Correio Braziliense
Com um abraço de Marko Ajdaric 

Golpe na classe média

Ministério da Fazenda propõe investir menos nas universidades e acabar com deduções de despesas com saúde e educação no IR

Lilian Tahan

Da equipe do Correio

A dona-de-casa Rozana Santos, 31 anos, passou quase o ano inteiro sem poder pagar a mensalidade da escola particular dos filhos, que, somadas, representam R$ 500. No mês passado, o marido, Flávio Medeiros, 32, funcionário do Banco do Brasil, recebeu um abono, relativo a acordo de greve. Com o dinheiro, o casal quitou uma dívida acumulada em oito meses. Um padrão que já é difícil de manter pode ficar ainda mais complicado se o presidente Luiz Inácio Lula da Silva resolver seguir as orientações do Ministério da Fazenda para adotar mudanças nos gastos da área social. Nesta semana, uma equipe da pasta divulgou um estudo em que faz duras críticas aos incentivos fiscais concedidos pelo governo aos trabalhadores de classe média nas áreas de saúde e educação.

O documento - intitulado Gasto Social do Governo Central 2001 e 2002 - aponta que o governo gastará só no em 2004 R$ 2,8 bilhões com deduções na área de saúde e educação. Esse dinheiro é parte do Imposto de Renda devolvido às pessoas que comprovam ter gasto parte dos rendimentos durante o ano com médicos, hospitais e escolas particulares. É com a restituição, que não chega a R$ 1 mil, que Rozana comprará o uniforme e o material escolar das crianças no início do ano letivo. ''A nossa restituição geralmente sai no primeiro lote, o que dá para aliviar as despesas no início do ano. Acabar com isso é um absurdo.''

Apesar das dificuldades que o casal tem para manter o ensino particular dos filhos, eles integram a faixa que o governo considera ''rica''. Rozana e Flávio fazem parte da população que tem renda igual ou superior a cinco salários mínimos (R$ 1,2 mil). Segundo a equipe que elaborou o estudo, a maior parte do dinheiro dos impostos cobrados pelo governo retorna à sociedade na forma de benefícios para os mais ricos, em vez ir para os programas de redistribuição de renda. De acordo com a análise, os 10% que ganham mais recebem em incentivos fiscais e benefícios 45,9% do dinheiro do governo reservado para o social, enquanto os 10% mais pobres ficam com apenas 0,7%.

Pretexto

Entre os que recebem o dinheiro público em forma de benefícios estão aposentados e pensionistas. São eles que ficam com a maior parte, 73%, de todo o orçamento social. ''O gasto com aposentadorias e pensões tem um perfil de distribuição regressivo, com a maior parte dos recursos sendo apropriada pelos domicílios que se encontram no topo da distribuição de renda do país'', constata o documento. Isso comprova que trabalhar com carteira assinada e garantir um salário mínimo de aposentadoria é um luxo no Brasil. A grande maioria dos pobres está desempregada e, quando trabalha, cai na informalidade, o que não dá direito a aposentadoria.

A pretexto de atender às pessoas que estão abaixo da linha de pobreza o Ministério da Fazenda propõe uma reforma na estrutura de distribuição de renda. ''A possibilidade de ampliação dos recursos destinados aos brasileiros mais pobres e de fornecer uma verdadeira rede de proteção social depende de forma decisiva da realização de reformas estruturais que reduzam os privilégios concedidos pelo atual sistema'', sugere o estudo.

Focalização

Entre os responsáveis pelo trabalho está o secretário de Política Econômica do ministério, Marcos Coimbra. No início do governo, ele havia publicado estudo semelhante, inspirado nas diretrizes dos Banco Mundial, em que sugeria a focalização dos gastos públicos como forma de resolver o problema da pobreza absoluta. Foi duramente criticado por estudiosos e por setores do PT.

Um dos trechos mais polêmicos do texto questiona as despesas com as universidades públicas e recomenda que o governo canalize mais recursos para financiar o acesso de estudantes pobres às escolas particulares: ''Cerca de 46% dos recursos do governo central para o ensino superior beneficiam apenas indivíduos que se encontram entre os 10% mais ricos da população. Ao mesmo tempo, a expansão dos empréstimos a estudantes de baixa renda, com taxas subsidiadas, permitiria ampliar o acesso de estudantes de baixa renda ao ensino superior, com custos mais reduzidos para o setor público.''

Ao ler o documento, o presidente nacional do PT, José Genoino, disse que o tema deve ser melhor discutido antes de aprovado pelo governo. ''A universidade precisa de reforma, mas não pode deixar de ser pública.''





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