Oi João:

Vou tentar  esclarecer melhor.
Acho que esse esforço por parte dos professores tinha a ver com o
movimento da chamada "Matemática Moderna", que era basicamente o apoio
de tudo na teoria elementar de conjuntos.
Vou tentar esclarecer o que se fazia, na direção do que você apontou como (1).

Muitos enunciados em geometria, que era o que mais tínhamos de
"matemática", são do tipo:
"Para todo coiso em um certo conjunto, se o  coiso  tem uma
propriedade X, então ele tem uma propriedade Y."

A partir desse entendimento, que não envolve apenas tabelas-verdade
mas também quantificação mínima, uma prova seria:

Suponha que x seja um coiso  particular, mas genérico, que tem a
propriedade X. Então basta mostrar que o elemento tem também a
propriedade Y.
Por exemplo:
Provar que, para  todo triângulo (coiso que está em um certo
conjunto), se ele for isósceles, então tem dois ângulos iguais.

A(o) estudante aprende a fazer um desenho como  um recurso heurístico
que mostra um triângulo genérico, nota que "isósceles" significa ter
dois lados iguais, e
pode usar a propriedade LAL para  verificar que  o triângulo isósceles
é semelhante a si mesmo "virado",  e daí deduz que há de fato dois
ângulos iguais.

Não é uma demonstração que figuraria num tratado de geometria, mas
treina o raciocínio do(a) estudante.

Outra coisa que ele(a) aprende rapidamente é que basta achar um
contraexemplo, e que aí a coisa não funciona mais, porque se aprende
alguma relação entre "qualquer" e "existe".

Do ponto de vista de tabelas de verdade propriamente, aprende-se que
os rudimentos da Lei da Explosão são "Falso  deduz qualquer coisa",  e
que por isso os axiomas da Geometria
devem ser bem escolhidos, críveis, os tais "postulados".

Entender a tabela verdade também ajuda muito a compreender a diferença
entre "X implica Y" e "X é equivalente a Y".

Por exemplo, evitava   um erro comum em demonstrações de
trigonometria, onde se começa de um   lado e às  vezes se chega  na
mesma coisa- alguns tinham   dificuldade em  enteder que isso  náo é
uma demonstação.

A Professora Ausenda Fratini, uma espécie de Emmy Noether nacional
(até bem parecida), adorava mostrar  demonstrações simples em
geometria, à la Euclides.

Para mim, esses usos simples e intuitivos foram  bem educativos.
Abs,

Walter









Em qui., 28 de dez. de 2023 às 19:25, Joao Marcos <botoc...@gmail.com> escreveu:
>
> Muito obrigado pela resposta, Walter!
>
> Do que você nos conta sou levado a concluir que o uso relaxado da
> Lógica para justificar certas passagens argumentativas é mais ou menos
> _tradicional_ entre os professores de matemática brasileiros, e há
> bastante tempo.  Talvez o ponto (1) que você levantou ajude a explicar
> a razão pela qual isto ocorre.
>
> %%%
>
> Sobre o seu ponto (2), que me parece estar relacionado ao que escrevi
> na minha resposta ao Adolfo, confesso que não compreendo bem como os
> "procedimentos de prova" usuais da matemática seriam justificados
> "baseado na tabela da implicação".  Talvez seja isto justamente uma
> das coisas que mais me incomoda...  Esta conexão entre tabelas de
> verdade e estratégias de demonstração, digamos, via raciocínio
> hipotético, contraposição, ou redução ao absurdo, me parece ser,
> quando muito, _obscura_.  Exemplifico a minha perplexidade a este
> respeito com o teorema citado no item (B2) da minha mensagem original
> neste fio:
> "Seja C um coiso com as propriedades A e B.
>  Então C tem a propriedade D."
> [o que segue é o que eu chamaria de "demonstração típica",
> estruturada, por contraposição]
> ENUNCIADO FORMAL:
> Seja C um objeto de tipo D com a propriedade A.
> Demonstre que C tem a propriedade B.
> DEMONSTRAÇÃO:
> > Declaração: Considere um objeto C arbitrário de tipo D.
> % Objetivo: Queremos demonstrar que A(C) implica em B(C).
> >> Para tal efeito, suponhamos <por contraposição> que não-B(C) é o caso.
> %% Novo objetivo: Queremos concluir não-A(C).
> [preencha o argumento com detalhes específicos, de acordo com os
> detalhes concretos dos conceitos usados no enunciado]
> Note-se que não há nenhum papel para tabelas de verdade, acima, na
> argumentação "típica" apresentada.
>
> %%%
>
> Acrescento, por fim, que não vejo porque discordar das suas críticas
> sobre o "Ensino Colegial", mas reitero a minha questão inicial: será
> que o estudo de tabelas de verdade (que, no meu entendimento, não
> ajudam nada ou quase nada no quesito "métodos de demonstração") não
> teriam melhor lugar, de fato, no estudo pré-universitário?
>
> Abraços,
> Joao Marcos
>
> On Wed, Dec 27, 2023 at 1:00 PM Walter Carnielli <walte...@unicamp.br> wrote:
> >
> > Olá João e. outra(o)s   interessados:
> >
> > Dou aqui minha contribuição sobre a questão. Estudei matemática de
> > forma profissional na Unicamp  por 7 anos, bacharelado,  mestrado e
> > doutorado,e depois   pós-doutorado na Universidade de Califórnia e em
> > Münster, na Alemanha. Nunca.  ninguém usou coisas  elementares de
> > lógica em disciplinas e matemática, nem  no IMPA, na Unicamp, USP,
> > Berkeley, , Münster, etc, Mas todos  tinham. por trás  a. premissa
> > que os estudantes sabiam essas coisas. através do ensino médio.
> > (chamado "colegial". na. época, muito. melhor. nome).
> >
> > E de fato durante meus 7 anos de "ginásio" e. "colégio"no Culto  à
> > Ciência os professores de  matemática, com  formação em Rio Claro e na
> > PUC na época, tinham uma boa noção de lógica, pelo menos intuitiva.
> > Não citavam a questão da completude,  ou compacidade,  mas
> > enfatizavam o seguinte:
> >
> > 1)  "Similaridade " (isomorfismo) ) entre  as operações lógicas e as
> > operações conjuntistas (no fundo,  uma versão intuitiva do Teorema de
> > Representação de  Stone.).
> > 2) Falavam dos procedimentos  ds. prova. por redução ao absurdo,
> > baseado na. tabela da . implicação, em especial usos de equivalência
> > em demonstrações elementares  de  trigonometria
> > 3) Mencionavam sempre as tabelas  usuais  da  conjunção, disjunção,
> > implicação, negação para. guiar  o raciocínio
> > 4) Sempre se mencionavam rudimentos de. lógica  quantificada
> > (existencial, universal, etc)
> > 5) Esclarecem o papel dos axiomas principalmente em geometria
> > 6) Mostravam métodos heurísticos de solução de e problemas  com régua
> > e compassos (como o método de e Pappus de Alexandria, em "supor  um
> > problema resolvido para tentar a solução"  )
> > etc.
> >
> > Tudo isso a gente já sabia quando entrava em um curso de matemática,
> > física, engenharia e computação.  Nao se vê  mais nada disso, Os
> > professores de ensino médio não têm a menor ideia.
> > Mas de fato, alguns expositores no YouTube, da velha escola, mencionam
> >  coisas assim.
> > Por tudo isso   acho fundamental voltar a  ensinar  essas coisas aos
> > nossos estudantes universitários,
> >
> > Abs
> >
> > Walter
> >
> > Em ter., 26 de dez. de 2023 às 12:46, Joao Marcos <botoc...@gmail.com> 
> > escreveu:
> > >
> > > PessoALL:
> > >
> > > Uma conversa com um colega estes dias me motivou a escrever a presente
> > > mensagem, que tem tanto um componente sociológico quanto um componente
> > > mais propriamente lógico (bem como um interesse de fundo pedagógico).
> > >
> > > %%%
> > >
> > > (A)
> > >
> > > Segundo meu colega, é bem comum nas aulas, nos vídeos e nos livros de
> > > Matemática pelo Brasil (talvez fora do Brasil também?) um uso mais ou
> > > menos relaxado[§] da Lógica para justificar certas passagens
> > > argumentativas.  Em particular, muitos professores de Matemática
> > > presumivelmente acenariam para a possibilidade de justificar
> > > estratégias de demonstração (digamos, o raciocínio por contraposição)
> > > usando *tabelas de verdade*, o que também explicaria a razão pela qual
> > > vários livros de "matemática elementar" ---usados a nível de
> > > graduação, vejam bem---, bem como vários vídeos no YouTube também
> > > falariam de tabelas de verdade como um procedimento matematicamente
> > > relevante para esclarecer ou fundamentar a lógica subjacente a um
> > > determinado argumento matemático.
> > >
> > > [§] O adjetivo "relaxado", acima, aponta para usos absolutamente
> > > informais de tautologias como justificativas para certas passagens,
> > > através de rabiscos feitos ao lado da demonstração principal, no
> > > quadro, supostamente para "explicar por que a coisa funciona".
> > > Note-se, em particular, que em tais usos nunca há qualquer menção a
> > > resultados de completude, digamos, conectando tabelas e demonstrações
> > > formais (ou semi-formais).
> > >
> > > As primeiras perguntas que me vêm à mente sobre aquilo que foi relatado 
> > > acima:
> > > (A1) Quais as opiniões de vocês ---seja como discentes, seja como
> > > docentes--- acerca das situações suprarreferidas, a partir de suas
> > > experiências em sala de aula?
> > > (A2) Quais destes procedimentos ---tabelas de verdade? argumentos
> > > dedutivos? estratégias de demonstração?--- poderiam (ou deveriam) ser
> > > trazidos para mais cedo, para o ensino pré-universitário, com alguma
> > > vantagem para os alunos?
> > >
> > > (A minha impressão inicial sobre A2 seria de que não há nada no
> > > procedimento das tabelas de verdade, em particular, possivelmente
> > > usadas para ensinar "raciocínio lógico" ---resolver charadas, por
> > > exemplo---, que precise ou deva esperar até além do Ensino Médio.  Mas
> > > também não estou seguro de o quanto isto tudo ajudaria quando a
> > > "matemática de verdade" ---vejam o item B, abaixo--- chega, no Ensino
> > > Superior.)
> > >
> > > %%%
> > >
> > > (B)
> > >
> > > Esta segunda parte é talvez mais opiniosa (opiniática?), da minha parte.
> > >
> > > Mesmo ciente de que muitos livros de "matemática elementar" têm seus
> > > capítulos sobre lógica proposicional, incluindo tabelas de verdade, e
> > > mesmo ciente de que vários colegas gastam boas aulas sobre este
> > > assunto (e não estou falando de aulas sobre Circuitos Lógicos), por
> > > exemplo, em um curso inicial de Matemática Discreta, de Topologia, ou
> > > de Análise, parece-me algo surpreendente que as *tabelas de verdade*
> > > tenham um papel muito relevante para justificar argumentações
> > > matemáticas mais sofisticadas.  Com efeito, se é fácil imaginar como
> > > usar tabelas de verdade para procedimentos _refutativos_, por exemplo,
> > > usar a tabela de verdade da implicação para justificar porque a
> > > sentença A-implica-B é falsa quando A é verdadeira e B falsa, ou como
> > > usar a tabela de verdade da disjunção para justificar a falsidade de
> > > uma sentença da forma A-ou-B dada a falsidade de ambos e B, parece-me
> > > no mínimo desafiante usar diretamente as tabelas da implicação ou da
> > > disjunção para justificar, digamos, uma demonstração por _raciocínio
> > > hipotético_ ou uma demonstração por _raciocínio por casos_ (e eu
> > > provavelmente estenderia a minha perplexidade de modo a cobrir
> > > praticamente qualquer outra estratégia matemática clássica de
> > > argumentação).
> > >
> > > As primeiras perguntas que me vêm à mente, neste caso, são:
> > >
> > > (B1) Será mesmo o caso que é útil recorrer a tabelas de verdade (ou
> > > lógica proposicional) para justificar estratégias matemáticas mais
> > > sofisticadas (e absolutamente comuns)?  Se pensamos em um curso de
> > > Análise Real, por exemplo, os passos argumentativos de mais interesse,
> > > logo nas primeiras aulas, envolvem quantificadores aninhados.  Se
> > > pensamos em um curso de Matemática Discreta, conceitos como
> > > divisibilidade, congruência-módulo, supremos e ínfimos pressupõem que
> > > entendemos como lidar com expressões quantificadas.  As equivalências
> > > lógicas que poderiam "facilitar a vida", nestes casos, geralmente
> > > envolvem mais do que conectivos proposicionais --- e quer me parecer
> > > que nem mesmo os fragmentos proposicionais das ditas equivalências, no
> > > fundo, _precisam_ ser justificados via tabelas de verdade.
> > >
> > > (B2) Consideremos um teorema "típico" de livro-texto, em Matemática:
> > > "Seja C um coiso com as propriedades A e B.
> > > Então C tem a propriedade D."
> > > Poderíamos traduzir isto assim, digamos:
> > > (\forall C:coiso)((A(C)\land B(C))\to D(C))
> > > (Para ficar mais interessante a pergunta que segue abaixo, sugiro
> > > assumirmos que existe um coiso C que nem tem a propriedade D nem falha
> > > a propriedade A&B.)
> > > Bem, baseado na parte A, acima, um uso que consigo imaginar para
> > > tabela de verdade, aqui, seria para justificar, digamos, a
> > > curryficação ---como é usual fazer em Computação ou em
> > > Linguística/Semântica Formal--- da sub-expressão (A(C)\land B(C))\to
> > > D(C) para uma expressão da forma A(C)\to (B(C)\to D(C)).  O restante
> > > do raciocínio, numa demonstração direta do "teorema típico",
> > > tipicamente seria conduzido "identificando contextos, criando e
> > > descarregando hipóteses", como fazemos, por exemplo, através do
> > > formalismo da Dedução Natural.  Vocês acham que haveria outros usos
> > > interessantes para tabelas de verdade, neste tipo de argumentação
> > > através de "raciocínio direto"?  Seria justificável, para tais usos,
> > > que gastássemos muito tempo das aulas de Matemática a nível superior
> > > ensinando os estudantes a fazerem tabelas de verdade?
> > >
> > > (Subjacentes às minhas perguntas, claramente, está a opinião
> > > ---enviesada?--- de que tabelas de verdade são bem menos úteis do que,
> > > digamos, um "filósofo tradicional" poderia imaginar, no que diz
> > > respeito ao trabalho diário do "matemático praticante".)
> > >
> > > %%%
> > >
> > > Agradeço desde já aos colegas desta lista por compartilharem seus
> > > sentimentos acerca destes assuntos.
> > >
> > > []s, Joao Marcos
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