----- Original Message -----
Sent: Friday, August 09, 2002 2:07
PM
Subject: [VotoEletronico] Injunção no
STF
O Ministro
Carlos Mário da Silva Velloso, do Supremo Tribunal Federal, é relator do
processo - Mandado de Injunção -
que o PDT deu entrada no STF na última quarta-feira, dia 7 de agosto de
2002, pedindo providências para
que o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) crie normas que garantam que os
partidos políticos terão condições de fiscalizar as urnas eletrônica.
Especialmente se os programas de informática que estão sendo mostrados esta
semana em Brasília serão os mesmos que inseminarão as 404 mil urnas
eletrônicas que a Justiça Eleitoral empregará nas eleições gerais de 6 de
outubro. O Ministro Velloso, um entusiasta da informatização da eleição
brasileira, é autor do prefácio do livro “O Voto Informatizado: Legitimidade
Democrática”, editado em 1997 pela Empresa das Artes, escrito pelo atual
Secretário de informática do TSE, Paulo César Bhering Camarão, definido pelo
próprio Velloso como “pai-técnico” da urna eletrônica.
A íntegra do prefácio do
livro de Camarão, escrito por Velloso:
”Um pugilo de homens idealistas tornou realidade um sonho; a
informatização do voto, visando à concretização da verdade eleitoral e, em
conseqüência, fazer mais legitima a democracia representativa que praticamos.
Este livro, que Paulo César Bhéring Camarão escreveu e tirou a lume, conta a
história desse sonho.
Mais de um ano antes da minha posse na presidência do TSE, Camarão e eu
começamos a conspirar em favor do voto informatizado. Lembro-me de que, numa
manha de domingo, num intervalo de partida de tênis, quis saber de Camarão,
ele que é, reconhecidamente, notável técnico em informática, se seria possível
informatizar o voto. Camarão respondeu-me que sim, acrescentando que tudo é
possível fazer com os computadores, desde que sejam eles manejados com técnica
e cientificidade. Dei-lhe ciência, então, do que planejava: se chegasse à
presidência do TSE, e tudo indicava que isto iria ocorrer, pretendia
informatizar as eleições, no Brasil. Camarão entusiasmou-se. A partir daí, o
tema tornou-se obrigatório em nossas conversas. Passamos, então, a falar sobre
“software” e “hardware”, sobre programas de computador e sobre o computador em
termos de máquina, porque de pronto compreendemos que deveríamos trabalhar
não-somente em torno de programas, de “software”, mas, e sobretudo, em termos
de uma máquina de votar que aliasse simplicade, fácil manejo e preço. É que,
todas as vezes que falava a respeito da informatização do voto com os meus
colegas, da maioria deles, ouvia, invariavelmente, que os eleitores
analfabetos e semi-analfabetos não entenderiam a complexidade das teclas dos
computadores, e que o elevado preço destes inviabilizaria o projeto. Teríamos,
então, de pensar numa maquina barata, simples, de fácil manejo.
O tempo passou.
No dia 6 de dezembro de 1994, eleito pelos meus colegas, empossei-me no
cargo de Presidente do TSE. Propus, então, no discurso de posse, a realização
de algumas metas, todas orientadas no sentido de tornar mais sérias e
respeitadas as instituições políticas brasileiras. É que sempre estive
convencido de que nada é mais importante para um povo do que as suas
instituições políticas. As reformas políticas devem anteceder Às reformas
econômicas. Não escapa ao observador meticuloso esta realidade: nenhum pais se
tornou economicamente forte sem instituições políticas serias e respeitáveis.
Foi assim nos paises do primeiro mundo. Quando os franceses, em 1958,
convocaram De Gaulle para a tarefa de salvar a França, fizeram-no na certeza
de que ele salvaria, por primeiro, as instituições políticas. E foi o que
ocorreu, a começar com a promulgação da Constituição de 1958. O sucesso
econômico veio depois.
Também me convencera de que o Tribunal Superior Eleitoral tem altíssima
missão no campo do direito político e das instituições políticas. Por isso, no
discurso de posse na presidência do TSE, conclamei a sociedade brasileira a
refletir sobre cinco temas: a) informatização do voto, b) a elaboração de uma
lei eleitoral que discipline todas as eleições e não apenas uma eleição, assim
o código eleitoral atualizado é aperfeiçoado, c) uma reforma partidária, a fim
de tornar fortes e respeitados os partidos políticos com a eliminação das
legendas de aluguel, d) o voto distrital misto e e) a questão do financiamento
das campanhas político-eleitorais. Publicistas, cientistas políticos e
técnicos em informática foram convidados a trabalhar conosco. Constituímos,
então, o que a mídia denominou de “comissão de notáveis”, que se subdividiu em
cinco subcomissões temáticas: a) a Comissão de Lei Eleitoral Permanente, ou de
Código Eleitoral, presidida pelo Ministro Marco Aurélio; b) a Comissão de
Reforma Partidária, presidida pelo Ministro Diniz de Andrada. C) a Comissão de
Sistemas Eleitorais (voto distrital misto), presidida pelo Ministro Torquato
Jardim, d) a Comissão de Informatização do Voto, presidida pelo Ministro Ilmar
Galvão. O Ministro da Justiça, prof. Nelson Jobim, associou-se a nós, foi
nosso parceiro de idéias. As subcomissões temáticas produziram excelentes
trabalhos, que foram apresentados ao Congresso Nacional – Câmara e Senado – ao
presidente Fernando Henrique Cardoso, e ao presidente do Supremo Tribunal
Federal, Ministro Sepúlveda Pertence.
Pugnávamos, não foram poucos os que diziam, pelo impossível. Na linha,
entretanto, da lição de Winston Churchill, pugnávamos pelo impossível – cinco
reformas político-eleitorais – para conseguir o possível: queríamos ver
concretizada, ainda em 1996, a eleição informatizada. Isto foi percebido pelo
eminente ministro Diniz de Andrada, conforme deixou expresso no discurso que
proferiu, em nome do Tribunal, na sessão de 16 de maio de 1996, em que me
despedi daquela Corte.
É que teríamos que começar a experiência pioneira em eleições
municipais, mais fáceis, porque o eleitor votaria apenas em dois candidatos,
prefeito e vereador, e a totalização seria local. A partir daí, acumulando
experiências, partiríamos para as eleições gerais de 1998, mais complexas, e
completaríamos o ciclo nas eleições municipais do ano 2000. O projeto que
deixei elaborado, no TSE, foi justamente este: em 1996, seriam informatizados
cerca de 35 por cento do eleitorado (capitais e municípios com mais de 200 mil
eleitores); em 1998, chegaríamos a 70 ou 75% de todo o eleitorado, convindo
acentuar que raciocinávamos com um universo de cerca de 100 milhões de
eleitores. Assim, em 1996, cerca de 35 milhões de eleitores votariam pelo
computador; em 1998, 70 a 75 milhões; e, no ano 2000, mais de 100 milhões de
votos seriam informatizados.
Sempre tive presente que, se é certo que a criação da Justiça
Eleitoral, em 1932, representou notável avanço em termos de aperfeiçoamento e
seriedade do processo eleitoral, é forçoso reconhecer que ainda campeia, pelo
Brasil afora, a fraude à vontade do eleitor. Essas fraudes ocorrem, sobretudo,
na apuração dos votos. Se eliminássemos a apuração, ou seja, se afastássemos a
mão humana da contagem dos votos, estaríamos eliminando a fraude, assim
realizando a verdade das urnas. Com o apoio do Tribunal, trabalhamos em
diversas frentes: a subcomissão presidida pelo ministro Ilmar Galvão e que
teve como relator o Dr. Paulo César Camarão, criou o protótipo da maquina e
ainda elaborou o ante-projeto de lei que, aprovado pelo Tribunal, foi
submetido ao Congresso Nacional, que, votando-o, autorizou a informatização do
voto. Junto ao Chefe do Poder Executivo, o presidente Fernando Henrique
Cardoso e ao Congresso Nacional, conseguimos os recursos financeiros, cerca de
80 milhões de reais; o protótipo, criado por nós, que eu costumava denominar
de “modelo tupiniquim”, foi tecnicamente descrito nos seus mínimos detalhes; a
licitação, que seria conduzida por órgão integrante das Nações Unidas, acabou
sendo realizada, com sucesso, pelo Tribunal Superior Eleitoral, com a
colaboração de pretigiosos órgãos do Poder Executivo, de representantes da
Ordem dos Advogados do Brasil e do Ministério Publico Federal, sob a
presidência do juiz Jessé Torres, magistrado e notável especialista no direito
das licitações. As maquinas foram, então, adquiridas.
E o sonho começara a se tornar realidade.
Ele se realizaria, por completo, no dia 3 de outubro de 1996, nas
eleições ocorridas em todas as capitas e nos municípios com mais de 200 mil
eleitores, e, principalmente, no segundo turno, no dia 15 de novembro do mesmo
ano: a máquina de votar foi um sucesso. Já não estava mais na presidência do
TSE. O meu sucessor, ministro Marco Aurélio Mello, presidiu, com competência e
espírito publico, as eleições. Eleitor na capital do meu estado-natal, Belo
Horizonte, a tudo acompanhei, na companhia de Paulo César Camarão. Um
jornalista viu lagrimas nos meus olhos, quando votava, e quando presenciava a
festa das eleições, a festa da cidadania: as pessoas mais simples, analfabetas
ou semi-alfabetizadas, votavam com facilidade, assim desmentindo os que, por
má-fé, raiva do mundo ou pessimismo, diziam que o povo não saberia votar pelo
computador. E mais: muitos eleitores levavam os seus filhos menores, crianças
com menos de 10 anos de idade. Elas é que acionavam com desenvoltura, o
pequeno computador, votando pelos seus pais, a tudo presentes. A alguém que me
perguntou se aquilo não representava quebra do sigilo do voto, respondi que
aquilo simplesmente representava a preparação do cidadão de amanha. Uma
eleitora analfabeta se acercou de mim para dizer-me que, pela primeira vez,
tinha votado. Mas a senhora nunca votou? Sim, já havia votado, respondeu-me
ela. Mas somente hoje tive certeza de que votei, porque, digitando o numero do
meu candidato, vi na tela o seu retrato. Então, apertando a tecla “confirma”,
tive a certeza de que votei. Por isso, votei pela primeira vez na vida. O
computador, a pequena máquina de votar, fê-la cidadã. Ora, só não se emociona
diante de um fato assim quem não tem músculos, nervos e sentimentos. O
jornalista que noticiou que viu lagrimas nos meus olhos, publicou noticia
verdadeira. Nos meus olhos e nos olhos de Paulo César Camarão, o “pai-técnico”
da máquina de votar.
O sonho se concretizara, às inteiras.
Convém registrar que não fomos afoitos quando apresentamos o plano de
informatização do voto. É que a informatização, na Justiça Eleitoral,
implantou-se gradativamente. Em 1986, tivemos o trabalho ingente, sério, do
então presidente do TSE, ministro José Néri a Silveira, que recadastrou todo o
eleitorado brasileiro, instituindo o maior cadastro informatizado da América
Latina. Passamos a ter um cadastro único, informatizado, o maior do
continente. Depois, tivemos a informatização dos serviços da Justiça
Eleitoral. Na presidência do Ministro Sepúlveda Pertence, que foi o condutor
das eleições de 1994, informatizou-se a totalização dos votos. Faltava, então,
a informatização do voto.
O destino conspira em favor da democracia brasileira: as eleições
brasileiras de 1998 serão presididas pelo ministro Ilmar Galvão, que presidiu
a subcomissão temática de informatização, em 1995; e o ministro Néri da
Silveira, que retornou ao TSE, presidirá as eleições municipais do ano 2.000.
Isto é garantia de que o projeto de informatização será implementado.
Na nossa presidência, não deixamos de pensar, também, no
aperfeiçoamento do cadastro de eleitores e na informatização da identificação
do eleitor. Sob responsabilidade técnica de Paulo César Camarão, elaboramos
projeto que, junto com o projeto da informatização do voto, apresentamos ao
BID – Banco Interamericano de Desenvolvimento, em Washignton, D.C, Estados
Unidos. Contamos com o apoio do eminente Embaixador Paulo Tarso Flecha de
Lima, que, além de nos ajudar, pessoalmente, nas negociações, pôs à nossa
disposição o eficiente diplomata José Ricardo Alves, que nos assistiu em todos
os encontros de trabalho que tivemos com a diretoria do BID. O BID recebeu os
projetos, examinou-os, discutiu-os e caminhava, quando deixamos a presidência
do TSE, para aprova-los. Na ultima reunião que tivemos com a diretoria do BID,
em Washington, o ministro Torquato Jardim, Paulo César Camarão, o diplomata
Ricardo Alves e eu, no dia 16.04.96, o presidente Enrique Iglesias
entusiasmou-se com a idéia, deizendo-me que uma delegação de representantes de
pais latino-americanos, financiados pelo BID, estaria presente, no Brasil, no
dia 3 de outubro de 1996, como observadores, o que ocorreu. Da sra Nancy
Birdsall, vice-presidente Executiva do BID, com quem me reuni varias vezes,
ouvi na reunião do dia 15.04.96, a afirmativa de que deixaria eu um “regalo”
para o meu sucessor. A nossa ação foi pioneira. Penso que foi a primeira vez
que um presidente de Tribunal brasileiro negociou financiamento para Justiça
com um organismo internacional. Esclareça-se que tudo isto foi feito com o
conhecimento e o apoio dos meus colegas, e com o conhecimento e o apoio do
Presidente Fernando Henrique Cardoso. De S.Exa. ouvimos palavras
entusiasmadoras: - Vá Ministro, busque lá fora o endosso de organismos
internacionais sérios ao projeto de informatização.
Ao que estou informado, deixando eu a presidência do TSE, no dia 19 de
maio de 1996, as negociações com o BID, em nível de presidência do TSE,
diretoria do BID e Embaixada do Brasil em Washington, cessaram.
Este livro, que o idealismo de Paulo César Bhéring Camarão escreve e
fez editar, conta a historia da informatização do voto, repito, demonstrando
que sonhar é preciso. No discurso que proferi, quando da minha posse na
presidência do TSE, invoquei Fernando Pessoa, que não obstante o seu
ceticismo, sabia sonhar e soube dizer que o que é frustrante não são os sonhos
que não realizamos, mas os sonhos que não tivemos a coragem de sonhar.
Paulo César Bhéring Camarão, notável físico, melhor técnico em
informática, político no sentido grego do termo, pode não ter realizado todos
os sonhos que teve a coragem de sonhar. Certo é, entretanto, que o seu maior
sonho – seu, meu, da Justiça Eleitoral e dos brasileiros todos – foi
realizado.
Esta é a historia que este livro revela e que os brasileiros haverão de
ler.
Valeu a pena sonhar. Busco, mais uma vez, nos versos de Fernando
Pessoa, a sentença precisa:
“... Tudo vale a pena
Se a alma não é pequena”.
Brasília, DF, 10 de abril de 1997
Carlos Mário da Silva Velloso – Ministro do Supremo Tribunal Federal,
ex-Presidente do Tribunal Superior Eleitoral”.
______________________________________________________________
O texto acima e' de inteira e exclusiva responsabilidade de seu autor,
conforme identificado no campo "remetente", e nao representa necessariamente o
ponto de vista do Forum do Voto-E O Forum do Voto-E visa debater a
confibilidade dos sistemas eleitorais informatizados, em especial o
brasileiro, e dos sistemas de assinatura digital e infraestrutura de chaves
publicas. __________________________________________________ Pagina, Jornal e
Forum do Voto Eletronico http://www.votoseguro.org
__________________________________________________