Congresso pode acabar hoje 9/9
com o voto eletrônico impresso
por Osvaldo Maneschy (*)
O princípio da recontagem do mais sagrado dos direitos do cidadão
brasileiro, o direito ao voto universal e secreto – cláusula pétrea
da Constituição - vai estar em discussão no Congresso
Nacional nesta terça-feira, 9 de setembro, às 15 horas. A
Comissão de Constituição e Justiça da Câmara
Federal se reúne hoje em Brasília para confirmar se a impressão
do voto eletrônico – única forma de permitir a recontagem
– será substituída ou não pela assinatura digital
segundo parecer favorável de seu presidente, Luiz Eduardo Greenhalgh
(PT-SP), ao projeto de lei 1503/03 - que determina a mudança.
Greenhalgh foi convencido pelo atual presidente do Tribunal Superior
Eleitoral (TSE), Sepúlveda Pertence, e pelo futuro presidente da
mais alta corte eleitoral do país, ministro Nelson Jobim, de que
o projeto de lei 1.503/03 “realmente possibilita avanço na transparência,
na segurança e na diminuição do custo do processo
eleitoral brasileiro”, como assinala em seu parecer. Nele Greenhalgh também
ressalta que “o fim do voto impresso e a criação do voto
digital, além de diminuir os custos com o processo eleitoral brasileiro,
eliminam problemas gerados com a impressão do voto individual”.
Só que a assinatura digital não substitui o voto impresso
na opinião dos técnicos de informática que discutem
há anos a segurança da urna eletrônica brasileira na
página de internet www.votoseguro.org, moderada pelo engenheiro
Amilcar Brunazo Filho. Segundo eles, principais defensores da contra-prova
em papel do voto eletrônico, assinatura digital e voto impresso são
medidas de segurança que servem para proteger coisas distintas e
não se substituem – elas se completam.
O voto impresso, além de servir para o eleitor fiscalizar o
próprio voto, ou seja, conferir se o software dentro da máquina
está funcionando corretamente ou não, permite a recontagem
do resultado. A materialização do voto eletrônico em
papel e sua guarda em local próprio e lacrado, depois de conferido
pelo eleitor, é que tornou possível a recontagem posterior
em caso de dúvidas. Acabar com a impressão é acabar
com a recontagem.
Já a assinatura digital tem a função de proteger
o voto virtual dentro da máquina a partir do momento em que ele
é totalizado, assinado e gravado no disquete que é levado
para a totalização. A urna coloca assinatura digital própria
em cada voto e posteriormente qualquer um pode verificar pela assinatura
que o voto que chegou na totalização do TRE veio daquela
urna e não foi modificado - mas com este detalhe: depois de ser
assinado.
Para compreender melhor: alguém pode escrever uma mentira em
um papel, assinar embaixo, levar o documento para cartório e autenticar
a assinatura. A autenticação garante que fulano assinou o
papel, mas não diz se o conteúdo do documento é falso
ou verdadeiro. O voto virtual assinado digitalmente é exatamente
isto.
É possível um programa desonesto trocar o conteúdo
do voto virtual depois do eleitor apertar o botão “confirma”, mas
antes de assiná-lo e gravá-lo. A assinatura digital certifica
que aquele voto veio da tal urna, não garante se o voto é
falso ou verdadeiro.
Exatamente por isto o voto impresso conferido pelo eleitor, da lei
atual, e o voto virtual assinado digitalmente pelas urnas, como prevê
o PL 1,503/03, não têm a mesma função na segurança
do sistema. A impressão serve para verificar se a urna somou corretamente
os votos antes de gravá-lo em disquete, a assinatura digital serve
para impedir que se altere o resultado dos votos depois deles serem gravados.
Por isso são funções complementares que não
se substituem.
Outro problema, ao contrário do parecer do deputado Greenhalgh,
é que o PL 1.503/03 obriga a Justiça Eleitoral a fazer grandes
despesas para equipar as 404 mil urnas eletrônicas em uso no país,
imediatamente, com um chip que permite que a máquina faça
a assinatura digital de seus resultados. Já o artigo 4º da
Lei 10.408/02 , em vigor, permite que o TSE faça “a implantação
progressiva do sistema de impressão do voto, obedecidas as suas
possibilidades orçamentárias”. Ou seja, de forma paulatina.
Nas eleições presidenciais de 2002 a impressão
do voto foi usada pela primeira vez no país para restabelecer o
princípio da recontagem, esquecido quando a urna eletrônica
desmaterializou o voto dos brasileiros em 1998, tornando-o simples registro
eletrônico na memória volátil da máquina (RAM)
que se apagava quando a máquina, ao final do dia, emitia o Boletim
de Urna (BU) com o resultado. Cerca de 25 mil urnas, pouco mais de 5% do
total delas, adotaram o mecanismo de impressão – antiga reivindicação
dos técnicos interessados em dar transparência ao processo.
Além de garantir a recontagem, a impressão deu ao eleitor
a possibilidade de conferir o próprio voto duas vezes antes de confirmá-lo,
passando a limpo o software usado na máquina. Sem ela o eleitor
é obrigado a acreditar piamente que o software é honesto.
Mas a justiça eleitoral sempre se bateu contra o voto
impresso alegando que ele atrasa a apuração, como se a velocidade
do resultado da eleição fosse mais importante do que a segurança
do resultado correto. Por influência direta do TSE, quando a impressão
do voto foi adotada em dezembro de 2001, o projeto original do Senador
Roberto Requião foi alterado por emendas que o descaracterizaram.
Desde então a Justiça Eleitoral vem se esforçando
para acabar com o voto impresso tanto que recentemente o presidente do
TRE do Rio Grande do Sul, Alfredo Guilherme Englert, fez questão
de dizer para um jornal de Novo Hamburgo (RS), que a grande luta do TRE
gaúcho é pelo fim do voto impresso: “Estamos batalhando no
Congresso e enfatizei no meu discurso de posse ser essencial o fim do voto
impresso na próxima eleição”, destacou porque, na
sua opinião, “não há como ter fraude no sistema informatizado”.
Só que em maio último foi apresentado no Congresso dos
Estados Unidos projeto de lei do deputado Rush Holt que determina que as
máquinas eletrônicas de votar em uso lá passem a imprimir
o voto (voto-verified paper trail) diante da absoluta impossibilidade de
recontagem se o voto não for materializado em papel. Holt tem o
apoio da comunidade científica norte-americana, mobilizadíssima
sobre a questão principalmente depois do impasse na Flórida
que resultou na vitória de George Bush sobre Al Gore anos tribunais,
por decisão da Suprema Corte. Quem estiver interessado e quiser
mais detalhes basta se informar no site http://holt.house.gov/issues2.cfm?id=5996.
Também é leitura obrigatória sobre o assunto o
recente artigo “Urnas Eletrônicas: Brasil na contramão da
história” do professor Michael Stanton, do Departamento de Ciência
da Computação da Universidade Federal Fluminense (UFF), disponível
no site do Estadão on-line http://www.estadao.com.br/tecnologia/coluna/stanton/2003/ago/01/8.htm,
onde Stanton faz detalhada análise dos esforços para acabar
com a impressão do voto no Brasil.
Também chama a atenção o apoio que o PL-1503/03
vem recebendo do Governo Lula, já ele só começou a
tramitar no Congresso em maio último, quando foi apresentado pelo
Senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG) a pedido dos ministros Nelson Jobim e
Sepúlveda Pertence, verdadeiros autores da iniciativa como foi revelado
durante a votação na Comissão de Constituição
e Justiça do PLS-172, relatado pelo senador Demóstenes Torres.
Na ocasião, o senador Tião Viana, com a ajuda do relator,
rejeitou a idéia de que especialistas em informática independentes
fossem convocados para discutir o projeto que foi aprovado na CCJ na última
seção de junho e deveria aguardar o recesso de julho e pelo
menos cinco seções regulamentares do plenário, para
a apresentação de recursos de recursos – antes de ser enviado
para a Câmara dos Deputados.
Surpreendentemente Lula incluiu o PLS-172 no pacote da convocação
extraordinária do Congresso de julho deste ano, acelerando sua tramitação
para atender ao TSE. Um recurso assinado por 11 senadores para que o mérito
do PLS-172 fosse apreciado e debatido no plenário do Senado antes
de ir para a Câmara chegou a ser apresentado no dia 9 de julho -
o recurso 19/03. Mas ele foi derrubado porque quatro senadores, a pedido
de Pertence, retiraram suas assinaturas do recurso. Esse procedimento impediu
que o projeto fosse a discussão no plenário após
sua aprovação na CCJ por 15 votos a um, o do senador Almeida
Lima (PDT-SE).
Célere, o PLS-172 chegou a Câmara sem qualquer discussão,
onde recebeu novo número - PL 1503/03. O presidente da Casa, Deputado
João Paulo Cunha (PT), inicialmente mandou que fossem apensados
a ele os demais projetos de lei em tramitação na Câmara
que falam sobre urnas eletrônicas e temas afins. Mas no dia 13 de
agosto oão Paulo voltou atrás, ordenando o desapensamento
e a remessa do PL 1503/03 unicamente à Comissão de Constituição
e Justiça, que o examinará exclusivamente quanto a sua constitucionalidade,
sem entrar na discussão do mérito. Esta tarefa seria da Comissão
de Ciência e Tecnologia da Câmara, mas João Paulo Cunha
preferiu encaminhá-lo só a CCJ para apressar a sua tramitação
antes da sanção presidencial.
A injustificável pressa de acabar com o voto impresso, do ponto
de vista do TSE, se explica porque se o PL 1503/03 não for aprovado
e sancionado até outubro, as mudanças pretendidas pelo TSE
para as eleições municipais do ano que vem não poderão
ser feitas. Para vigorar, a legislação eleitoral precisa
ser aprovada um ano antes do pleito.
Preocupa a todos que lutam pela transparência do voto eletrônico
no Brasil o fato de os presidentes do Senado, José Sarney, e o da
Câmara, João Paulo Cunha, estarem apoiando integralmente a
“pressa” do TSE sem abrir espaço para que o tema seja discutido.
Acham fundamental, por exemplo, que o PL 1.503 receba emendas para evitar
que o TSE, como acontece hoje, possa usar programas de computador proprietários
no sistema eleitoral sem a obrigação de apresentá-los
para a análise dos partidos.
Consideram também importante que a justiça eleitoral
disponibilize na internet, com acesso livre e sem restrições,
os dados de cada um dos boletins das 404 mil urnas eletrônicas em
uso no país, tão logo esses dados sejam recebidos e aceitos
pelo sistema de totalização, discriminando as pendências,
para que seja possível acompanhar e fiscalizar o processo de apuração,
discriminando detalhadamente a origem dos votos.
Também consideram fundamental que os arquivos brutos de LOG
das urnas eletrônicas – memória de todas as intervenções
que os diversos computadores utilizados no processo eleitoral, inclusive
as urnas, sofrem e registram – sejam liberados para os partidos antes da
publicação final do resultado. Porque é necessária
averiguação precisa, pela fiscalização, de
todas as intervenções ocorridas nas máquinas.
A pressa do Congresso brasileiro e do TSE em acabar com o voto impresso
chega a ser lamentável diante do fato da justiça eleitoral
da Argentina, esta semana, ter decidido proibir o uso de urnas eletrônicas
brasileiras nas eleições municipais de Buenos Aires marcadas
para o dia 14 de setembro próximo, exatamente pelo fato delas não
permitirem a recontagem dos votos – já que as urnas que o TSE empresta
a outros países não são as equipadas com impressoras.
O Juiz argentino Manuel Blanco, ao proibir o uso da urna brasileira
nas eleições municipais de Buenos Aires por considerá-la
insegura, argumentou que votar em um computador que funciona com softwares
desconhecidos e ao final da votação emite um resultado que
não pode ser conferido - é o mesmo que confiar em máquinas
caça-níqueis. Na sua opinião, voto eletrônico
é apenas “uma idéia extravagante”.
(*) Jornalista, com a colaboração do engenheiro Amilcar
Brunazo Filho.
______________________________________________________________
O texto acima e' de inteira e exclusiva responsabilidade de seu
autor, conforme identificado no campo "remetente", e nao
representa necessariamente o ponto de vista do Forum do Voto-E
O Forum do Voto-E visa debater a confibilidade dos sistemas
eleitorais informatizados, em especial o brasileiro, e dos
sistemas de assinatura digital e infraestrutura de chaves publicas.
__________________________________________________
Pagina, Jornal e Forum do Voto Eletronico
http://www.votoseguro.org
__________________________________________________