Por daniel pereira - o dia
Cristina Buarque: "hoje não tem ninguém genial no samba"
Na semana passada, eu e a minha fiel escudeira (Karla Rúbia) tivemos uma grata
satisfação: fomos recebidos pelo lendário Samuel. Ele próprio. Em carne e osso.
Mais carne do que osso, diga-se de passagem. Ele estava “todo se querendo”
junto com as suas três gatas. Mas quem é este tal de Samuel? Vocês devem estar
se perguntando. Hã, hã ... Samuel é o tão falado gato da simpaticíssima
Cristina Buarque, que foi eleita por unanimidade (por mim mesmo) a dona do
repertório mais rico do mundo inteiro.
Ok. Eu gosto (e muito) dela. Mas entrevista é entrevista e vice-versa. Não
poupei as perguntas mais polêmicas, não. E ela também não se poupou nas
respostas. Com vocês ... a responsável pelo desenvolvimento do repertório da
“antiga nova Lapa” (já tem uma geração posterior), a dona do Samuel, a amada,
querida, idolatrada ... salve-salve, CRISTINA BUARQUE.
Você ficou parada um tempo, né? Aí voltou e fez logo dois CDs (um com o
Terreiro Grande e outro com o grupo Samba de Fato, com músicas do Mário
Duarte). O que te afastou dos palcos da vida?
Eu gosto de gravar, só acho chato o show. Estava parada desde 2002. Não gosto
de palco e microfones. Além disso, aqui no Rio não há muitos lugares para a
gente trabalhar. Isso tudo me desanimou. Aí, o Terreiro Grande me chamou para
uma roda de samba em São Paulo. Achei um barato, pois não tem microfones. É
aquele esquema mais tradicional. O resultado foi bom e nos convidaram para
tocar em um teatro. Fizemos duas semanas de shows que eram gravados sem nenhuma
pretensão e no último dia ficamos bem empolgados. Acabou rendendo o disco.
Já aproveitando o gancho do disco com o Terreiro Grande, muito se falou sobre a
posição do grupo sobre o Zeca Pagodinho. É verdade que eles não gostam do Zeca?
Não é que o terreiro Grande não goste de cantar Zeca Pagodinho. Acontece que a
proposta é outra. A gente prefere cantar samba antigo: que não seja um grande
sucesso, mas que seja bonito. Preferimos mostrar coisas que as pessoas não
conheçam. Posso dizer que me senti bem à vontade com eles, porque eu também
prefiro coisas antigas. Juntamos a sede com a vontade beber (RISOS).
Hãmmm ... então, nunca teve este papo de preconceito com o Zeca?
Claro que não. Ele é uma figura divertida, tem uma divisão legal, faz um
trabalho honesto ... só não é a nossa linha. E é evidente que o Zeca tem
malandragem e é uma figura ótima.
E o Arlindo Cruz?
Digo o mesmo. Arlindo faz coisas boas, mas também não posso dizer que ele é
genial. Fico ouvindo as pessoas comentarem que a turma da Lapa não canta as
músicas deles... mas os caras já estão na rádio e tocam em tudo o que é lugar.
Por isso, acho que eles não podem reclamar disso. Há espaço para todo mundo...
deixa assim: eles fazem o trabalho deles e a gente faz o nosso.
Por falar na turma da Lapa, qual é a principal diferença nas rodas de samba da
antiga e da nova geração?
Antigamente, a galera bebia e fumava nos shows. Vinícius, Baden, Nana ... todos
bebiam. E muiiiiiito. Hoje, isso é feio, não pode mais ser feito. Existe certa
pose. Parece até samba para “crente”. No nosso caso, a gente faz o que quer.
Bebe e fuma. No palco, inclusive. É uma bagunça só.
O que você teria a dizer sobre os novos compositores?
Não tem nenhum gênio. Existe uma leva boa aí, mas há quanto tempo não aparece
gente expressiva? Pelo menos, desde a década de 1970, não apareceu ninguém. E
isso eu posso afirmar: genial não há ninguém. Pode até ter em outras searas,
que não conheço, mas no samba não tem ninguém. Os últimos talvez tenham sido
Paulo César Pinheiro, Aldir Blanc... Mas estes caras são da minha geração. A
anterior tinha o Chico, o Edu Lobo, o Dori ... Eu acho que ainda pode
acontecer, aliás está na hora de aparecer gente genial, mas ainda não vejo esta
figura.
Eu não sei se é falta só de compositor, não ... acho que falta intérprete.
Antigamente tinha João Nogueira, Roberto Ribeiro, Clara Nunes, Elis Regina,
Jamelão etc, mas hoje em dia o próprio compositor cisma de ser cantor também.
E, às vezes, acaba matando a própria música que fez...
É verdade. Isso acontece mesmo... mas estão surgindo bons cantores. Tem a
Teresa Cristina, a Mariana Bernardes, o pessoal do Samba de Fato...
Você se acha tradicional?
Sou tradicional, ultrapassada, quadrada, saudosista ... pode me xingar do que
quiser (RISOS). Mas acho mesmo que o samba antigo é melhor que o atual.
Melhor em que sentido?
Em todos. Principalmente em letra e melodia. Antigamente tinha certa
ingenuidade. O pessoal de samba do terreiro antigo, das escolas de samba,
cantava para contar histórias que tinham acontecido... não tinha compromisso em
ser gravado. Por isso, acho também que era mais espontâneo. Outro detalhe é que
hoje tudo é mais “travado”. Tudo dizem que é machismo ou preconceito ... o cara
nem pode mais chamar o outro de "nego" que já arruma problema ... Na linha do
que foi no passado, acho que a criatividade foi esgotada. Quanto ao novo,
criativo é o que espero que apareça.
Acho que o pagode dos anos 90 prejudicou bastante o processo criativo. Ficou
tudo numa fôrma só. Mas, embora não seja o que gosto de ouvir, acho alguns
engraçados. Para mim, é música de “intertetimento” (RISOS).
Olha, quando eu vejo aquele pandeirão com a bandeira do Brasil chego a ficar
com medo (RISOS). Mas há gosto para tudo. O pagode também é samba e tem gente
que gosta dos dois. Acho que o cara que leva muita gente para o seu show tem o
seu valor. Tem público para todos os gostos. Eu gosto de falar de saudade.
Assumo que o samba de hoje é pior: falta poesia. Hoje é mais percussão, mais
barulho. Além disso, o pessoal de hoje samba feio.
Mas você não acha que mesmo com menos compositores e cantores geniais, hoje em
dia os músicos têm muita qualidade?
Claro. Hoje tem gente que toca mesmo, bem mais do que na década de 70. Os
filhos do Baden, do Paulinho, por exemplo ... Também tenho visto uma mocidade
bem bacana estudando cavaquinho, pandeiro, bandolim... E isso é algo que não
existia anteriormente. Antes tinha pouca gente ensinando, agora tem várias
escolas e o pessoal está se especializando. Há muito mais opções para aprender
música. Por isso, ainda acredito que vá aparecer gente boa... gênios.
Você é indicada como uma das responsáveis por ampliar o repertório da galera da
Lapa. Como é este seu lado pesquisadora?
Pesquisadora? Eu? Nunca ... Aliás, sou bem preguiçosa. A verdade é que ganho
muitas coisas e guardo. Aí, quando alguém pergunta sobre determinado autor, eu
tenho coisas dele. Meu caminho sempre foi o samba, gosto muito de choro. E,
desde mocinha, vinha para o Rio (morava em São Paulo), assistir ao Candeia, ao
Ismael Silva ... freqüentei muito o Teatro Opinião. Por isso, fui juntando
muitas coisas e algumas já até perdi pelo caminho.
Este negócio de repertório antigo é um poço sem fundo, né? Tem muita coisa boa
por aí que as pessoas nem sabem que existe ...
Eu tenho a mesma sensação. O pessoal da Velha Guarda, por exemplo, morreu e
muita coisa do que eles fizeram foi perdido. Afinal, ninguém guardava. O Nelson
Sargento lembrava tudo de cabeça e chegou a mostrar para o Cartola coisas que o
próprio Cartola tinha feito e havia se esquecido. Ele fazia este papel de
memória da Mangueira, assim como o Monarco fazia na Portela. Eu mexo com samba
há anos e ainda acho que estou aprendendo.
Vamos falar do último CD. Este que você fez com o pessoal do Samba de Fato em
homenagem a Mauro Duarte... O CD do Bolacha (Mauro Duarte) partiu do Paulinho
(César Pinheiro), que me ligou dizendo que tinha 10 músicas inéditas dele com o
Mauro. Na verdade, ele havia terminado as músicas. Eu procurei o Alfredo Del
Peño e contei isso. Ele, sim, é o pesquisador (RISOS). Aí o Samba de Fato se
encarregou de fazer o resto. Eles foram atrás de outras gravações raras e
inéditas. Ficou muito bom, mas preciso dizer que eu só lancei a idéia.
Cristina ... o que você espera que aconteça com o samba daqui para frente?
Espero que apareçam os gênios. E que o pessoal faça samba com coração, com
poesia...
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