Basta um par

(3o. colocado no XII Concurso Literário AMBEP – nov/2004)

 

   O Conselho Supremo se reuniu em círculo, para que todos se encarassem. O Senhor dos destinos se acomodou a bombordo da nuvem branca que flutuava ao sabor da leve brisa. Os Conselheiros aguardaram respeitosamente a palavra do Mestre.

 

   - Caros amigos. Estamos aqui hoje para decidir sobre o destino final dos seres terráqueos, que ao longo destes 2210 anos de vida após a visita de Jesus, não descobriram ainda o verdadeiro sentido da vida. E como vocês já sabem, estão colocando em risco o equilíbrio do Universo que tanto trabalho tivemos para montar, criando péssimos exemplos com seus desmandos, injustiças, guerras inócuas, desarmonias, falta de respeito com os demais seres que habitam o planeta e com nossa entidade Natureza, da qual somos membros fundadores honorários. Confesso que muito relutei em chegar a este momento. Durante os últimos 200 anos alimentei a esperança de que logo decifrariam as diversas mensagens que lhes enviamos sobre os perigos que corriam. Mas a cegueira provocada pelo brilho do vil metal, que lhes dá a falsa sensação de poder, não permitiu que enxergassem o melhor caminho da felicidade. Portanto, me curvo aos argumentos de meus companheiros e aceito a decisão de exterminarmos a espécie humana antes que seja tarde demais. Resta saber qual a melhor forma de fazermos isto. Sem esquecermos de preservar o que sobrou das matas, os peixes, aves, insetos e animais de diversas espécies dentro de uma bolha saudável. Passo a palavra a Vulcanus, comandante de todos os vulcões.

 

 - Caro Mestre. Como eles gastaram grande parte do tempo queimando as florestas, sugiro um “arrastão” caloroso, ou seja, todos os vulcões em erupções simultâneas.  Posso abrir umas 2000 novas crateras em poucos minutos. Em menos de meia hora os animais terão churrasco em abundância.

 

    Aquárius, comandante das águas tomou a palavra.

 

  - Creio não ser adequado deixar os animais se alimentarem da carne que abrigou espíritos pobres. Pode ocorrer uma epidemia global entre os animais e eu não gostaria de extermina-los também. Sugiro o derretimento total das geleiras dos pólos, para provocar um maremoto inesquecível, com ondas acima de 500 metros. Com isto, já fazemos a lavagem das terras e o mar se encarregará de dissolver os restos mortais dos condenados. Bastariam 20 minutos de marola para resolver o problema.

 

     Ventusa, a bela comandante dos ventos, deu seu parecer.

 

  - Estas duas formas já propostas, apesar de eficientes no que se refere a tempo, me parecem por demais contundentes. Creio que se eu suspender a circulação do ar por umas duas horas, teremos o mesmo resultado sem tanta devastação. Detesto violência. Quem tiver garrafas de ar comprimido, se manterá vivo até que o bujão se esvazie. A disputa por bujões causará brigas de mortes entre eles.

 

    Campestris, comandante das terras, abriu mão de apelar para terremotos de intensidade 18,5 pois isto poderia ocasionar desvio na trajetória da bela Lua.

 

   Samuelis, braço direito do Senhor dos destinos, com seu jeito gozador, também externou sua opinião.

 

-         Sugiro que usem todas as formas propostas em paralelo, para garantir um serviço rápido e isento de falhas. Mas antes do início do holocausto, proponho que provoquemos uma parada na rede mundial de comunicação (internet, tv, rádio, telefone, holografia) de umas 12 horas, para verificarmos quantos escravos das máquinas se suicidarão antes da grande dizimação.

 

   O Senhor dos destinos retomou a palavra.

 

-         Bem, colegas. Já vimos que temos várias formas de executar a nobre tarefa. Vou realizar um sorteio para que não haja ciúmes entre meus colaboradores. Marcaremos o evento para daqui a cinco dias, dando tempo para efetuarmos os ajustes para o grande show.

 

   Equanus, o secretário geral aparteou.

 

-         Mas caro Mestre, depois de tanto tempo tentando criar uma espécie de seres que se aproximasse da configuração que projetamos, simplesmente vamos exterminar todos e ficaremos sem nossa atividade de enviar avisos para que eles procurem o motivo de sua existência?

 

   O Mestre respondeu com um brilho de esperança nos olhos.

 

-         Fiquem calmos, amigos. Vocês esqueceram que há um casal em viagem de núpcias pelo sistema solar. Adonis e Evanis estão em Plutão e devem retornar dentro de três meses. Assistirão a tudo por holografia e terão tempo suficiente para refletir sobre a limpeza que estamos fazendo na Terra. Ao longo de suas vidas, eles demonstraram que podemos ter esperança de que a vida será conduzida sob a forma que esperamos. Pode demorar um pouco, mas temos toda a eternidade para comprovar. Afinal, para salvar a humanidade, basta um par descontaminado.

 

 

Haroldo P. Barboza – jan/2000

Autor do livro: Brinque e cresça feliz

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