Assim se arma uma crise cambial. Antonio Martins. As turbulências financeiras da semana passada acabam de parir um monstro político. Os principais dirigentes do PSDB somaram-se a líderes empresariais e a economistas alinhados ao projeto neoliberal para "exigir" da oposição que descumpra, em caso de vitória, seu compromisso de mudar o país - ou para desqualificá-la perante os eleitores. O movimento apóia-se numa operação financeira e numa pressão ideológica. O Banco Central está procurando firmar, com os credores da dívida pública, um acordo tácito que tende a amenizar, no curto prazo, a tensão nos mercados - mas pode provocar, no início do próximo ano, uma situação insustentável. A estabilidade fugaz que este acerto pode proporcionar será atribuída à competência dos condutores da política econômica e, por extensão, às possibilidades de vitória de José Serra. Os candidatos oposicionistas serão pressionados a garantir a manutenção
dos mesmos rumos. Se caírem na armadilha, ou perderão nas urnas (porque o eleitorado pode enxergá-los como imitadores de Serra), ou, em caso de vitória, assumirão a Presidência de mãos amarradas. A parte política da operação vem sendo descrita nos jornais. Ela foi acertada no último domingo (9) pela manhã, no apartamento do presidente FHC em São Paulo. Lá se reuniram, além do chefe de governo, o presidente do PSDB, José Aníbal, o coordenador da campanha de Serra, Pimenta da Veiga e os senadores tucanos Artur da Távola (RJ), Arthur Virgílio (AM) e Geraldo Melo (RN). À saída do encontro, alguns participantes deram à imprensa declarações em que atacaram a "inexperiência" de Lula para lidar com problemas financeiros e associaram o candidato José Serra à estabilidade. "De fato, há razão para temor. (...) Ninguém aprende a administrar na Presidência", disse Pimenta. Aníbal completou: "Sem dúvida, associar Serra à possibilidade de que o Brasil mantenha o rumo ajuda muito na definição do voto favorável a ele". Os inquisidores interpelam Lula... A ofensiva dos tucanos é reforçada por artigos e entrevistas publicados de segunda-feira (10), com destaque, pelos jornalões. Os textos referem-se especificamente a Lula. Usam argumentos e imagens semelhantes para propor que o candidato do PT faça publicamente autocrítica em relação a teses defendidas em documentos oficiais de seu partido e do Instituto da Cidadania, ou em entrevistas concedidas e artigos publicados por dirigentes do PT. Na Folha de S.Paulo, Álvaro Souza, presidente da Câmara Americana de Comércio (AmCham), reivindica: "A única maneira de o Lula ficar palatável é, no horário que tem na televisão, olhar para a câmera, no olho de quem está no outro lado e dizer: 'Pessoal, mudei de opinião'. Em O Estado de S.Paulo, um artigo de Fábio Giambiagi, economista do BNDES, sustenta: "Vamos colocar os pingos nos is: isso pode ferir os brios de algumas pessoas, mas o capital deve ser paparicado". Em seguida, afirma: "O deputado Aloizio Mercadante tem se dedicado a tentar acalmar o mercado externo. O seu discurso é excelente e a intenção é louvável, mas ele está atrás do alvo errado. O país ganharia mais se, em vez de o deputado procurar mostrar-se tão ortodoxo quanto o ministro Malan aos olhos do público externo, ele convencesse o público interno do PT a fazer uma autocrítica convincente pelas propostas e pelos atos que o partido defendeu durante anos". Que "paparicos" Lula deveria oferecer, para cativar os mercados financeiros? Na semana passada, o próprio jornalista Luís Nassif, um defensor declarado do governo FHC, horrorizou-se ao calcular a riqueza monumental transferida pelo Tesouro, sob a forma de juros, aos credores da dívida pública. Entre 1994 e hoje, lembra ele, a dívida pulou de R$ 60 bilhões para R$ 670 bi. > Ainda que sejam descontadas todas as transferências dos débitos de Estados e Municípios para a União e todos os "esqueletos" que o Tesouro assumiu (como o Fundo de Compensações pela Variação Salarial, do antigo BNH), sobram nada menos que R$ 433 bilhões de juros. Ou seja: para manter a "aposta" dos aplicadores no Brasil, as competentíssimas autoridades brasileiras obrigaram a sociedade a transferir a eles o equivalente a dez usinas de Itaipu - ou, numa imagem mais atual, a dois mil prédios do TRT de São Paulo. É quase um Lalau a cada dia do governo FHC... (...) e os especuladores apostam contra o real Um governo que se diz comprometido a resgatar a dignidade dos brasileiros pode manter esta brutal transferência de riquezas? Por acreditar que a resposta é evidentemente negativa, os especuladores começaram a tirar dinheiro do país, nos últimos meses - e em especial em abril. Venderam grandes quantidades de títulos públicos atrelados ao real (as Letras Financeiras do Tesouro, ou LFTs, especialmente). Compraram dólares e papéis com valorização atrelada à moeda norte-americana. Mais de R$ 20 bilhões em LFTs deixaram de ser renovados desde janeiro. O resultado foi ruinoso. Matéria de Sheila D'Amorin publicada segunda-feira (10) em O Estado de S. Paulo, com base em dados fornecidos por Eduardo Guardia, secretário do Tesouro Nacional, que a alta do dólar provocou aumento de R$ 34,7 bilhões na dívida pública, só em maio e na primeira semana de junho. Uma alta da dívida nestas proporções contraria o próprio acordo com o FMI e cria, se mantida, uma espiral semelhante à que derrubou a Argentina. Contudo, os dogmas neoliberais ensinam que o Estado não pode intervir nos mercados: precisa negociar permanentemente com eles. Por isso, o presidente do Banco Central (BC), Armínio Fraga, mais dois integrantes de sua diretoria e o secretário-executivo do ministério da Fazenda, Amaury Bier, dignaram-se, na sexta-feira (7), a participar de uma teleconferência destinada a oferecer garantias aos aplicadores, e tentar acalmá-los. Fraga e seus acompanhantes prometeram: "o BC não vai fazer nada diferente do que o mercado está demandando". Em outras palavras, continuarão trocando os títulos que vencem no meio do próximo governo (em 2004, 2005 e 2006, por exemplo), por papéis que podem ser resgatados antes ou logo após o fim do mandato de FHC. Nas últimas quatro semanas, revelaram ontem os repórteres Vivaldo de Sousa e Sílvia Mugnatto, o volume de títulos que vence entre outubro deste ano e maio de 2003 já aumentou em cerca de R$ 33 bilhões. Fraga, contudo, prometeu ainda mais. Disse que, se necessário, o governo sacará os US$ 10 bilhões que o acordo com o FMI ainda lhe oferece para ampliar as reservas brasileiras em dólares e oferecer aos credores títulos lastreados nesta moeda. Foi uma política exatamente igual a esta que serviu, em 1998, para maquiar o ataque especulativo contra o real. Feita com conhecimento e apoio explícito do FMI e Tesouro dos Estados Unidos, a operação permitiu que FHC tivesse um novo mandato, mas esgotou as reservas brasileiras e quebrou o país logo em seguida, em janeiro de 99. Percebe-se, portanto, que para enfrentar os novos desafios que a conjuntura colocará diante de si, a oposição não necessita ou deve oferecer nenhuma "garantia" aos credores. Precisa, ao contrário "olhar no olho do eleitor" e lembrar que está comprometida com um novo país, onde a solidariedade seja um valor mais alto que a especulação. ______________________________________________________________ O texto acima e' de inteira e exclusiva responsabilidade de seu autor, conforme identificado no campo "remetente", e nao representa necessariamente o ponto de vista do Forum do Voto-E O Forum do Voto-E visa debater a confibilidade dos sistemas eleitorais informatizados, em especial o brasileiro, e dos sistemas de assinatura digital e infraestrutura de chaves publicas. __________________________________________________ Pagina, Jornal e Forum do Voto Eletronico http://www.votoseguro.org __________________________________________________