Os cordatos, os tranqüilos herdarão a Terra; porém
os apaziguadores, aqueles que transformam as onças e os ursos em carneiros,
terão ainda mais, porque nada querendo para si neste mundo, serão chamados
"filhos de Deus", e não pode haver título maior de
glória. Por que herdarão a Terra os brandos, os
tranqüilos?
Pela força moral.
Nada há que mais desarme os coléricos do
que a brandura. E é preciso não confundir a brandura com a cobardia, a
transigência degradante. Muitas vezes, o Bem exige atitudes enérgicas, porém a
verdadeira energia é aquela que não se agita desordenadamente, que não
apresenta a máscara feroz do ódio ou do orgulho. O próprio Jesus, cuja vida é
o maior de seus discursos, precisou, muitas vezes, de ser enérgico para com os
fariseus e os escribas, e mesmo com os discípulos. Mas a firmeza das atitudes
do Mestre e, justamente, impressionante, porque se apresenta sob a forma da
energia austera.
O argumento decisivo não é o que irrita, e sim o que
esclarece. Um esclarecimento persuade mais do que um punho fechado.
A
verdade é como o sol; só aparece quando não há nuvens. É preciso ter sempre em
vista que, no fundo, os homens não são maus e que todas as tormentas da cólera
provêm, exclusivamente, da falta de compreensão mútua.
Cumpre evitar as más
palavras que ferem as íntimas susceptibilidades. São as palavras pronunciadas
em momentos de exaltação que cavam abismos entre duas criaturas. Jamais alguém
se arrependeu de não haver dado uma certa resposta humilhadora em certa
circunstância, porém, nenhum de nós deixou de sentir um indizível mal-estar à
lembrança de uma ofensa grave ao nosso próximo.
É mil vezes preferível
sofrer do que fazer sofrer uma ofensa. No primeiro caso, a impressão é
dolorosa, mas no segundo é sempre desesperadora, principalmente quando já não
há remédio para o mal que se fez.
Um dia, o nosso semelhante, que foi por
nós humilhado, será colhido pela morte; então, a evocação da sua imagem nos
será suportável. Teremos ímpeto de lhe dizer "perdoa!", porém, ele dorme na
sombra do sepulcro. Sentiremos, nesses momentos, a nossa baixeza, ainda que o
nosso orgulho não o confesse.
É necessário que nenhuma sepultura se feche,
levando um desgosto contra nós; e que em nenhum lar haja um coração que, ao
ouvir o nosso nome, tenha uma lágrima ou um gesto de revolta.
*
As almas
estão sedentas de bondade.
A luta pela vida é tão bravia, as incertezas são
tantas, os desgostos amargam de tal maneira, os males físicos e morais
atormentam com tamanha intensidade, que é natural existirem os irritadiços e
impulsivos; e aquele, que não concorre para agravar esse estado de nervos, é
recebido com alegria e chamado sempre, pelos homens, o "bem-vindo", o "amigo",
o "irmão".
E conquistará toda a Terra.
Continua......
(De "Vida de Jesus", de Plínio
Salgado - Capítulo Divisor das Águas - Sermão da
Montanha)