Para que o PT quer a mordaça
http://txt.estado.com.br/editorias/04/01/23/editoriais001.html
Pela voz do ministro da Casa Civil, José Dirceu, e
pela pena do presidente do seu partido, José Genoino, o PT recolocou em
cena a questão do combate ao vazamento, por autoridades policiais, do
Ministério Público e do Judiciário, de informações sobre inquéritos e
processos sigilosos. Disso trata a impropriamente chamada Lei da Mordaça
- o projeto já aprovado na Câmara em março de 2000 e que tramita na
Comissão de Constituição e Justiça do Senado. A proposta prevê punições
para os agentes públicos que divulgarem o que quer que se relacione com
tais procedimentos. (O termo Lei da Mordaça é impróprio porque o projeto
não se destina a tolher a apuração de eventuais delitos, mas a impedir
que a honra de pessoas sem culpa formada seja enxovalhada, numa agressão
ao princípio de que todos são inocentes até prova em contrário.)
Ostensivamente, o que levou o ministro Dirceu a declarar que a
Constituição é "violada diariamente por uma série de procedimentos
ilegais do Ministério Público e de alguns órgãos da imprensa" e o que
levou o ex-deputado Genoino a defender, em nota do partido, o "controle
externo e democrático do Ministério Público" foi o vazamento de uma
acusação de um dos presos pela morte do prefeito de Santo André Celso
Daniel. No processo que corre em segredo de Justiça, ele teria dito que
foi esbofeteado pelo deputado Luiz Eduardo Greenhalgh. (O parlamentar
acompanhou, em nome do PT, a investigação do seqüestro e assassínio do
prefeito, que concluiu, com o seu enfático endosso, tratar-se de um
crime comum.) As reações - no PT e estimuladas pelo PT - foram
absolutamente desproporcionais à denúncia, por sua manifesta
implausibilidade e pela credibilidade nula de quem a fez.
Por isso, as palavras de Dirceu, o texto de Genoino e ainda o
autodesagravo de Greenhalgh, em um discurso na Câmara que o levou às
lágrimas, sugerem outra intenção - neutralizar a ação dos procuradores
paulistas que trabalham com a hipótese de que a eliminação de Celso
Daniel não foi um crime comum, ao contrário da versão defendida desde a
primeira hora pelo PT. Desde a primeira hora também, o irmão do
prefeito, João Francisco Daniel, sustenta que ele foi morto por ter
mandado acabar com a sistemática extorsão de empresas prestadoras de
serviços ao município, ao descobrir que o produto da rapina estava sendo
apropriado pelos operadores do esquema e não mais canalizado para os
cofres do PT. Na terça-feira, quando o homicídio completou dois anos,
João Francisco afirmou: "O Celso sabia (da extorsão), isso não vou
negar. Era o Celso que comandava aqui, ele nunca foi comandado."
João Francisco disse também dispor de uma "radiografia" da corrupção
em Santo André, que o Ministério Público poderá divulgar quando desejar,
e comentou que o trabalho dos procuradores corre o risco de ser
cerceado, "a julgar pelas manifestações de importantes políticos e
autoridades federais".
Para não deixar dúvidas sobre o endereço da advertência, cobrou do
PT "por que razão age do jeito que está agindo no caso do Celso"? Isso é
o que efetivamente interessa, muito mais do que a possível conversão do
partido à filosofia do projeto dito "da mordaça", que combateu
tenazmente quando era oposição - e quando o procurador federal Luiz
Francisco de Souza plantava na imprensa sucessivas denúncias que se
revelariam falsas contra membros do governo Fernando Henrique. Pois,
tanto mais se noticiam fatos que põem em xeque a versão do crime comum,
como o dos seis homicídios que parecem relacionados com a morte de
Daniel, configurando uma "queima de arquivo", mais o PT deixa à mostra a
sua inquietude.
Uma das vítimas é o garçom que serviu ao prefeito, na noite do
seqüestro, quando ele jantava com o empresário Sérgio Gomes da Silva,
preso depois, em dezembro, sob suspeita de ter sido o mandante do crime.
Ao ser morto, o garçom trazia uma identidade falsa - e, pouco antes, a
sua conta corrente bancária recebeu um depósito de R$ 60 mil. O seu
salário era da ordem de R$ 400. Exemplo da ansiedade petista é um trecho
da citada fala de Greenhalgh na Câmara. Ele contou que, ao ser convocado
por Lula para "ajudar nas investigações", perguntou: "É para investigar
tudo?" Apesar da resposta afirmativa, insistiu: "É para buscar a verdade
real nesse caso?" Ao que o então candidato teria dito: "É para
buscá-la." É óbvio, pelo relato, que Greenhalgh acreditava que Lula
tinha motivos para recomendar que não se investigasse "tudo" ou não se
buscasse "a verdade real". É o que os procuradores do Ministério Público
também estão acreditando.
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