NOVA YORK (EUA) - Como ninguém ignora, o atual presidente George W. Bush só está na Casa Branca, depois de perder a votação popular no país no ano 2000, graças ao chamado Colégio Eleitoral - instituição obsoleta, que os pais fundadores da república criaram em parte pelas dificuldades de comunicação à época e em parte pelo elitismo de alguns deles, empenhados em perpetuar seu controle nos respectivos estados.

Não importa que um dos argumentos usados para prolongar a vida do expediente antidemocrático seja a alegação sobre direitos dos estados. Até porque, tais "direitos dos estados" foram invocados ainda para justificar a rebelião dos escravocratas da Confederação e como desculpa, depois da Guerra Civil, para protelar ainda por mais de um século a opressão racista no Sul, derrotado pelas armas em 1865.

É bom lembrar que em 2000 o candidato Al Gore não se preocupava no período final da campanha em gastar tempo na Califórnia (54 votos eleitorais, o maior número do país) e em Nova York (33), onde estava com a vitória praticamente assegurada. Da mesma forma, George W. Bush não se preocupava com o Texas (32, terceiro do país em votos eleitorais), onde sabia ser certo seu triunfo.

Violando a vontade do país

Se o sistema fosse democrático, era importante para um candidato ganhar eleitores em todo lugar. Com o Colégio Eleitoral, não interessa a ele buscar mais votos populares em estado onde já garantiu a vitória. Assim, o rumo da campanha acaba por ser determinado pelo complicado sistema capaz de permitir a alguém tornar-se presidente sem ter a maioria na votação popular - como foi em 2000 e também em 1888.

O que de fato vale é a votação do Colégio Eleitoral, instituído pelo Art. 2º, Seção 1, da Constituição aprovada em 1787. A eleição na realidade é indireta. Escolhem-se pessoas (chamadas "eleitores") para integrar o Colégio. Em tese elas dão todos os votos do estado ao candidato vencedor da eleição ali. E o candidato que obtiver 270 votos no Colégio (metade mais um) torna-se presidente.

Nos termos do dispositivo constitucional, cada estado tem um certo número de votos eleitorais - que é igual ao número de seus deputados federais e proporcional ao total da sua população. Califórnia e Nova York lideram. Vermont, Delaware, Montana, Dakotas do Norte e do Sul, Wyoming, Alasca, Havaí e a capital do país (Distrito de Colúmbia, Washington) têm o menor número (3 cada um).

Receita de crise institucional

Integram hoje o Colégio Eleitoral 538 eleitores. Como é um número par, nada impede que a votação empate (269 contra 269), como aconteceu com Thomas Jefferson e Aaron Burr em 1800 (73 a 73). Mas os complicadores não ficam nisso. O sistema permite também que o vencedor seja, eventualmente, escolhido contra a maioria esmagadora dos estados (50 mais o Distrito de Colúmbia).

Numa eleição um candidato pode ter os votos eleitorais dos 11 estados maiores e perder nos outros 39 e mais a capital - e ter a maioria do Colégio. Mesmo se a vantagem dele em cada um dos 11 for de apenas um voto e a derrota nos demais for por votação acachapante. Deformações assim é que permitiram a Bush chegar à Casa Branca contra a vontade da maioria dos eleitores americanos.

A regra "o vencedor leva tudo" é uma das deformações gritantes. O candidato que ganha a eleição num estado, qualquer que seja a margem da vitória, fica com todos os votos eleitorais desse estado. Claro que faria muito mais sentido se levasse apenas um número de eleitores proporcional à votação obtida, mas isso não foi levado em conta ao se estabelecer o sistema há mais de dois anos.

Obsoleto e antidemocrático

Existem ainda mais problemas potenciais. Nada impede, por exemplo, que um membro do Colégio Eleitoral resolva votar em outro candidato. Teoricamente esses membros são escolhidos pelos partidos pela lealdade, inclusive ao candidato. O voto deles é quase automático. Mas em 1976 um deixou de votar no candidato oficial do partido, Gerald Ford, e optou por Ronald Reagan, derrotado nas primárias.

A melhor maneira de eliminar o risco de "eleitores" do Colégio descumprirem a missão confiada a eles, claro, é eliminar o próprio Colégio. Até porque nem todos os estados impõem o compromisso de votar daquela forma. E mesmo no caso dos estados que o fazem, jamais alguém foi processado ou sofreu penalidade legal por ter traído a palavra empenhada.

Como mostrou a eleição de 2000, eleição apertada representa risco de crise constitucional. Em caso de empate no Colégio, por exemplo, a eleição passa à Câmara, onde o voto do deputado não é individual: pelas regras, cabe à maioria da bancada de um estado decidir o voto desse estado. O incrível é que o país, sabendo de tudo isso, ainda insista no sistema obsoleto e antidemocrático.

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