Série Eliakim Araújo
Terceira mensagem: a tréplica de Eliakim
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RESPOSTA À TV GLOBO
27/06/2004
Ao contrário do Diretor-Executivo de Jornalismo da TV Globo, que leu com
“desalento” meu artigo "Globo se rende a Brizola", li sua
"Resposta a Eliakim" (publicada em www.comunique-se.com.br) com
satisfação, pois, apesar de longas e minuciosas explicações e da alegada
“pesquisa em documentos”, o texto de Kamel acabou por confirmar na
prática tudo que afirmei baseado em jornais e revistas da época, em minha
memória e no meu testemunho, que pode ser ratificado por dezenas de
profissionais que estavam na Globo e na Rádio JB nos idos de 1982.
Na ânsia de defender o indefensável, Kamel acabou enredando-se numa teia
de datas e informações para tentar justificar as falhas no sistema de
apuração da TV Globo e da Proconsult, empresa contratada pelo TRE para
informatizar a apuração. A divulgação dos resultados com atraso
provocaram reações indignadas de Leonel Brizola e dos pedetistas, que
suspeitaram do envolvimento da emissora numa tentativa de fraude na
contagem de votos. Todo esse "imbroglio", que se convencionou
chamar Escândalo Proconsult, nunca foi devidadamente esclarecido e creio
que nunca o será. Somente uma rigorosa investigação poderá determinar se
houve ou não a tentativa de fraude e a quem interessaria mudar o
resultado da vontade popular nas urnas em benefício do candidato apoiado
pelo regime militar.
Para que o leitor julgue o que de fato aconteceu, recorro ao texto de
defesa da Globo, da lavra do próprio Ali Kamel. É ele quem aponta algumas
irregularidades ocorridas na apuração dos votos em 1982. Transcrevo suas
palavras:
1. “O Globo desenvolveu um sistema próprio, sem qualquer vinculação com
Proconsult. Estávamos ainda na pré-história da informática. Esse esquema
revelou-se de pouca valia para a TV Globo, pois ela só tinha informação
fresca uma vez ao dia, e bem tarde. O esquema poderia funcionar para um
jornal impresso, mas estaria fadado a dar errado para uma emissora de
televisão”.
2. “A Rádio Jornal do Brasil, montou esquema mais modesto e, por isso,
mais ágil. Com um detalhe: em vez de anotar os votos em cada candidato a
vereador, em cada candidato a deputado estadual, em cada candidato a
deputado federal, em cada candidato a senador e em cada candidato a
governador, de cada partido, o estagiário se concentrava apenas nos votos
dados aos candidatos a senador e governador. E repassava os dados por
telefone público. Como se tratava de uma rádio “all news”, tinha-se a
necessidade de dados o tempo todo. Para isso, foi montado um esquema que
permitia totalizações freqüentes”.
3. “No dia 17 de novembro, já era patente que algo ia errado com a
apuração dos votos. O ritmo era lento, os votos contados eram em sua
maioria do interior e Moreira Franco aparecia, na contagem oficial, à
frente de Brizola”.
4. “No terceiro dia da apuração, no dia 18 de novembro, Leonel Brizola
convocou a imprensa internacional para uma entrevista. Em vez de
responder aos repórteres, bem ao seu estilo Brizola começou a entrevista
fazendo uma pergunta: “Os senhores não acham estranho que no terceiro dia
de apuração só haja 200 urnas apuradas”? Depois, Brizola se disse
“apreensivo, preocupado e angustiado em relação à possibilidade de fraude
na apuração”. E afirmou: “Só a fraude ameaça a nossa vitória”. E criticou
o trabalho das Organizações Globo, dizendo que ao divulgar números
diferentes de outros veículos de comunicação, ajudava a criar um ambiente
favorável à fraude” (as aspas estão do texto de Kamel).
5. “No dia 24 de novembro, o Senador Saturnino Braga, da tribuna do
Senado, fez um discurso acusando a Proconsult de tentar fraudar as
eleições, com o apoio das Organizações Globo. No dia seguinte, Iran
Frejat, que era o responsável pelos trabalhos de apuração do Globo, tendo
sido o responsável pelo modelo de cobertura e pela central de
computadores do jornal, escreveu uma carta aberta a Saturnino, rebatendo
as acusações”.
6. “No dia 27 de novembro, o Jornal do Brasil denunciou que, juntamente
com a Rádio Jornal do Brasil, havia sofrido pressões da Proconsult, por
meio de seu vice-presidente, Arcádio Vieira, para mudar os resultados que
vinha divulgando. O JB informou que recusara oferta de Arcádio para que
usasse os números da Proconsult e que demitira seu gerente de Métodos e
Sistemas, Tadeu Lanes, que se mostrara receptivo aos argumentos do
executivo da Proconsult”.
7. “O TRE, no mesmo dia, pediu abertura de inquérito na Polícia Federal e
aprovou a realização de uma auditoria técnica na Proconsult. Dois dias
depois, a divulgação de boletins do TRE sobre as eleições no Rio foi
suspensa.No dia sete de janeiro de 1983, a Polícia Federal divulgou suas
conclusões sobre o inquérito da Proconsult. No relatório, está dito que
“a Proconsult não praticou fraudes na computação dos votos”, cometendo
apenas “pequenas falhas” (as aspas são do texto de Kamel).
Repito: os trechos acima transcritos ipsis litteris foram todos tirados
do relatório do diretor de jornalismo da Globo. São a prova cabal das
muitas irregularidades que macularam o processo eleitoral de 1982. É
claro que não houve a fraude, que foi abortada a tempo pela reação de
Brizola e de seus eleitores. Mas o próprio Kamel admite que houve a
tentativa, como se pode deduzir de sua conclusão:
“Se a Proconsult é inocente ou não, infelizmente ninguém pode dizer com
certeza. Eu desconfio que os indícios apontem para a tentativa de fraude.
Se o esquema de totalização de votos do Globo se mostrou ineficiente, as
manchetes do jornal dando a vitória a Brizola e o acolhimento irrestrito
e imediato, pela Globo, em horário nobre, das denúncias de Brizola foram
um antídoto contra a fraude”.
Creio que nada mais é preciso dizer sobre o sistema de apuração montado
pela TV Globo e pela Proconsult. As informações arroladas pelo próprio
diretor da Globo são auto-explicativas. Para encerrar o assunto Eleições
82, gostaria apenas de transcrever trecho do artigo Proconsult - um caso
exemplar, de autoria de Procópio Mineiro, então chefe de jornalismo da
Rádio Jornal do Brasil:
“No finalzinho da noite desse primeiro dia, recebi o primeiro de uma
série cada vez mais tempestuosa de telefonemas, que se estenderiam por
mais seis dias, do responsável pela Proconsult, Arcádio Vieira. Como
matemático, analisava minha apuração e concluia que a vitória final seria
de Moreira Franco por "uns 60 mil votos". Os argumentos, porém,
eram pouco matemáticos: falavam na elevada proporção de votos que seriam
(seriam!) anulados na conferência final antes da entrada dos dados no
computador. Ou seja, os mapas procedentes das juntas apuradoras iriam ser
alterados, porque os pobres (eleitores do Brizola) não teriam competência
para preencher com correção a cédula, muito complexa, pois a eleição
envolvia também a escolha de senadores, deputados estaduais e federais,
prefeitos e vereadores. Somado tudo, daria vantagem de 60 mil votos para
o candidato do regime militar.
Basicamente foi esta a cantilena do homem da Proconsult nos infalíveis
telefonemas, que chegaram às ameaças nos últimos contatos. Foi uma semana
tumultuada: de um lado nós, da Rádio JB, com os números somados dos mapas
do próprio TRE dando vitória a Brizola; do outro, a Proconsult, com seu
dirigente falante, e o Sistema Globo, afirmando a vitória do Moreira, com
o suporte bombástico da televisão.
A Rádio JB dera um flagrante inesperado: revelara os números reais - o
pronunciamento da maioria do povo - antes que a combinação dos "60
mil" se materializasse. No final da semana, enquanto Brizola se
anunciava vencedor com base nos números da Rádio JB, o Sistema Globo
recompunha seus números, aproximando-os da verdade. Um mês depois, imerso
em crise, o TRE apresentou seus números: eram os nossos com diferenças de
milésimos”. (publicado no site www.votoseguro.org)
Era o que eu tinha a dizer sobre a resposta do diretor de jornalismo da
TV Globo ao meu artigo “Globo se rende a Brizola”. Espero ter contribuído
para aclarar assunto tão nebuloso. Deixo que os leitores analisem as
informações e, se possível, tirem sua conclusão. Sempre que se resgatam e
esclarecem questões nebulosas do passado de uma nação é que se pode ter a
certeza de que os mesmos erros não serão cometidos no futuro.
Quanto ao favorecimento da Globo ao então candidato Collor, fiquei
sabendo pela resposta de Kamel que não foi só um Globo Repórter a
alavancar a candidatura Collor em 89. Kamel informa que foram dois: um em
abril de 87 e o outro em setembro do mesmo ano. Em ambos o tema era Os
marajás do Funcionalismo Público e em ambos Collor ganhou espaço
suficiente para expor suas “idéias moralizantes” (grifo meu) que eram seu
mote de campanha. Como Kamel não era funcionário da emissora naquela
época, seria de suma importância que ele investigasse qual a orientação
editorial que o editor-chefe desses programas recebeu da direção das
Organizações Globo. É ingênuo acreditar que tais programas ofereciam uma
visão geral do funcionalismo em vários estados. Em televisão, pode-se
perfeitamente passar a mensagem que se deseja em poucos minutos, mesmo
que o programa tenha uma hora. A Globo sabe disso muito bem.
O que não ficou claro nas explicações de Kamel é se a Globo se pautava
pela Veja, ou vice-versa. Mas o que pode-se inferir é que as duas
empresas de comunicação estavam de mãos dadas no mesmo projeto de
levantar o tema da caça aos marajás, exatamente a bandeira de Collor.
Coicidência, não?
Agradeço a gentil atenção do Diretor-Executivo de Jornalismo da Globo e
devo dizer-lhe, por derradeiro, que a minha memória e o meu testemunho
pessoal valem mais do que mil fitas e documentos que - quem trabalha em
televisão sabe disso muito bem - podem ser editadas ou exibidos apenas
parcialmente e de acordo com os nossos interesses.
PS. Peço desculpas aos meus leitores tradicionais pelo tamanho da coluna
de hoje. Tive que alongar-me pelo excesso de informações recebidas da TV
Globo. Da minha parte, considero o assunto encerrado e não pretendo
voltar a ele seja qual for a postura da emissora.
Eliakim Araújo
Sobre o autor: Foi noticiarista da Radio Jornal do Brasil, Âncora dos
Jornais da Globo, da Manchete e do SBT. Ancorou o primeiro canal
internacional de notícias em língua portuguesa. Vive em Miami, onde tem
uma produtora de jornalismo e publicidade.
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Texto publicado originalmente no site Direto da Redação (de Eliakim
Araújo e Leila Cordeiro)
http://www.diretodaredacao.com/diretodaredacao/pub/materia.asp?Foto_pequena=http%3A%2F%2Fwww%2Ediretodaredacao%2Ecom%2Fdiretodaredacao%2Fimages%2Ffoto%5Fpequena%2Feliakimaraujo%2Egif&Chamada=Resposta+%E0+TV+Globo%2E+Diretor+de+Jornalismo+responde+ao+artigo+%93Globo+se+rende+a+Brizola%94%2E+Nega+a+participa%E7%E3o+da+emissora%2C+mas+desconfia+de+tentativa+de+fraude+pela+Proconsult%2E
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(final da série de 3 mensagens)
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Paulo Gustavo Sampaio Andrade Mon, 28 Jun 2004 05:06:05 -0700