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Essas
Coisas/Carlos
Aranha
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COLUNA DE 5ª FEIRA, 24/OUTUBRO/2002
Publicada no "Correio da Paraíba"
http://www.correiodaparaiba.com.br/ecoisas.html


CONTRA O PRECONCEITO
(vai bem um Romanée-Conti)

Estou bastante à vontade pra tocar no assunto de hoje, por vários motivos. Os principais: fui vítima de preconceitos de vários tipos; não voto em Lula pra presidente (voto nulo).

Minha mãe, dª Antonieta, na condição de viúva e professora do Estado, lutou uma barbaridade pelos três filhos. Da minha adolescência, guardo - sem rancor - uma imagem forte: as pessoas me olhando com semidesprezo numa matinê carnavalesca no ginásio do clube Cabo Branco. Explico: a elite (o então chamado “high society”) não admitia “intrusos” em seus domínios. No Cabo Branco, havia uma exceção. Quem fosse sócio-proprietário podia solicitar uma carteira que permitisse a entrada de um menor nas matinês do Carnaval, que fosse sobrinho ou, pelo menos, afilhado. Meu padrinho de batismo foi o ex-deputado Severino Ismael (já falecido), que conseguiu uma carteira dessas, a pedido de minha mãe. Quando entrei no ginásio pela primeira vez - sem confete, fantasia, serpentina nem lança-perfume e com um dinheirinho ralo no bolso -, as pessoas me olhavam como se tivesse na testa um adesivo escrito “afilhado”. Não permitiam a minha entrada nas rodas feitas no salão. Na verdade, a carteirinha deixava entrar no clube, mas jamais participar da festa, que era somente pros filhos dos ricos, ou da classe média alta.

De volta pra casa, não disse nada a minha mãe, mas aos 15 anos recebi, na prática, a lição da divisão de classes e senti o preconceito. A partir dali, minha adolescência seria marcada por episódios semelhantes. Graças a muita leitura e a convivências sadias, não me tornei uma pessoa amarga.

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Por isso, o discurso mais contundente e necessário de Lula nesta campanha foi em Porto Alegre, sexta-feira passada, quando afirmou que “nunca se escreveu sobre o vinho Sangue de Boi que tomava, mas quando provei uma bebida cara o fato virou notícia”. Ele também ironizou os comentários de que usaria ternos da grife Armani: “O terno que uso não é Armani, mais irei usar a marca”...

O candidato petista está coberto de razão na crítica ao preconceito. Com certeza, é um absurdo que, durante quinze dias, notas em jornais de todo o Brasilzão, tenham se referido ao fato de que, totalizados os votos do primeiro turno, Lula tenha provado uma taça do vinho do domínio da Romanée-Conti. As notas, em sua maioria, foram pejorativas.

Há pessoas achando que Lula - por ser do PT, por não ter tido berço dourado, por estar assumindo alguns compromissos tidos como “à esquerda” - não pode beber uma taça de Romanée-Conti. Isso vai além do reducionismo. É preconceito puro. A discussão não deve ser sobre beber Romanée-Conti, mas fazer tudo pra que algum dia todos possam, ao menos duas vezes por ano (no aniversário e no Natal), usar esse vinho e outros importados. Ou seja: redistribuição de renda, acabando com a teoria de que quem não é rico deve se limitar, no máximo, a um peru e a um litro de Teacher’s ou Old Eight...

Repito: não voto em Lula pra presidente; voto nulo. Mas, não faço parte do coral da estupidez e sempre estou ao lado de qualquer pessoa (presidente ou operário) que esteja lutando contra os preconceitos.

Uma explicação necessária aos leitores: não voto em Lula principalmente pela aliança que fez com que seu vice fosse José Alencar (há outros sérios motivos que me fizeram assim decidir). José Dirceu e todos os outros que lutaram por essa aliança esqueceram que Lula não é imortal e, mesmo que nada de grave aconteça com sua saúde nos próximos quatro anos, terá de ceder, em negociações fundamentais para os rumos do país, ao PL, um partido mais à direita que o PFL de Marco Maciel. Como não sou adepto do voto útil, voto nulo.

CAMELÔ DAS REBELDIAS

Revisar a carreira meteórica, estonteante, de Raul Seixas é encontrar momentos que estarão eternamente em antologias da música.

A partir de “Ouro de tolo” (a canção-petardo que marcou também uma resistência à ditadura), uma geração, um verdadeiro fã-clube informal de Raul Seixas formou-se na Paraíba.

Zé Ramalho tinha decoradas, e tocava sempre, as composições todas de Raul. Uma vez, ele fez um show na boate-restaurante O Circo, incorporando as induções da “sociedade alternativa”. Fiel às origens, Zé continua a declarar sua paixão por Raul Seixas, inegavelmente maior que a do período em que o autor de “Avôhai” seguia pelos caminhos de Zé Rodrix.

Raul sempre esteve à frente, cáustico, irônico, alternativo, independente, “maluco beleza”, energético, teatral, febril. Pura e contraditoriamente poluída metamorfose ambulante. “Eu vou lhe dizer agora o contrário do que eu disse antes”.

Com a eletricidade do mais puro rock, sem nunca esquecer uma certa baianidade que redundaria em “Mosca na sopa”, Raulzito foi o camelô da rebeldia de um Brasil a nunca se encontrar. Grande camelô das gigantes rebeldias.




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