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Jornal do Commércio - 11/04/2002
Segurança, Bits & Cia.

Informática, panacéia e arma (parte II)

Pedro Antonio Dourado de Rezende
Professor de ciência da computação da UnB

Na parte I, vimos um mito na informatização mediadora de processos 
essenciais à democracia e ao estado de direito: a tecnologia como panacéia, 
com o painel do Senado a nos lembrar que ela é arma de dois gumes. Que 
oferece eficiência e segurança tanto à sociedade, se bem mediar seus 
processos, quanto à fraude, se reorganizá-los em torno de sua 
inescrutabilidade. Ao se ocultar de suas potenciais vítimas sua lógica 
mediadora, sob o pretexto de assim se controlar o risco de fraudes, urde-se 
perfeita e diabólica ocasião para que ocorram.

Mesmo sendo fulcro de todo estelionato, esse pretexto tem sido aceito 
quando a mediação é através de bits, em pudor à ignorância tecnicista. Qual 
neomaçã do paraíso digital, fruto do conhecimento alheio que se ingere pela 
promessa de resultados fantásticos. Diante da sua oferta, o brio deveria 
vencer a vergonha e se perguntar: quem pode se beneficiar da 
inescrutabilidade dessas mediações? Aqui não cabe especular, mas observar.

Alvo em inquérito civil público por suposta venda de sentenças e liminares, 
o juiz Francisco Pizzolante nega envolvimento em trapaça na distribuição de 
processos. Em nota a um jornal que divulgou detalhes, em 11 de março, seu 
advogado teria afirmado: "Não há o que possa ser esclarecido, em virtude 
desta ser informatizada, automática e através de sorteio eletrônico, 
auditado pelo STJ, MP, OAB e pelo próprio TRF-RJ".

Pois há. Os verdadeiros sorteios eletrônicos são flutuações quânticas, 
eventos subatômicos, e não o resultado da ação de softwares 
determinísticos. O "sorteio" ali citado resulta de uma tal ação, que, para 
mediá-lo, requer a inseminação de imprevisibilidade pelo interessado, 
perfeitamente substituível por bits armados por quem conheça e tenha acesso 
aos meandros digitais.

Há tantas maneiras de se melar tal "sorteio" quanto truques de mágica, a 
maioria de montagem ao alcance de alunos do meu curso de gradução. Se as 
tais auditorias seguirem os mesmos padrões do TSE para a urna eletrônica, 
seu valor pericial e probante será nulo, restando o de salvo-conduto para 
desavisar neobobos e incautos, ineptos ou cúmplices. E, mesmo com padrões 
sérios, funções ocultas já esconderam milhões no Banco Nacional, por anos. 
Nenhuma loteria migrou para sorteios eletrônicos, pois só da confiança 
alheia vivem. Da real transparência, do olho interessado que segue as bolas 
na esfera de arame. É a lógica.
Sem o conhecimento de todo seu código-fonte, do ambiente onde opera o 
software, e mecanismos que detectam se o que se audita é o que se executa, 
o auditor pode estar no mesmo papel do ajudante do mágico, com a única 
possível diferença da certeza disso. Fosse Jader Barbalho aliado de ACM, 
não teria ele nomeado a própria instrumentista da fraude para chefiar a 
perícia no painel do Senado, em vez da Unicamp? Assim fez a corregedoria 
geral do TSE para recente perícia em urna eletrônica, usada na revisão do 
recadastramento eleitoral de Camaçari. Pelo resultado infere-se que o do 
primeiro seria oposto. E o do segundo?

O TSE impede auditoria decente no software da urna (portaria 142/00, 
resolução 20714/00), devido à quantia dos que o conhecem ser tida como 
proporcional à possibilidade de fraude eleitoral. Ali são confundidos - e 
mesclados - o conhecimento dos bits e o acesso para mexê-los nas urnas que 
contam, como se na internet estivessem, e engolida a mais fiel medida desta 
possibilidade, inversa à de punição para quantos potenciais fraudadores 
houverem. Estes, e os mediadores, é que precisam lá mexer em bits, não os 
auditores.

Tais mediadores não caem do céu: estarão nas duas quantias, que, 
minimizadas, resultam iguais à deles. Isso os torna inescrutáveis, 
garantindo-lhes impunidade, absoluta se por ela se unirem, união que faz da 
"mínima possibilidade" indemonstrável certeza. Não por outorga do poder de 
mediar, pelo contrário (artigo 66 da lei 9.504/97). Por falácia transmutada 
a posteriori em neomaçã kafkiana, mordida pela sociedade outorgante, que 
antes já se rebelou contra ardis semelhantes. Contra os urdidos em bits 
ainda cabe a letra de velhas leis, legadas de então. Leis e softwares são 
como armas. Resta saber contra quem a atual magistratura as apontará. 
Assunto seguinte.

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