Augusto Jakobskind
22/12/2003

A condenação de Antônio Carlos Ferreira Rumba Gabriel, repórter-fotográfico, estudante de Direito, coordenador do Movimento Popular de Favelas do Rio de Janeiro (MPF) e membro da equipe de redação do Jornal INVERTA, nos deixou profundamente indignados. Rumba Gabriel após ser absolvido, em primeira instância, da acusação de incentivo e associação ao tráfico de drogas, foi condenado a 8 anos de prisão. O desembargador responsável por seu julgamento acatou a apelação da promotoria pública contra o líder comunitário. Esta decisão é surpreendente nos termos do próprio processo jurídico, tendo em vista o teor da defesa e a fragilidade da apelação da Promotoria.

A defesa efetuada pelos advogados Dr. Nilo Batista e Dr. André Nascimento é tecnicamente perfeita. Ela ratifica os argumentos anteriormente apresentados e que foram peças-chave para a absolvição de Rumba Gabriel, em primeira instância, e sua lógica reside em três pontos:

a) A defesa sustenta a inépcia das provas argüidas de porte ilegal de arma (apreensão pela polícia de fuzil AR-15, durante blitz no morro), porque inexiste prova objetiva da participação de Rumba Gabriel no fato, o que impossibilita sua vinculação ao episódio;

b) A segunda alegação é que as ligações telefônicas que supostamente relacionam Rumba Gabriel ao delito, ao contrário de o condenarem, o absolvem, pois todas as vezes em que ele é citado nas conversas telefônicas é sempre por terceiros e no sentido de fazê-lo intervir em defesa da vida das crianças do Jacarezinho e dos mais essenciais direitos humanos;

c) a terceira, que é a resposta ao recurso da promotoria, é a tese da "prova emprestada", ou seja, a declaração de um réu em outro processo, que admitiu exercer a função de "vapor" do tráfico na favela do Jacarezinho. O autor da "prova" afirma: "A associação de moradores recebia dinheiro de uma boca de fumo, e que parece que o presidente era o sr. Rumba Guimarães". Na alegação da defesa está fundamentada a tese que a "prova emprestada" não serve como prova quando não há o contraditório, apenas um ato técnico, e tendo em vista que somente uma prova submetida ao contraditório teria o valor de prova, ela não poderia ser qualificada para mudar uma sentença.

Diante do teor da defesa, naturalmente não havia o que se esperar a não ser a absolvição. Na data prevista para o julgamento houve uma mobilização geral, e quando o Tribunal do Júri viu a platéia presente, acabou por adiar o julgamento. Segundo a defesa, o novo julgamento seria marcado em um prazo de 15 dias. A mobilização em defesa de Rumba Gabriel continuou com a denúncia junto à opinião pública daquilo que era o fundamento subreptício na defesa dos Drs. Nilo Batista e André Nascimento: o processo nada mais era que criminalização das lideranças comunitárias. Rumba Gabriel é o José Rainha, do Movimento de Favelas; o Mumia Abu Jamal dos negros e pobres deste país. Sua prisão, ao contrário de acabar com o tráfico de drogas no Jacarezinho, na verdade, neutraliza o único trabalho real que afastava as crianças e demais trabalhadores da alternativa de sobrevivência no tráfico, pois Rumba é responsável por um grandioso trabalho cultural e econômico na comunidade.

Após esta iniciativa de denúncia e mobilização, Rumba sofreu um acidente que rompeu os ligamentos do joelho, recebendo apoio do Jornal INVERTA e de demais setores da sociedade, durante a internação. O mesmo aconteceu após sua saída do hospital. No dia 11 de dezembro de 2003, na mesma hora em que estava sendo julgado sem saber, ele participava da realização de um documentário sobre Hip-Hop.

Esta forma de julgamento provoca consternação e indignação: primeiro pela surpresa do julgamento em quase sigilo; segundo, o desembargador deu a sentença sem a permissão da defesa oral, e, por último, a Justiça do Rio de Janeiro está em ritmo de recesso. Qualquer recurso não pode ser apreciado durante este final de ano.
Considerando também seu estado de saúde, ir para a prisão amplia os riscos imensos à sua segurança. Neste sentido, mais do que nunca é necessário intensificar a denúncia contra sua prisão e fazermos uma ampla mobilização política contra a sentença e pela preservação da vida, integridade física e moral. Recentemente, Rumba Gabriel recebeu na Favela do Jacarezinho a relatora especial da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre Execuções Sumárias, Asma Jahangir que elaborou um relatório das vítimas de execuções sumárias por agentes do Estado. Dos líderes comunitários que prestaram informações à relatora, alguns foram mortos e outros estão respondendo a processo.

Esta decisão da Justiça no Rio de Janeiro se insere num jogo político a serviço de Garotinho e da trupe do Judiciário que está sendo posta contra parede diante do crescimento da violência e do clamor das camadas médias pela condenação de alguém: no Rio, a recente rebelião no presídio Bangu 4 foi a de maior duração até hoje e teve por saldo um morto, e o Estado não pôde repetir o massacre de Carandiru; o crime bárbaro do alto executivo da Shell (e agente do FBI) e sua esposa até agora sem solução; o caso do casal de jovens de classe média assassinados pelo menor em São Paulo não redundou na imediata redução da maioridade penal e alteração do Estatuto da Criança e do Adolescente. Tudo isso confirma uma conjuntura extremamente viciada. Nestes termos, a condenação de Rumba Gabriel foi um ato político para salvar o governo de Rosinha e "limpar as mãos" de Garotinho frente ao clamor e à sede de vingança das camadas médias contra a violência, que decorre da própria crise econômica por que passa o país.

Estamos consternados e indignados com tudo isto, o sofrimento da classe operária parece não ter fim. A condenação de Rumba Gabriel não se dá somente porque trata-se de um negro, proletário e favelado; mas sobretudo, porque é um lutador social, uma liderança com brilho próprio e capaz de se levantar a favor do povo, dos seus irmãos de dor e lamento. Não há recanto no mundo que não se emudeça quando se cala a voz de protesto dos operários, dos pobres da terra e dos que sonham e lutam pela liberdade e a igualdade entre os homens. Fala-se muito de Jesus de Nazaré que, historicamente, teria sido condenado por Pilatos devido a um ato político, pois a massa exigia a libertação de Barrabás. No caso de Rumba, a situação é a mesma, as camadas médias queriam condenar alguém e a Justiça do Rio de Janeiro ofereceu a cabeça de Rumba. Agora, o problema é saber: até que ponto a prisão de um revolucionário poderá conter uma revolução? Mandela ficou 27 anos preso e quem pensou acabar a revolução com sua prisão se enganou redondamente. Também fizeram o mesmo com Fidel Castro, logo após o Assalto ao Quartel Moncada, mas isto não deteve a revolução cubana. Será que pensam que vão acabar com o sonho de nosso povo pela liberdade e justiça novamente, procedendo como procederam com Tiradentes, Zumbi dos Palmares, Sepé Tiaraju, ou preferem repetir as experiências do Estado Novo e da Ditadura de 1964? Nós dizemos NÃO a todo este processo! Dizemos abaixo a condenação de Rumba Gabriel!

Viva a luta revolucionária pela igualdade e justiça neste país!
Rumba Gabriel somos todos nós!

Aluísio Pampolha Bevilaqua - Editor do Jornal Inverta; Tarcísio Leitão de Carvalho, advogado-CE; Alder Grego de Oliveira, advogado – CE; Francisco Malta de Araujo - advogado-CE, Nicolino Trompiere Filho, chefe do depto de Educação da UFC – CE; José Ferreira de Alencar- antropólogo, professor da UFC- CE; Flávio Wirtzbik Almeida – professor de UFC- CE; Raimundo José Ramos- Banco do Brasil/ CE; Ernesto J.Sales Rodrigues-publicitário/CE; Francisco J. Holanda Lima - comerciante/CE; Jaime Oliveira - operário/CE; Sebastião Carvalho - estudante/CE; Antônio Queiroz de França - poeta/CE; João Teles - poeta/CE; Ana Alice T. P Beviláqua, CEPPES, médica; Antonio Cícero, CEPPES – historiador; Francisco Cassiano, CEPPES – advogado; Haroldo T de Moura, CEPPES, sociólogo; Manoel Carlos Pinheiro - CEPPES, analista de sistema; Zezita Matos – CEPPES/PB, atriz; José da Silveira Filho – CEPPES/PR, economista; Lincoln de Abreu Penna - CEPPES, historiador; Ramón Peña Castro - CEPPES, economista; Marly Vianna - CEPPES, historiadora; Ronaldo do Livramento Coutinho - CEPPES, sociólogo, coordenador da pós-graduação em Direito/UERJ; Márcia Mascarenhas – CEPPES, estudante; Georgina Queiroz, assistente social, Comitê de Luta Contra o Neoliberalismo/RJ; Valter Veríssimo, Comitê de Luta Contra o Neoliberalismo – Saneamento Básico/RJ; Raimundo Novaes, pres. do Conselho Fiscal da Ass. Moradores do Bairro Rolas em Sta Cruz/RJ: Ana Maria Teixeira, vice-presidente da Ass de Mulheres e Amigas de Padre Miguel/RJ: Sueli Dantas, historiadora, CLCN/RJ; Waldemiro Pereira/SP, presidente do Sindicato dos Desenhistas do ABC/SP; Roberto Figueiredo, sociólogo, INVERTA; Élio Bolsanello - CEPPES, advogado; Bianka de Jesus, jornalista-responsável do INVERTA; Julio Cesar de Freixo Lobo – jornalista – INVERTA; Jorge Ferreira, repórter-fotográfico, INVERTA; Sidnei Martins, correspondente do INVERTA/MG; Sebastião Rodrigues, produtor cultural, Associação Cultural Grande Othelo/MG; Sandra Maria Queiroz, professora universitária/PB; Neimar Oliveira, correspondente INVERTA/RS; Osmarina Portal, correspondente INVERTA/DF; Rosa Terço Dias, pres da Cooperativa INVERTA; Robson Leal, músico da Banda Luta de Classes/RJ; Oswaldo Peres Maneschi – diretor da ABI; Mário Jakobskind – jornalista Tribuna da Imprensa, Jornal Pátria Latina, Rádio Centenário (Montevidéu); Valter Xéu, editor do Pátria Latina; Jesus Antunes, jornalista, presidente da ABRAVIDA; Luiz Antonio dos Santos, jornalista, sócio da ABI; Daniel Castro, jornalista, sócio da ABI; Marcelo Freixo - Justiça Global, Délson Plácido - GTNM/SP. Regina Gabriel, Centro Cultural do Jacarezinho; Antonio Duarte, antropólogo, corresp do INVERTA/ Suécia; Roselis Batista, linguista, corresp do INVERTA/França

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