Dos dinossauros _____
Por Mauro Santayana O leitor se lembra dos dinossauros? Não se recorda dos anúncios de televisão, patrocinados pelo governo, em que os que nos opúnhamos ao desatino das privatizações e de toda a política econômica éramos ridicularizados como atrasados caipiras? Não só isso: acusavam-nos de querer um Estado forte, para viver à custa do Tesouro, e se pregava, abertamente, a exclusão dos incapazes. ''Só devem ter direito aos bens da civilização os que puderem pagar por eles'' - disse eminente membro da equipe econômica em reunião ministerial a fim de justificar a privatização do sistema hidrelétrico brasileiro. O atual presidente da República, do cimo de seu saber, apelava para a ironia, ao nos qualificar como ''neobobos''. ''Analistas'' e ''formadores de opinião'' engrossavam o coro governamental. Políticos que hoje começam a criticar o modelo participavam, sorridentes, dos leilões de privatização. Empresas construídas com o sacrifício de várias gerações de brasileiros - como é o caso exemplar da Vale do Rio Doce - foram praticamente doadas aos aventureiros nacionais e estrangeiros, quase sempre associados. Estados foram compelidos a privatizar os seus bancos, que eram o único instrumento de que dispunham para financiar seu desenvolvimento autônomo. Nem todos eles - São Paulo perdeu o Banespa, mas manteve a Caixa Econômica Estadual, e o Distrito Federal ainda conta com o BRB. Mas alguns estados, que poderiam exercer influência política maior, como é o caso de Minas, foram obrigados a privatizar quase tudo. Só a resistência dos mineiros, chefiada por Itamar Franco contra a definitiva entrega da Cemig e contra a privatização de Furnas, impediu que o desastre no setor elétrico fosse ainda maior. Para os consumidores restou o aumento das tarifas, o racionamento de energia e o ressarcimento das empresas pelos lucros não havidos. A Light, privatizada aqui e estatizada em Paris, uma vez que foi comprada pela Electricité de France, cortou, há dias, a energia da Universidade do Rio de Janeiro por falta de pagamento: o orçamento da instituição não previa o aumento desmesurado das tarifas. O empréstimo obtido do FMI é uma prescrição de cianureto em doses anuais: teremos que manter superávit primário de 3,75% do Produto Interno Bruto durante os próximos anos. Como o PIB não crescerá na mesma proporção, estaremos condenados a descer abaixo da Argentina, com mais desemprego, mais violência, mais desespero. Não teremos nem mesmo o que vender; seremos obrigados a entregar mais ativos e a cortar ainda mais fundo os gastos sociais, como os da educação, da saúde, da cultura - para nada, porque a dívida será sempre maior, maiores os juros e menores os prazos. Para quem soubesse pensar estava claro, já naquele tempo, que o sistema aplaudido pelos monetaristas brasileiros era desprovido de razão essencial porque desprovido de ética. Ele se erguia contra a solidariedade e decretava a guerra econômica, não só entre países e empresas, mas entre os trabalhadores, administradores e acionistas. Como os títulos de Ph.D podiam induzir algum humanismo, mesmo com a banalização do conceito de philosophy, inventou-se o adestramento rápido e objetivo de operadores, com os cursos de MBA, ou seja, de mestres em administração de negócios. Quanto mais competente for o administrador em produzir mais lucros, pagando menos salários, quanto mais hábil em transformar, pela fraude, prejuízos em investimentos a fim de engazopar os acionistas, tanto mais é promovido e premiado. Toda a razão do Ocidente, cuja fundação mítica se encontra na aventura da solidariedade que foi a Odisséia, parece esboroar-se no retorno à barbárie. O governo e seus porta-vozes tentam acalmar os ânimos, acenando com o empréstimo do FMI, mas é inútil. Basta conhecer as quatro operações elementares de aritmética - aquelas da tabuada escolar - para saber que as contas não fecham e que estamos no vestíbulo da grande crise, armada nestes oito anos de mentira, preguiça e capitulação. Mas a equipe do governo está tranqüila, ''sans souci'': há para todos eles bons empregos lá fora. Alguns ainda têm seus ''ativos'' resguardados nas encostas dos Alpes e no Caribe para garantir-lhes a cômoda aposentadoria. Depois de quase uma década de desatino, que nos custou trinta anos de retrocesso econômico e erosão da soberania nacional, deixam milhões de desempregados e uma guerra civil não declarada com dezenas de milhares de mortos todos os anos. O povo ficará aqui. Para vencer o medo com coragem, e a esperança de que no próximo governo possamos refazer a coesão nacional e começar a reconstruir o que esses sabidos destruíram. _____ Mauro Santayana é jornalista ______________________________________________________________ O texto acima e' de inteira e exclusiva responsabilidade de seu autor, conforme identificado no campo "remetente", e nao representa necessariamente o ponto de vista do Forum do Voto-E O Forum do Voto-E visa debater a confibilidade dos sistemas eleitorais informatizados, em especial o brasileiro, e dos sistemas de assinatura digital e infraestrutura de chaves publicas. __________________________________________________ Pagina, Jornal e Forum do Voto Eletronico http://www.votoseguro.org __________________________________________________