EXPIAÇÃO OU REGENERAÇÃO



Eram dois guichês bancários do tempo antigo, como gaiolas de fortes grades,
com pequena abertura para atendimento ao público.
Num deles trabalhava Tobias, um mulato forte, atarracado, de voz grossa,
conversador, de cabeça tão cerrada à compreensão dos mecanismos da Vida
quanto o cubículo onde passava os dias a contar dinheiro.
Do outro lado Jesuíno, lidador espírita, que não desanimava no propósito de
despertar o companheiro para as realidades da jornada humana.
— A vida  não é um simples acidente biológico, meu amigo. Existe um
planejamento divino. Fomos criados para atividades mais importantes que a
mera autenticação de recebimentos e pagamentos ou a indolência dos fins de
semana.
— Oh.! Oh ! Oh!  — ria Tobias com sua entonação tonitruante — pelo menos
é o mais tranqüilo. Deus planejou mal o nosso mundo. Há muita bagunça,
principalmente nos mundos atuais. Deixe-me no meu cantinho. Quero sossego.
— Você  usa uma perspectiva materialista. É preciso ver além das
aparências. Se entrarmos numa casa em reformas tudo parecerá confuso. No
entanto, ela está sendo melhorada. É o que acontece com a Terra.
— Eta reforma demorada! Desde sempre há muito ódio, muita agressividade nas
pessoas! Se Deus é a suprema bondade, como você propala, seus filhos não
herdaram a mesma virtude...
— Não é bem assim. O Bem existe embrionário em nós, qual semente divina.
Ocorre que entre o embrião e o fruto, entre a vocação e a realização , há o
esforço que nos compete, porquanto Deus não nos fez autômatos. Somos
Espíritos em evolução. Perfectíveis mas não perfeitos.
— Se é assim. Por que prevalece o Mal na Terra?
— Talvez ele  apenas apareça  mais, como os instrumentos desafinados em uma
orquestra. Vivemos num planeta de expiação, habitado por Espíritos rebeldes
e agressivos que ainda não entraram em compasso com as Leis Divinas. Fazem
muito barulho. Mas há, também, muita gente situada numa faixa de
regeneração. São Espíritos que cumprem seus deveres, que levam a existência
a sério, procurando fazer o melhor, no esforço  por sobreporem-se às suas
limitações.
— Oh! Oh! Oh! Quimeras!...Você é muito ingênuo, Jesuíno. A bondade é um
manto de hipocrisias que encobre o egoísmo humano. Todos são bons enquanto
não pisam   em seus calos ou surjam interesses pessoais. Então mostram o que
está em seu íntimo. Digo-lhe mais: se fomos criados para o Bem, como você
diz, não estamos nem em expiação nem em regeneração. Somos apenas Espíritos
com defeito de fabricação!.
Tobias seguia assim, impermeável à conceituação espírita.
Certo dia, ao final do expediente, pediu ao companheiro:
— Por favor, Jesuíno, venha ao meu guichê.
— O que houve , rapaz? Você está tão pálido que até mudou de cor. Ficou
branco!
— Não brinque. É sério. Estou com uma diferença astronômica. Meu salário de
seis meses.
Jesuíno efetuou cuidadoso levantamento dos valores, conferiu a fita de
autenticações e constatou que, efetivamente, havia numerário a menor.
— Sinto muito , Tobias. Alguém ficou com esse dinheiro.
— Estou perdido! Não tenho meios para a reposição.
— Posso emprestar-lhe uma parte. Mas há uma esperança, entre duas opções :
se quem levou o dinheiro for um Espírito em regeneração ele o trará de
volta. Se estiver em expiação prepare-se para pagar.
Tobias passou uma noite horrível., matutando como faria para repor o
numerário. Já se imaginava demitido, seus filhos passando necessidade...
No dia seguinte, tão logo o Banco abriu, entrou simpática velhinha que se
dirigiu ao seu guichê.
— Moço, creio que o senhor cometeu um engano ontem. Pagou meu cheque com um
zero a mais. É um dinheirão.Só quando cheguei em casa percebi. Vim devolver
a diferença.
Tobias não se conteve, fazendo ecoar pela agência bancária seu vozeirão, a
proclamar eufórico:
— Jesuíno! Jesuíno! É um Espírito em regeneração! Regeneração, meu amigo!
Viva a evolução!

Finalmente começara a aprender! Nem sempre as pessoas se dispõem a meditar
sobre as idéias espíritas, infalíveis na equação dos problemas humanos.
Só o fazem quando eles surgem em seu caminho. Então se deslumbram, como um
cego que repentinamente começa a enxergar.
E vocês? Já começaram a enxergar? São espíritos em regeneração ou em
expiação?. Observe suas atitudes.

 

(Texto de autoria de Richard Simonetti, publicado no Reformador de março de 1989)
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