Pessoal, não tem a ver com urna eletronica. Mas tem muito a ver com o
momento que vivemos. O Castilho, que me repassou o texto, é diretor da
Associação dos Engenheiros da Petrobrás (Aepet) que recentemente
entrevistou Amilcar e a mim - via jornalista José Augusto Ribeiro -
sobre o voto eletronico. Programa que passou na TV Comunitária do Rio de
Janeiro e em outras 23 teves comunitárias espalhadas por todo o país.
Este texto é extenso, mas repito: vale a pena ler.


Assunto:  Sobre o Afeganistão, o Petróleo e a Indústria bélica

Os pica-paus na guerra do Afeganistão


Você deve estar se perguntando o que é que os pica-paus têm a  ver com a
guerra do Afeganistão. Fique tranqüilo, não se trata de nenhum tipo de
avião espião norte-americano e, muito menos, de uma arma secreta de Osama
Bin  Laden. Como você sabe, os pica-paus são pássaros que usam o próprio
bico para  retirar os parasitas escondidos atrás das cascas das árvores.
Entre eles, há  alguns que são jornalistas, professores, assessores e
pessoas simples que, em  sua luta quotidiana contra a exploração, tentam
furar o muro das aparências para  desvendar os fatos e as relações que
atrás dele se escondem.

O trabalho corajoso e persistente destes pássaros já conseguiu  fazer
alguns pequenos furos na muralha das declarações oficiais do presidente
Bush e de Osama Bin Laden que disputam o papel de representantes do "bem"
contra  as forças do "mal". Dizem os pica-paus que os buracos são ainda
muito pequenos  para que o bico possa passar, mas já dá pra espreitar
através deles a realidade  que se oculta à sombra deste muro.

Ao contarem o que viram, alguns deles me convenceram a colocar  no papel o
relato de suas primeiras observações e a levá-las até você. Foi assim  que
me apressei em pegar a caneta e organizar as informações de acordo com
aquilo que foi possível enxergar através de cada um dos pequenos furos. É
pouco,  mas já permite ver com outros olhos o dia-a-dia da guerra no
Afeganistão.

    A história e suas revelações surpreendentes.

    O Afeganistão vem sendo considerado como uma das nações mais  pobres e
    atrasadas do mundo. Até o início da década de 70, o país é governado
    por uma monarquia que tem pouco poder. Quem manda mesmo é um punhado de
    proprietários de terras que não hesita em usar a religião muçulmana para
    legitimar a sua dominação.

    Esta realidade faz o descontentamento crescer não só entre o  povo como
    nos setores progressistas e em parte do exército. É contando com o
    apoio deles que, em 1973, o rei Mohamed Zahir Shah é derrubado por seu
    primo  Mohamed Daud que instaura um regime republicano. A reviravolta
    permite as  atividades do Partido Democrático do Povo do Afeganistão
    (PDPA), de inspiração  comunista, que tem como base os poucos
    intelectuais afegãos que residem nas  cidades, os estudantes e alguns
    oficiais das forças armadas. Os pontos  principais do seu programa são:
    a reforma agrária, a libertação da mulher e a  alfabetização em massa da
    população. Cedendo às pressões dos conservadores,  Daud assume posições
    cada vez mais moderadas e, em 1978, tenta suprimir as  atividades do
    PDPA numa época em que a situação econômica e social do  Afeganistão
    piora a olhos vistos.

    Neste contexto, duas lideranças de esquerda são assassinadas  e as
    manifestações de protesto se espalham pelo país. A polícia reage com a
    repressão e a prisão de vários representantes dos setores progressistas.
    Mas,  longe de acabar com os tumultos, estes acontecimentos abrem
    caminhos para a  revolta de um setor das forças armadas. Nos
    enfrentamentos que se desenvolvem  em abril de 1978, Daud e boa parte do
    seu gabinete são mortos. O PDPA assume o  poder e proclama o Afeganistão
    "república democrática" sob o comando de  Mohamed Taraki.

    No mesmo ano, Taraki realiza uma reforma agrária radical.  Cerca de 250
    mil camponeses são beneficiados com uma ampla distribuição de  terras e
    são canceladas todas as dívidas com os antigos proprietários. O novo
    regime liberta 8 mil prisioneiros políticos e declara que a educação é
    um  direito universal tanto para os homens como para as mulheres.

    As reações dos setores conservadores são violentas e levam  Taraki a
    buscar apoio na antiga União Soviética. Esta escolha provoca duros
    embates no interior do PDPA que acabam fortalecendo a oposição.

    Em setembro de 1979, Taraki é assassinado e substituído por  Hafizullah
    Amin, homem forte do regime anterior. Incapaz de controlar a  situação
    do país, Amin é morto em dezembro do mesmo ano durante a rebelião que
    leva ao poder Babrak Karmal, apoiado pelo exército da União Soviética
    que, no  final de dezembro de 1979, ocupa a capital e, em seguida,
    estende o seu  controle ao resto do país. As mudanças iniciadas com
    Taraki continuam e os  resultados começam a aparecer. Se em 1977 só 15%
    dos meninos e 2% das meninas  tinham acesso à escola, durante o governo
    do PDPA esta porcentagem cresce até  atingir 63 % das crianças em 1987.
    No mesmo período, o investimento nos  serviços de saúde eleva a
    esperança de vida de 33 para 42 anos. As mulheres  dão passos
    importantes para começar a sair da situação de marginalização em  que se
    encontram. Durante os governos comunistas, o analfabetismo feminino cai
    de 98% para 75%, milhares de mulheres se integram à vida política do
    país e  abandonam progressivamente as restrições religiosas que as
    marginalizavam.

    Nunca é demais registrar que é a posição estratégica em  relação aos
    demais países da Ásia Central e do Oriente Médio a levar Estados  Unidos
    e União Soviética a uma acirrada disputa pelo controle do Afeganistão.
    Diante da ocupação do Exército Vermelho, a CIA norte-americana estimula
    a  criação de grupos guerrilheiros que contam com o apoio dos
    proprietários de  terras atingidos pela reforma agrária, dos serviços
    secretos do Paquistão, da  OTAN, de Israel e da Arábia Saudita.

    Em março de 1985, o presidente dos EUA, Ronald Reagan,  autoriza
    oficialmente o aumento da ajuda que, desde 1979, a CIA destinava aos
    guerrilheiros afegãos. Através do Paquistão, os Estados Unidos fazem
    chegar a  eles armas e dinheiro num montante de um bilhão de dólares
    anuais. A idéia com  a qual a CIA procura arregimentar adeptos em todos
    os países árabes é a de que  as sagradas leis islâmicas estariam sendo
    violadas pelas tropas soviéticas que  professam o ateísmo, razão pela
    qual os seguidores de Maomé deveriam se unir  para reivindicar a
    independência do Afeganistão e derrubar o regime  esquerdista sustentado
    por Moscou.

    Movidos pelo nacionalismo e pelo fervor religioso, mais de  100 mil
    muçulmanos são envolvidos nesta "guerra santa" que combate o exército
    soviético a serviço dos interesses dos EUA. É neste contexto que um dos
    filhos  da elite da Arábia Saudita, Osama Bin Laden, se torna um
    estreito colaborador  da CIA e passa a integrar as fileiras do Partido
    Islâmico de Gulbudin  Hekmatiar.

    Em dez anos de ataques, os guerrilheiros armados pelos  Estados Unidos
    destroem quase duas mil escolas, 31 hospitais, dezenas de  empresas,
    várias centrais elétricas, 41 mil quilômetros de vias de  comunicação,
    906 cooperativas de agricultores, explodem bombas em cinemas e  praças
    cheias de gente. Os que Reagan chama de "lutadores da  liberdade", Bin
    Laden entre eles, se dedicam a matar sem piedade mulheres,  crianças,
    anciãos, líderes religiosos partidários do governo e professores.
    Apesar do requinte de crueldade com o qual costumam agir, os
    guerrilheiros  nunca são chamados de "terroristas" nem pelos EUA e nem
    pelos países europeus,  chegando, no máximo, a receber o apelido de
    "rebeldes" após utilizarem  mísseis ingleses e estadunidenses para
    derrubar dois aviões civis das linhas  aéreas do Afeganistão.

    Em setembro de 1987, Babrak Karmal se demite do cargo e o  general
    Najibullah assume o seu lugar. Pressionado pela nova política de
    Gorbatchev o novo presidente tenta dar início a um processo de
    pacificação que  é recusado pelos guerrilheiros. Entre agosto de 1988 e
    fevereiro de 1989, o  exército soviético sai do Afeganistão. A situação
    do país se torna ainda mais  tensa não só pelos enfrentamentos entre os
    guerrilheiros e as forças de  Najibullah, como pelas divisões que se
    manifestam entre os 15 grupos armados  que lutam para derrubar o governo
    afegão, 8 dos quais são muçulmanos xiitas  enquanto os outros 7 são
    sunitas.

    Em maio de 1992, o exército de general Najibullah é  derrotado, os
    guerrilheiros ocupam a capital do país e, em junho do mesmo ano,
    nomeiam Burhanudin Rabani como presidente interino. A sua tentativa de
    fazer  conviver a ala moderada com o setor fundamentalista do Partido
    Islâmico de  Hekmatiar não vinga e as duas facções se enfrentam numa
    sangrenta guerra  civil.

    Em 1996, os integralistas islâmicos (Talibãs) tomam o poder.  O seu
    exército continua contando com a estrutura guerrilheira dos anos
    anteriores. Nos campos de treinamento do Afeganistão e do Paquistão são
    preparadas, agora, as forças que vão se opor aos grupos muçulmanos
    moderados  (que formam a "Aliança do Norte") e as que ajudarão a
    sustentar a guerra  separatista na Chechenia, apoiada pela CIA. A
    presença dos EUA em mais este  conflito não é explicada por motivos
    nobres. Chechenos e norte-americanos  estão interessados em afastar a
    Rússia das abundantes jazidas de petróleo do  Mar Cáspio. A
    independência da Chechenia tiraria das mãos de Moscou o controle  do
    principal oleoduto que sai da região e abriria caminhos para a
    exploração  dos poços por parte das empresas inglesas e
    norte-americanas.

    Neste contexto, o Afeganistão seria uma espécie de ponto de  passagem
    obrigatória de um oleoduto e de um gasoduto que transportariam os
    combustíveis a serem embarcados rumo aos Estados Unidos e ao Extremo
    Oriente.  Mas há um imprevisto. O Talibã se opõe a este brilhante plano
    da CIA e os  aliados de ontem se tornam inimigos dos interesses
    estadunidenses que hoje  aguardam ansiosos a sua concretização. Vamos
    entender porque isso  acontece.

    Contrariando as aparências, em nenhum momento Osama Bin Laden  é um
    defensor dos fracos e oprimidos contra os interesses das empresas
    multinacionais. E também ele nunca traiu o setor da elite árabe
    interessado em  ampliar seu domínio no Oriente Médio e na Ásia Central.
    Ciente dos limites das  reservas de combustíveis fósseis, este setor
    busca o pleno controle das fontes  de energia e a progressiva redução da
    influência americana sobre a região.  Mas, para isso, o primeiro passo é
    o de desestabilizar as atuais monarquias da  Arábia Saudita e dos países
    próximos que, hoje, têm uma posição subserviente  em relação aos Estados
    Unidos. A motivação religiosa do seu grupo é um  elemento importante
    para fazer com que as massas muçulmanas empobrecidas se  levantem contra
    seus governantes e abram caminhos rumo a um estado islâmico
    fundamentalista e capitalista. O apoio popular, o controle das jazidas e
    a  ação terrorista dos membros de sua organização (Al-Qaida) seriam
    elementos  chaves para começar a reverter a situação de dependência em
    relação aos  interesses norte-americanos e ingleses.

    Tenha sido ou não Osama Bin Laden a planejar os atentados, a  guerra
    declarada pelos EUA parece ser uma mão na roda tanto para os
    fundamentalistas afegãos como para os interesses ingleses e
    norte-americanos.  De um lado, os ataques ao Afeganistão obrigam os
    países árabes e muçulmanos a  escolherem entre Bin Laden (e a suposta
    defesa da religião islâmica) e George  W. Bush. Ao optarem pelo apoio ou
    pela neutralidade em relação aos EUA estes  regimes tendem a acirrar as
    ações dos grupos que se opõem a seus governos. Ao  escolherem Bin Laden,
    não só perdem um importante aliado militar como este se  transforma,
    automaticamente, em seu inimigo. As manifestações que já foram
    registradas nas ruas do Paquistão e da Indonésia são apenas uma pequena
    amostra do que pode vir a acontecer em níveis bem mais amplos.

    No que diz respeito aos Estados Unidos, a guerra é um meio  necessário
    para reafirmar o seu poder no mundo e tentar estabelecer em bases  mais
    favoráveis e duradouras o seu controle sobre as reservas de petróleo e
    gás natural. Não é por acaso que EUA e Inglaterra se apressam em manter
    contatos com a família e o ex-rei do Afeganistão, Mohamed Zahir Shah,
    deposto  em 1973, para que possam assumir o governo provisório da nação
    após a eventual  vitória das tropas aliadas. Ciente de sua fragilidade
    política e da realidade  do país, devastado por anos de conflito, o novo
    governo não passaria de uma  marionete cujos movimentos, em última
    análise, seriam ditados pelos interesses  do capital inglês e
    norte-americano. É claro que isso demandaria ações  adicionais para
    neutralizar a atuação dos guerrilheiros da Aliança do Norte  que hoje
    recebem armas e dinheiro da Rússia (que também quer garantir o seu
    controle sobre a região do Mar Cáspio), mas esta já é outra questão a
    ser  delineada pelo desenrolar do conflito.

    Imagino que depois desta chuva de dados históricos,  contradições e
    surpresas, você já deve estar meio cansado. Eu sei que não foi  fácil
    segurar o tranco, mas, confesse, depois do relato deste pica-pau as
    coisas começam a ficar mais claras. Sabendo que as próximas páginas vão
    apresentar elementos intrigantes, o segundo representante da espécie
    sugere  que você tome um café e dê uma boa espreguiçada porque vem aí
    ...

    O problema das fontes de energia.

    Com certeza, você deve ter percebido que o pica-pau anterior  nos
    alertou sobre uma disputa que vem acontecendo há mais de uma década: a
    guerra pelo controle das reservas de petróleo e de gás natural. Sabendo
    da  importância deste assunto, ouvi com atenção o que outro pássaro
    destemido  tinha a dizer após a olhada que ele conseguiu dar através do
    segundo pequeno  furo que já foi feito na muralha.

    Antes de começar o seu relato, ele me aconselhou a pegar um  Atlas e a
    abri-lo nas páginas que contém os mapas do Oriente Médio e da Ásia
    Central. Dessa forma, é bem mais fácil acompanhar e entender os seus
    argumentos. Dada a dica, aí vai a narração que ele me fez com uma
    paciência e  precisão surpreendentes.

    Diz o pica-pau que se o consumo mundial de petróleo continuar
    aumentando do jeito que está, até 2020 estarão esgotadas cerca de dois
    terços  das reservas de combustíveis fósseis do planeta. Um prazo de 19
    anos parece  algo distante no tempo, mas, como se trata de uma
    matéria-prima estratégica  para a economia mundial, a corrida para
    garantir o acesso a estes recursos vai  se acirrar cada vez mais.

    Neste contexto, a posição dos Estados Unidos é bastante  vulnerável por,
    pelo menos, três razões. A primeira vem de uma constatação  inquietante.
    Se os EUA tivessem que contar somente com as reservas que estão  em seu
    território teriam petróleo suficiente para não mais do que quatro anos.
    Isso sem contar que, por exemplo, a exploração das jazidas do Alaska
    demandaria investimentos mínimos da ordem de 20 bilhões de dólares só na
    construção de um oleoduto e enfrentaria fortes oposições dos grupos
    ecologistas.

    A segunda está no fato de que 82 em cada 100 barris do  petróleo
    importado pelos Estados Unidos vem da Arábia Saudita. A monarquia que
    governa este país, principal aliado dos EUA no mundo árabe, enfrenta uma
    oposição crescente contida através de uma dura repressão a toda
    expressão de  sentimento antigovernamental. Apesar dos sucessos obtidos
    até agora, a  freqüência dos ataques terroristas na Arábia e o
    descontentamento em relação  ao seu governo são suficientes para
    vislumbrar que esta dominação não vai  durar para sempre.

    O último motivo de preocupação não repousa somente na  constatação de
    que países como o Irã e o Iraque estão longe de ter um  relacionamento
    amigável com os Estados Unidos, mas, sobretudo, no fato de que  as
    empresas de capital francês (Total e Elf) fizeram pesados investimentos
    no  Irã e se associaram à Rússia na exploração das jazidas do Mar
    Cáspio. Esta  aliança permite à Rússia controlar, direta ou
    indiretamente, um território que  inclui as regiões produtoras do
    Cáucaso (entre elas a Chechenia) e de boa  parte da Ásia Central.

    Uma saída para a situação desconfortável em que se encontram  os
    interesses norte-americanos já havia sido revelada no início de 1998
    pelo  Tenente Coronel da Reserva Lester W. Grau que, entre outras
    coisas, foi  assessor político e econômico no quartel geral das Forças
    Aliadas da Europa  Central em Brunssum, Holanda. Na matéria publicada
    pela revistas Foreign  Affairs, Lester reconhece a fragilidade das
    condições de abastecimento dos  Estados Unidos, avalia as alternativas
    para melhorar esta situação e aponta  como caminho mais viável a
    construção de um oleoduto que sairia das jazidas do  Cazaquistão ou do
    Turcomenistão, próximas ao Mar Cáspio, passaria pelas  cidades de Herat
    e Kandahar, no Afeganistão, entraria no Paquistão por Quetta  e
    terminaria no porto de Karachi. Daí petróleo e gás seriam facilmente
    embarcados rumo aos EUA, China e Japão evitando assim as águas
    conturbadas do  Golfo Pérsico que já foram palco de violentos
    enfrentamentos. O custo da obra  giraria em torno dos 2 bilhões de
    dólares e daria acesso a reservas de  petróleo 33 maiores que as da
    Alaska e a uma quantidade de gás natural  estimada em 50% do total já
    descoberto a nível mundial. O único problema  técnico é a presença em
    território afegão de um tal de Osama Bin Laden cujas  forças se recusam
    em atender às expectativas de seus antigos aliados.

    Eu já estava fechando o Atlas quando o pica-pau enfiou o bico  entre as
    páginas e o abriu no mapa do Extremo Oriente. De início não entendi,
    mas ele me disse que eu estava esquecendo de dois países importantes
    nesta  disputa pelo acesso aos combustíveis fósseis: a China e o Japão.
    Aquele  pássaro sabido me contou que, nos dois últimos anos, a China
    mudou a  configuração de sua Força Aérea de defensiva para ofensiva e
    produziu novos  mísseis estratégicos de longo alcance. Além disso, vem
    deslocando boa parte de  seus efetivos militares que estavam na
    fronteira norte com a Rússia para seu  lado oeste (de onde espera
    aumentar o fornecimento de petróleo e gás natural)  e para os mares do
    Leste e do Sul da China. Aparentemente, isso poderia ser  explicado em
    função das conturbadas relações políticas deste país com a ilha  de
    Taiwan que já sofreu sérias ameaças militares. Mas uma análise mais
    atenta  revela que é justamente nestes mares que se encontram jazidas
    promissoras de  petróleo e gás natural.

    Na corrida às reservas de combustíveis fósseis, a China já  declarou o
    Mar do Sul como parte do seu território marítimo nacional e  reafirmou o
    seu direito de usar a força para protegê-lo. Esta postura  agressiva
    estimulou a Indonésia, a Malásia, a Tailândia, o Vietnam e as  Filipinas
    a reforçar seus efetivos aéreos e navais nesta região cujo controle  é
    objeto de disputa.

    O Japão não ficou pra trás e aumentou a sua capacidade de  operação com
    novos navios de guerra e aviões de combate armados com mísseis.  No Mar
    do Leste os japoneses estão disputando diretamente o controle das
    futuras jazidas e no do Sul procuram garantir não só a manutenção de
    suas  rotas comerciais com o sudeste asiático como o próprio
    abastecimento de  petróleo. De fato, 80% dos petroleiros que levam o
    produto para o país  atravessam as águas do Mar do Sul da China e uma
    guerra nesta região  representaria um alto custo para o Japão.

    Ciente de todas as implicações e do jogo de interesses que  estariam
    envolvidos num possível conflito neste canto do globo, há três anos  os
    Estados Unidos vêm pressionando o Japão para que assuma um papel mais
    ativo  no equilíbrio militar daquela área. Isso implicaria em pesados
    investimentos  que superariam as necessidades de autodefesa permitidas
    pela constituição  nipônica. Além dos limites legais, o horror e a
    rejeição diante de um ataque  armado a outro país são sentimentos ainda
    presentes entre o povo que não  consegue esquecer os efeitos
    devastadores das bombas atômicas. Ao mesmo tempo,  porém, não faltam
    especialistas que vêm apontando os gastos em armamentos, a  serem
    realizados pelo estado japonês, como um caminho para enveredar numa nova
    fase de crescimento econômico, além, claro, de poder enfrentar melhor as
    tensões com as nações vizinhas.

    Diz o pica-pau que ele ficou preocupado com a decisão do  Japão de
    enviar navios de guerra em apoio à esquadra norte-americana. Ele sabe
    que a ajuda se dará nas áreas de transporte, reabastecimento, serviços
    médicos, proteção às instalações militares dos EUA no Japão, apoio aos
    serviços de inteligência e ajuda humanitária aos refugiados. Mas, após o
    fim  da segunda guerra mundial, esta é a primeira vez que o país envia
    parte de  suas forças armadas para uma zona de guerra longe de seu
    território e a  utiliza para tarefas que nada têm a ver com a sua
    autodefesa.

    Ao que parece, em nome da necessidade de responder aos  ataques
    terroristas do dia 11 de setembro como "renovado desafio à  liberdade",
    o Japão ensaia os primeiros passos para justificar um aumento  dos
    gastos militares e levar as pessoas a reduzir suas resistências em
    relação  à idéia de uma guerra ofensiva. É como se os senhores do poder
    estivessem  tirando os sapatos para entrar na consciência do povo sem
    serem ouvidos e  plantar aí as sementes das atitudes que gostariam de
    ver brotar no futuro.

    O pica-pau me garante que as nuvens no horizonte dos Mares da  China não
    estão ainda tão escuras a ponto de ameaçarem uma tempestade  iminente. A
    chuva ainda pode demorar, mas a depender do desfecho dos  enfrentamentos
    no Afeganistão, o aumento da tensão nesta região do mundo tende  a ser
    inevitável. Na dúvida, é melhor ficarmos de olhos e ouvidos bem abertos
    já que, por um bom tempo, as notícias que virão do Extremo Oriente serão
    cobertas pelo show de imagens da parafernália de guerra norte-americana.

    A "guerra nas estrelas" como caminho para a dominação mundial.

    Assim como uma conversa puxa outra, o relato do pica-pau  anterior foi
    seguido pela narração de outro que se atreveu a espreitar pelo  buraco
    que chamou de "guerra nas estrelas". Confesso que, de início,  fiquei
    meio desconfiado, como quem acha que o pássaro, desta vez, está
    exagerando na cores, mas ele me mostrou como cada peça da política
    armamentista estadunidense encaixa nesta idéia geral.

    Não é uma novidade pra ninguém o fato de que, nos últimos  anos, as
    fábricas de armas dos Estados Unidos andavam mal das pernas. O  governo
    havia reduzido a compra de suprimentos das forças armadas e as
    restrições comerciais impostas a vários países impediam o aumento das
    exportações das mais caras e eficientes máquinas mortíferas. A situação
    era  tão gritante que, em maio do ano 2000, um grupo de especialistas
    reunidos pelo  Pentágono chegava à conclusão de que era necessário e
    urgente fazer com que  este setor da indústria "ganhasse mais dinheiro".
    Respondendo a este  apelo, o então presidente, Bill Clinton, reduzia as
    restrições às exportações  de artefatos bélicos dos EUA com o claro
    propósito de aumentar os lucros das  empresas e, de conseqüência, suas
    atividades produtivas e de pesquisa.

    Por importante que fosse, esta ajuda não substituía os gastos  que o
    estado teria caso fosse viabilizado em grande escala o escudo de Defesa
    contra Mísseis Balísticos (DMB), conhecido também pelo nome de "guerra
    nas  estrelas". O problema aqui não era tanto a disponibilidade de
    recursos ou  a falta de vontade política do Congresso, mas sim a
    oposição internacional a  este projeto apontado como um instrumento de
    dominação mundial.

    Por submissas que sejam as nações de planeta, nenhuma delas  engole a
    idéia que o DMB é apenas uma arma de caráter defensivo para proteger  os
    Estados Unidos dos ataques com foguetes nucleares que, possivelmente,
    seriam lançados por países que se opõem à sua política internacional.
    Sabendo  do poder de destruição destas armas, do arsenal e dos sistemas
    de defesa já  existentes, disparar um míssil nuclear contra os Estados
    Unidos seria uma ação  suicida para qualquer governo. Estas simples
    constatações, acompanhadas das  ameaças de uma nova corrida armamentista
    envolvendo os países do Oriente  Médio, a China, a Índia, o Paquistão e
    a própria Rússia, estavam esvaziando o  esforço da diplomacia
    norte-americana. Esta fazia realmente o impossível para  mostrar que a
    segurança dos EUA estava em perigo e que o DMB era uma  necessidade para
    a paz mundial.

    É neste contexto que, em maio do ano 2000, a conferência da  ONU sobre o
    Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares se pronunciou por  uma
    ampla condenação do DMB com o argumento de que deitaria por terra
    décadas  de acordos internacionais para a redução e o controle das armas
    nucleares e  promoveria uma nova corrida armamentista.

    A bem da verdade, estas reações "oficiais" escondiam a  realidade que
    havia sido expressa pelo representante da China ao discutir na  ONU o
    projeto "guerra nas estrelas" do então presidente Ronald Reagan:
    "quando os Estados Unidos se convencerem de que possuem tanto uma longa
    lança, como um forte escudo, poderão ser levados a concluir que podem
    destroçar qualquer país, em qualquer lugar do mundo, sem perigo de
    retaliações". Em português claro, se é possível dar porrada sem se
    atingido, ninguém vai ter coragem e ousadia suficientes para se opor aos
    desmandos norte-americanos e, de conseqüência, os interesses econômicos
    que  carregam a bandeira estadunidense estarão protegidos em qualquer
    lugar do  planeta.

    Você entende que, diante do poder de fogo deste sistema de  "defesa",
    não é preciso efetuar nenhum disparo para que todos se disponham a
    obedecer. Por si só, a sua existência já constituiria uma ameaça
    assustadora.  Seria só o Tio Sam bater o pé para pôr todos pra correr. E
    isso, longe de  representar um futuro de liberdade, igualdade e paz,
    seria sinônimo de  dominação, de aprofundamento da desigualdade e da
    exploração, de um estado de  terror e de guerra permanentes.

    O pica-pau me confessou que ele adoraria reconhecer que suas  conclusões
    estão erradas, mas as matérias publicadas pelo New York Times,
    Financial Times e Foreign Affairs em maio e junho de 2001 dizem que,
    infelizmente, suas impressões podem estar corretas. O verdadeiro
    objetivo do  escudo de Defesa contra Mísseis Balísticos é o controle do
    espaço, o que, nas  palavras do atual Secretário de Defesa dos EUA,
    Donald Rumsfeld, implica em  "colocar armas ofensivas no espaço". Em
    outras palavras, não bastasse o  perigo constituído pelos arsenais
    terrestres, a opção norte-americana aponta  para a militarização efetiva
    do espaço exterior. Isso seria realizado com  armas capazes de atingir
    não só os mísseis (que poderiam ser disparados da  terra) e outros alvos
    civis ou militares, como os satélites que orientam os  sistemas de
    defesa e garantem as comunicações entre as demais nações.

    Levando em consideração que o desenvolvimento e a produção  das armas
    anti-satélite é bem mais simples do que a operacionalização do DMB,
    haveria um aumento da corrida aos armamentos espaciais por parte de um
    bom  número de países. A vantagem competitiva das empresas
    estadunidenses  garantiria seus lucros e o poderio dos Estados Unidos
    sobre o mundo.

    Aliás, foi por estas razões que, recentemente, os EUA se  recusaram a
    reafirmar o Tratado do Espaço Exterior de 1967 (que proíbe a  colocação
    de armas no espaço) e, desde janeiro de 2001, vêm bloqueando todas  as
    seções da conferência da ONU sobre desarmamento. Isso apesar das
    pressões  da Rússia e da China que, cientes do seu atraso tecnológico e
    dos custos  proibitivos deste projeto para suas economias, apelavam para
    a completa  desmilitarização do espaço, a redução do número de ogivas e
    a criação de zonas  livres de armas nucleares.

    Os atentados terroristas do dia 11 de setembro mostraram que  a América
    é, de fato, vulnerável e que há vários países querendo prejudicá-la.
    Somando esta constatação às pressões internacionais articuladas pela
    dupla  Bush-Blair ao redor da necessidade de apoio das demais nações à
    luta contra o  terrorismo, o resultado pode ser explosivo. A médio
    prazo, a perspectiva é a  de que o peso dos argumentos americanos a
    favor do DMB venha aumentando tanto  no interior da ONU como na relação
    com as principais potências do planeta.  Isso não significa que a
    indústria armamentista vai ter que esperar para  engordar seus lucros. O
    ritmo de suas máquinas já foi aumentado após a decisão  de declarar
    guerra ao Afeganistão e as ações de indústrias como a Honeywell
    International, Locked Martin, Rayteon, Northrop Grumman e a Boeing (que,
    além  de aviões, fabrica também mísseis e satélites) são as únicas que
    se  valorizaram mesmo nos dias em que a Bolsa de Valores de Nova Iorque
    registrava  seguidas quedas em seus indicadores. Para elas, esta guerra
    (à qual já foi  destinada a quantia de 344 bilhões de dólares) é apenas
    uma espécie de  tira-gosto quando comparada às possíveis encomendas do
    projeto de  militarização do espaço. Pelo visto, os urubus já estão se
    posicionando com o  olhar atento e o bico afiado. O desfecho do conflito
    no Afeganistão é que vai  dizer quanta carniça continuará sendo
    oferecida à apreciação de seus  paladares.

    Antes de ir embora, o pica-pau me fez reparar que nenhum  escudo
    antimíssil pode deter o que ele chamou de "terrorismo atômico".  De
    acordo com seus conhecimentos, a carga de "uma bomba nuclear que pudesse
    facilmente varrer Manhattan e matar 100 mil pessoas é uma bola de
    plutônio que  pesa 15 libras (em torno de 7 quilos). Ela é pouco maior
    do que uma bola de  futebol e pode ser transportada para o interior dos
    Estados Unidos numa mala  de viagem".Não, infelizmente isso não é ficção
    científica. O míssil que  carrega a ogiva é grande por causa dos
    motores, dos tanques de combustível, do  sistema de navegação e dos
    demais etceteras que o fazem funcionar, mas a parte  que vai fazer o
    estrago é pequena. Sabendo que com a confusão causada pelo fim  da União
    Soviética houve contrabando de peças e material nuclear, nada impede
    que tais cargas tenham caído nas mãos de grupos terroristas que contam
    com as  polpudas quantias de dinheiro necessárias para realizar este
    tipo de compra. É  claro que as coisas não são tão fáceis assim, mas
    esta possibilidade é bem  menos remota do que parece.

    Não bastasse este perigo, os recentes casos de contaminação  pela
    bactéria antraz revelam que as armas químicas e biológicas são,
    provavelmente, uma ameaça ainda maior para os países ricos. Ainda que a
    sua  disseminação seja razoavelmente simples, a transformação deste
    micro-organismo  numa arma mortal é bastante complexa e não pode ser
    realizada em laboratórios  de "fundo de quintal". O pica-pau me disse
    que, provavelmente, os EUA correm o  risco de provar o seu próprio
    veneno. De fato, além da atual oposição da  administração Bush ao
    controle das armas químicas e biológicas, o próprio  governo Clinton se
    encarregou de sabotar os acordos internacionais sobre esta  matéria. Por
    anos a fio, ele não financiou e deixou de realizar as inspeções
    internacionais e as demais ações que poderiam garantir a eliminação
    deste  perigo para a vida da humanidade porque estava preocupado em
    "proteger as  companhias farmacêuticas e de biotecnologia americanas". O
    resultado já  está debaixo dos nossos olhos: qualquer pó branco
    "suspeito" é motivo de  pânico e de correrias que só favorecem as
    indústrias de antibióticos e de  máscaras antigás. Quando o lucro vem
    antes da vida, o resultado final não pode  ser diferente do que já
    cansamos de constatar.

    Dito isso, o terceiro pássaro bateu asas e saiu apressado de  volta à
    muralha. Já estava achando que o meu trabalho de relator havia
    terminado quando vi chegar um pica-pau com as penas meio chamuscadas
    pelo  fogo. Cansado e ferido, me conta que um míssil das "forças
    aliadas" o pegou de  raspão na hora em que estava tirando o olho do
    último buraquinho. Ainda não  sabe se esta foi uma retaliação contra a
    espécie ou uma ameaça, mas, apesar  dos pica-paus não terem um "FBI" e
    nem uma "CIA", são suficientemente  inteligentes para entender que não
    se trata de um erro ou daquilo que numa  guerra engorda a lista dos
    "danos colaterais". Preocupado em divulgar  suas informações, me pede
    para não ficar enrolando e chamar o seu relato com o  título...

    Matando quatro coelhos com uma paulada só.

Além dos problemas da indústria armamentista e de abastecimento  de
petróleo e gás natural, a economia norte-americana estava patinando naquela
que os especialistas chamam de "crise de superprodução". Sim, você entendeu
bem,  não se trata de uma situação de falta, mas de sobra de capitais e de
mercadorias. É uma realidade que, de tempos em tempos, se instala em
qualquer  país capitalista após uma fase de crescimento econômico.

A causa do seu aparecimento não está no desemprego, mas no  mecanismo que
faz girar as engrenagens da exploração: a produção da riqueza é  coletiva,
mas, na hora de dividir o bolo, são os patrões que se apropriam da  fatia
maior. Eles a usam não só para ter condições de vida muito melhores do que
as nossas, como para realizar novos investimentos aumentando assim o número
de  bolos e o tamanho de suas fatias. Como os trabalhadores e as
trabalhadoras ficam  só com as migalhas, não é difícil você entender que,
mais dias menos dias, a  sociedade vai viver o absurdo de uma situação de
pobreza em meio à  abundância.

Aparentemente, a saída poderia ser a de promover o encontro  entre os
famintos e a comida, os descamisados e a roupa elevando os salários e
distribuindo melhor a renda. Mas isso é impossível de acontecer no sistema
capitalista, pois o aumento dos vencimentos faz a exploração diminuir e
reduz o  retorno sobre as quantias que foram investidas. Como o objetivo
central é o  lucro, e não a vida do ser humano, os ganhos não seriam
compensatórios e os  patrões não teriam razões para aplicar seu dinheiro na
produção. É por isso que,  diante da crise, eles optam por fechar as
empresas, reduzir drasticamente o  ritmo das máquinas ou até mesmo destruir
a abundância. O aumento do desemprego  assim provocado vai elevar o arrocho
dos salários e a exploração da força de  trabalho proporcionando o retorno
de margens de lucro satisfatórias que apontam  para uma nova fase de
crescimento da economia.

Entre os problemas que esta situação propõe, está o de  justificar perante
os olhos da sociedade os sacrifícios que os capitalistas  preparam para a
população trabalhadora. No passado, já tivemos a desculpa do  aumento dos
preços do petróleo, mas, desta vez, nem isso podia ser usado para  explicar
a crise do sistema, controlar o descontentamento e garantir a confiança
popular nas leis de mercado.

Os atentados terroristas do dia 11 fizeram as coisas  precipitarem. A
economia dos Estados Unidos, que já estava mal das pernas, dá  sinais
claros de que vai entrar em recessão, de que o desemprego vai aumentar e
de que várias empresas caminham para a redução de suas atividades.
Surpreendentemente, não se registram protestos e manifestações de revolta
por  parte das pessoas que acabam de perder seus empregos. No momento, há
um aumento  "tranqüilo" dos que se alistam nas fileiras do
salário-desemprego e do exército,  ao mesmo tempo em que os árabes se
tornam saco de pancada no qual muita gente já  desabafou sua raiva e seu
próprio sentimento de impotência.

O patriotismo, alimentado pela guerra, faz com que o orgulho de  "ser
americano" oculte as contradições gritantes que fizeram crescer o fogo da
crise e que, agora, serão esquecidas. O senso comum não tem a menor dúvida:
Osama Bin Laden é o verdadeiro responsável pelo agravamento da situação
econômica do país. Mais uma vez, os capitalistas agradecem e, como já
fizeram ao  longo da história, se preparam para transformar o esforço de
guerra na razão que  justifica todo e qualquer aumento da exploração. Em
nome do combate ao  terrorismo, os lucros das empresas vão voltar a ter um
futuro promissor.

Além de dar um sentido palpável à crise econômica, os atentados  devem
destravar as negociações para a formação da Área de Livre Comércio das
Américas (ALCA), ao mesmo tempo em que colocam obstáculos à rodada de
negociações no interior da Organização Mundial do Comércio (OMC). Bom,
vamos  pegar um bicho de cada vez e mostrar a relação entre estes elementos
e a crise  da qual falávamos antes.

No que diz respeito à ALCA, a recusa de países como o Brasil em  apressar a
formação de um mercado comum das Américas se baseia numa constatação  muito
simples: o baixo preço das mercadorias produzidas nos Estados Unidos (às
vezes, a custos subsidiados) acabaria levando à falência um número
significativo  de empresas que não têm a menor condição de entrar nesta
competição em pé de  igualdade. Para que isso não aconteça, os países da
América do Sul vêm taxando  uma longa lista de produtos importados das
nações do norte com a finalidade de  elevar seus preços e proteger suas
economias até que sejam eliminados os efeitos  devastadores da competição
internacional.

Inicialmente, se previa que as coisas ficariam como estão até  janeiro de
2005, data a partir da qual seria iniciado o processo de redução dos
impostos e seriam removidas as barreiras para a livre comercialização dos
produtos entre as duas Américas. Sentindo a chegada da crise, em 1999, os
EUA  começaram a ampliar as pressões para reduzir significativamente os
tempos que  antecediam a integração das economias do continente. A razão
era muito simples:  o aumento de suas exportações ajudaria a apressar a
saída da crise de  superprodução. Na medida em que a sobra fosse exportada
para a América do Sul,  os lucros nos Estados Unidos parariam de cair,
várias empresas seriam abertas  para dar conta das novas encomendas ao
mesmo tempo em que muitas outras estariam  sendo fechadas em países como
Brasil e Argentina.

Sim, você entendeu bem. Uma das saídas para a crise dos EUA era  justamente
a de exportá-la para outros países apressando a implantação da ALCA.
Acontece que o Brasil não comprou esta idéia e isso colocou em ponto-morto
a  discussão do mercado comum das Américas. As negociações pararam e tudo
parecia  indicar que Bush teria mesmo que esperar janeiro de 2005. Com o
clima de  chantagem criado pelas declarações de que "quem não está do lado
dos Estados  Unidos está do lado dos terroristas" é de se esperar que as
pressões para  acelerar o ritmo da ALCA se ampliem nos próximos meses. Isso
ocorreria porque  para reativar a economia e para arcar com os custos da
guerra os EUA precisam de  recursos, entre os quais figuram os do aumento
de suas exportações.

No que diz respeito à Organização Mundial do Comércio (OMC), os
norte-americanos vêm sendo acusados de lançar mão de práticas
protecionistas  (como a imposição de taxas aos produtos de outros países ou
a definição de  quotas rígidas de importação de certas mercadorias) e de
aumentar os subsídios  concedidos aos agricultores. Estas medidas, que
visam proteger a economia  estadunidense da concorrência internacional,
ferem várias normas da OMC e, antes  dos atentados, os países europeus
estavam se organizando para que as negociações  dos próximos meses fossem
favoráveis aos interesses de suas economias. Pelas  últimas informações, o
calendário de reuniões preparatórias acaba sendo  esvaziado pelo desenrolar
dos acontecimentos. Enquanto isso, as incertas e  sombrias perspectivas de
futuro para a economia mundial e para as relações  internacionais estão se
encarregando de questionar a conveniência da rodada de  negociações da OMC
começar em 2002 e abrem caminhos para a implantação de  exigências que não
são favoráveis aos países pobres.

Como você já deve ter entendido, os atentados do dia 11 de  setembro
ajudaram a matar mais três coelhos: culpam os terroristas pela crise
econômica, pressionam para acelerar os tempos da ALCA ao mesmo tempo em que
tendem a reduzir as exigências de mudança na política econômica
norte-americana  no interior da OMC.

O quarto coelho é tão importante quanto os anteriores. A reação  dos
Estados Unidos aos ataques terroristas apaga as diferenças entre os
movimentos de resistência (que assumem a forma de uma guerrilha armada) e
aqueles que podem realmente ser definidos como terroristas. Esta confusão
abre o  caminho da repressão violenta contra aqueles grupos cuja luta vem
ganhando o  apoio da opinião pública internacional.

Aproveitando o sentimento de indignação que se espalhou pelo  mundo, a
Agência Estadunidense de Combate às Drogas, por exemplo, se apressou em
incluir o Exército Zapatista de Libertação Nacional do  México (EZLN) na
sua lista de movimentos terroristas a serem combatidos. Apesar  dos
zapatistas não ter realizado nenhum atentado e não estarem envolvidos com o
tráfico, as acusações norte-americanas vão no sentido de pressionar o
governo  mexicano a adotar uma saída militar para o conflito que vem se
desenrolando  desde 1º de janeiro de 1994. Entre as principais razões que
explicam esta  postura, está o fato de que o EZLN e as comunidades
indígenas que o apóiam  ocupam uma região muito rica em petróleo e urânio.

A coisa foi tão descarada que, temendo o pior, tanto o  governador do
Estado de Chiapas como o encarregado do governo pelas negociações  com os
zapatistas, Luis H. Alvarez, se apressaram em declarar aos jornais que o
EZLN não pode ser confundido com um grupo terrorista por ter objetivos
sociais  bem definidos e também não há envolvimento de seus integrantes no
tráfico de  entorpecentes.

Como você pode ver, os Estados Unidos não perdem tempo. A lista  destes
grupos parece ser longa e, se as intenções norte-americanas não forem
desmascaradas, pouco a pouco, qualquer manifestação contra os interesses
dos  poderosos pode vir a ser considerada uma forma de terrorismo por
representar um  atentado contra a ordem. Os mais diversos grupos de
resistência que organizaram  os protestos de Genova, Praga, Washington e
Seattle seriam colocados sob  suspeita pelo simples fato de existirem.

Apesar do cansaço e das feridas, o quarto pica-pau decide  voltar para
ajudar os demais que se esfolam na árdua tarefa de furar a muralha.  Um
profundo silêncio de reflexão se apodera do quarto onde estou escrevendo
estas últimas linhas. Revolta e esperança formam um turbilhão que empurra à
ação, a levantar a cabeça e começar a caminhar. Sozinho com todos estes
pensamentos olho pela janela de onde vejo entrar um pombo-correio. Os seus
movimentos inquietos me fazem entender que se trata de algo urgente e me
apresso  a abrir a mensagem que ele traz. Nela está escrito: "A humanidade
está em  perigo. Os que dizem estar do lado do bem são lobos disfarçados de
cordeiros.  Não há tempo a perder. Convide os pica-paus e os demais
pássaros de todas as  cores, tamanhos, raças e religiões a correrem para a
muralha. Precisamos abrir  novos buracos para que nas escolas, nas
fábricas, nos campos, nos bairros e em  todos os cantos da terra mais
pessoas possam enxergar o mundo que atrás dela se  esconde. Urge organizar
as forças para enfrentar a onda de exploração e morte  que ameaça se abater
sobre o planeta".

Bom, o recado está dado. Vou entregar ao pombo-correio uma  mensagem
avisando que o relato está pronto e vai ser divulgado. Tomara que isso
ajude a fazer com que uma revoada de pássaros levante vôo e use seu canto
de  múltiplas línguas para deter a guerra e construir um mundo onde a paz
seja o  fruto de uma árvore chamada justiça.
(Embedded image moved to file: pic04827.pcx)



Emilio Gennari.

Brasil 18 de outubro de 2001.

Bibliografia:

Além das inúmeras matérias publicadas no jornal Gazeta  Mercantil, foram
consultados os textos que seguem:

    Ahmed Rashid, El Taliban: exportando extremismo, em Foreign  Affairs em
    espanhol, novembro-dezembro 1999.

    Antonio Negri, El terrorismo, enfermedad del sistema, em La  Jornada,
    México, 15 de outubro de 2001

    Delip Hiro, Las conseqüências de la jahad afgana, Inter Press  Service,
    21 de novembro de 1995.

    Iván Valdés, EE. UU. necesita controlar la region petrolifera en torno
    a Afganistán . La guerra del petrolero George W. Bush, em El Siglo,  Nº
    137, ano 2001. Obtido através da página eletrônica da revista.

    José Antonio Egido, Afganistán: cuando los comunistas protegian los
    derechos de las mujeres, em Rebelión, 26 de setembro de 2001.  Obtido
    através da página eletrônica da revista.

    Lester W. Grau, La política Del Oleoducto e el surgimiento de uma nueva
    región estratégica: Petróleo e Gas natural del Mar Caspio y Asia Central
    ,  em Foreign Affairs em espanhol, janeiro-fevereiro de 1998.

    Michael T Klare, La nueva geografia de los conflictos  internacionales,
    em Foreign Affairs em espanhol.

    Michel Chossudovsky, Osama Bin Laden: um guerrero da CIA, em La  ornada,
    México, 23 de setembro de 2001.

    Noam Chomsky, Hegemonia ou sobrevivência, divulgado através da  página
    eletrônica da revista Z-net em 3 e 4 de julho de 2001.

    Noam Chomsky, A política dos Estados Unidos ? Estados rebeldes,  estudo
    divulgado através da página eletrônica do Centro de mídia  independente
    em 17 de setembro de 2001.









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