INFORTÚNIOS
Do ponto de vista humano, infortúnio ou desgraça significa
tudo que perturba a comodidade e contraria as ambições imediatas em que se
compraz a criatura humana.
Educada por técnicas de condicionamentos para colimar
resultados utilitaristas, não obstante as vinculações religiosas que se
permite, os seus agitados passos a levam quase sempre aos interesses
materialistas, fazendo-a atormentada, aflita e
infeliz...
Observado, no entanto, do ponto de vista espiritual, o
infortúnio que poderia significar verdadeira desdita para os desarmados
morais faculta aos que sabem entregar-se a Deus conquistas que se trasladam
para a vida imortal - a verdadeira.
As dores de qualquer procedência, as injunções de toda
natureza, as enfermidades ditas incuráveis, a presença da pobreza material,
a ausência dos valores amoedados, a ingratidão das pessoas amadas,
representam apelos ao espírito calceta e atrabiliário para cuidar quanto
antes da sua renovação e conseqüente ascensão
moral.
Provas e expiações de qualquer monta são necessidades
elaboradas por nós próprios, a fim de repararmos as faltas cometidas,
encontrando na dor que se deve superar, os recursos valiosos para a
libertação dos gravames inditosos e a paz da
consciência.
Não são, portanto, desgraças reais os chamados infortúnios,
conforme conceituam as convenções do utilitarismo e do
imediatismo.
O verdadeiro infortúnio pode ser encontrado na ausência da fé
em Deus com o impositivo de prosseguir-se caminhando entre dores e
desesperações sem os arrimos abençoados da crença e da
esperança.
Infortunados estão aqueles que traíram a consciência e se
enganaram, a si mesmos, não se dando conta do delito apesar do apelo da
razão que desperta e deseja fixar-se vitoriosa sobre o
instinto.
Verem-se assinalados pela imperiosa necessidade de redimir-se
e não poderem, prosseguindo estiolados pelas conjunturas perniciosas a que
se afervoram, sim, isto constitui para tais uma desventura das mais rudes
porquanto anestesia o espírito e dilui a esperança do porvir, pela falta de
alento e da reserva de forças necessárias para se construir a alegria que
decorre da resignação.
Há, porém, entre os que experimentam infortúnios, aqueles que
no estrugir das dores e na concussão das angústias perseveram confiantes,
aguardando o auxílio da Divina Misericórdia, sem rebeldia nem recriminação
podendo exalçar o amor e agradecer os sofrimentos que os
lapidam...
Dos infortúnios, o espírito consciente retira, sempre, bênçãos
de consolação e equilíbrio se permanecendo fiel a si mesmo e ao Pai Criador
que o destina à ventura.
Muitos desavisados consideram que a "perda das pessoas amadas"
é verdadeira desgraça, quando, em verdade, morrer não é finar-se nem
consumir-se, mas libertar-se.
Incontáveis pessoas se queixam de infelicidade diante de
enfermos queridos que se demoram amarrados em paralisias constritoras, para
eles anelando a morte como bênção, esquecidos de que a imobilidade de hoje
resulta da má direção que antes deram aos próprios
passos.
Pais desarvorados se revoltam, crendo-se inditosos, ao
receberem nos braços, que aguardavam um ser perfeito, o filhinho hebetado,
idiotizado, débil ou marcado por anomalias outras que o afeiam e
entristecem. E preferem não acreditar que a Justiça Superior lhes devolveu
aquele que ajudaram a infelicitar-se no passado, ora retornando com os
sinais da desdita num corpo de expiação
redentora.
Pessoas reduzidas à miséria econômica acreditam-se presas da
adversidade e rebolcam-se, desarvoradas, em injustificado desespero, quando
poderiam recorrer aos tesouros da oração e da paciência, mediante o trabalho
contínuo, com que se credenciariam a tentames de outra
relevância.
Dor é advertência e lição que ninguém deve
desprezar.
Sim, há infortúnios
que elevam e infortúnios que desgraçam.
É desgraça a fuga cobarde pelo suicídio, através de cujo ato o
homem se rebela contra Deus e a vida, rompendo, tresloucado, os compromissos
de reabilitação para atirar-se nos poços sem fundo das dores inimagináveis e
dos remorsos sem termo...
Suplício sem conforto, também, o do homicida de qualquer
classe, que rouba a vida do seu irmão, dirigido pelo ódio ou pelo ciúme,
pela suspeita ou pela ganância, pela revolta ou pela piedade...
O santo e o apóstolo, o anjo e o missionário são trabalhados
na forja ardente do sofrimento purificador, tomando forma na bigorna e no
malho das aflições que suportam e vencem.
Tarefa sacrossanta está reservada ao Espiritismo: a de
preparar o homem para as circunstâncias nem sempre agradáveis,
imediatamente, que há de defrontar pelo caminho
redentor.
Ensinando-lhe que cada um é o construtor do seu próprio
destino, recebendo conforme produziu, concede-lhe a indispensável maturidade
para conscientizá-lo quanto às responsabilidades decorrentes dos seus
atos.
Assim, a dor e o agravo, a angústia e o desespero são
vigorosas terapêuticas da vida para que o enfermo espiritual inveterado se
preocupe com a cura real e se volte em definitivo para os elevados objetivos
da Vida Maior, em cujo rumo se encontra desde agora, lá chegando quando a
desencarnação o despir da transitória indumentária em que marcha tentando a
felicidade que só mais tarde alcançará após resgatados os compromissos
atrasados.
(De “Após a tempestade”, de Divaldo Pereira Franco, pelo
Espírito Joanna de Ângelis)