditadura, era a TV Globo que orquestrava as
mentes. A conclusão é sempre a mesma: as pessoas não sabem votar.

Multidões passivas, despolitizadas, idiotas! Idiota, no caso, é a
interpretação, incapaz de compreender a complexidade do processo histórico.

Uma outra linha interpretativa foi importada de análise feita nos EUA a
propósito da eleição de Bill Clinton.

Um gênio teria formulado a frase: é a economia, seu estúpido! Queria dizer
com isto que o eleitorado estadunidense estaria votando de acordo com seus
interesses econômicos. Como Clinton falou, e muito, do assunto, ganhou as
eleições com folga.

Transportada para o Brasil, a tese poderia ser assim traduzida: as classes
populares, na grande maioria, estariam votando com o bolso, ou seja, como os
governos de Lula as beneficiaram economicamente, elas tenderiam a manter uma
fidelidade canina ao benefactor.

A análise não é destituída de fundamento.

Com efeito, os interesses econômicos são um ingrediente importante nas
escolhas de qualquer eleitorado. Mas, se o ser humano não vive sem pão,
sabe-se também que “nem só de pão vivem os humanos”.

A hipótese que sustento é que a aprovação do governo Lula e a sua inusitada
capacidade de transferência de votos residem num processo mais profundo: o
acesso progressivo das classes populares à cidadania.

Lula é a expressão maior disso. Ele é visto como o político que promoveu
como ninguém este acesso. Isto tem a ver com bens materiais, sem dúvida.

Mas há outros bens, simbólicos, mais importantes que o pão nosso de cada
dia. E é isto que as direitas raivosas e as esquerdas radicais não percebem.
As pessoas comuns, desde os anos 1980, e cada vez mais, começaram a achar
graça nas instituições e nas lutas institucionais. Política, assunto de
brancos ricos, começou a ser também de pardos, negros, índios e brancos
pobres.

Esta é uma novidade óbvia, senhores e senhoras das elites brancas (a
expressão é de Cláudio Lembo, líder conservador). Se Vossas Excelências
puserem o ouvido no chão, talvez sejam capazes de ouvir o tropel que se
aproxima. Se olharem para o mar, vão ver o tsunami que vem por aí. Na
história desta república, só antes de 1964 houve coisa parecida com o que
está ocorrendo agora. Entretanto, na época, os movimentos populares queriam
muito e muito rápido. Não deu. Veio o golpe, paralisou e reverteu o
processo. Agora, não. A multidão come pelas bordas, com paciência e
moderação, devagar e sempre, mas a fome destas gentes é insaciável.

Quando as pessoas comuns compreendem os benefícios da democracia, querem
para elas também. É raso imaginar que tudo se esgota no pão.

O pão quentinho é gostoso, quem não gosta? É mais do que isto, porém: os
comuns querem a cidadania. Plena.

Querem jogar o jogo político como gente grande, como antes só os brancos
ricos faziam. Uma grande inversão.

Vai dar? Não vai dar? Veremos. Mas uma coisa é certa: não vai ser tão fácil
deter esta onda.

Responder a