Publicado em 12 de julho de 2005 Versão impressa

Arnaldo Jabor

A crise é uma oportunidade histórica
http://oglobo.globo.com/jornal/colunas/jabor.asp

Estou fascinado por dois homens: Bob Jefferson e José Dirceu. Os dois se
completam, se explicam e criaram o panorama do país de hoje. Pela “verdade”
de Dirceu chegamos à mentira; pela mentira de Jeff, chegamos à verdade. A
mentira de Jeff é verdadeira e a verdade de Dirceu é mentirosa. Dirceu
chegou à corrupção pela revolução e o Jeff, através da corrupção, está
fazendo uma revolução no Brasil.

O povo está maravilhado diante de tanta informação, fazendo um curso
intensivo de si mesmo, finalmente vendo o subsolo de suas vidas. Os
malformados intelectuais marxistas estão traumatizados por ver suas teorias
sobre a “dialética do PT” ruindo como biscoito.

Há dez anos esses acadêmicos ajudam a prejudicar o país. Primeiro, fazendo
uma oposição teórica estúpida aos oito anos de governo de FHC, dando aval às
sabotagens persistentes do PT na oposição. Atrapalharam a tentativa de
reformar as estruturas sujas que impedem a organização republicana, com suas
revistinhas marxistas, sua cegueira para o mundo real. Agora, ficam em
silêncio aparvalhado diante da catástrofe. Falaram de capitalismo, de
neo-liberalismo, com sua melancoliazinha satisfeita, achando que a saída do
Brasil era a destruição de nosso ridículo capitalismo, para se chegar a um
socialismo imaginário e se esqueceram que nossa desgraça maior é o velho
patrimonialismo, do qual eles mesmo fazem parte, como netinhos de bacharéis
escravistas, com suas cartolas abstratas.

Seduzidos por Lula — o “operário em construção”, o ungido da USP, o messias
da Unicamp — atacaram o inimigo errado. A crise atual é oportuníssima
porque, além de explodir o tumor de séculos, está mostrando que o conceito
de “esquerda” tem de ser reformado urgentemente, pois não dá conta da
realidade do país. Os acadêmicos donos do latifúndio ideológico impedem o
progresso do “progressismo”. Que têm a dizer os hegelianos sobre a nuvem de
gafanhotos de barba e bigode que se abateu sobre o país, aparelhando a
corrupção em nome do “povo” e do “futuro socialista”? Que análise fazem
desta catástrofe que está desmanchando o sistema político? Por que ninguém
previu nada, a não ser a Regina Duarte, eu (modestamente) e alguns
professores escorraçados da academia? Sabem tudo de Kant e Benjamim, mas não
entendem o botequim da esquina. São os legitimadores desse “stalinismo de
resultados” que está espantando o Brasil. Quem entendeu que clientelismo,
corrupção e burocracia no Estado são contradições mais terríveis que
imperialismo ou capitalismo, quem fez uma análise mais profunda que o
Jefferson na CPI? Quem saiu da torre de marfim e foi à luta? Esta ditadura
conceitual tem de acabar.

Se os pensadores não nos ajudam a pensar, temos de analisar sozinhos esta
assustadora novidade que se nos apresenta, este “salto qualitativo” na
história da corrupção. Todos os andaimes seculares que sustentaram nossas
ilusões estão ruindo. A estrutura colonial está morrendo de velhice, já que
ninguém conseguiu matá-la. E isso é bom, mesmo que nos leve de roldão, pois
não podemos continuar pagando o mico de fingir que a governabilidade é
possível nesse estado de coisas.

A erupção do vulcão de excrementos é historicamente preciosa. No entanto, o
excesso de descobertas pode nos cegar. Escreveu Foucault: “Édipo não se
cegou por culpa, mas por excesso de informação”. Tenho medo de que nos
ceguemos diante de tantas evidências da inviabilidade política. Tenho medo
de que não suportemos tantas verdades. Acho mesmo que a opinião pública não
toleraria ver alguma prova de que o Lula está na roubalheira. Não
agüentaríamos ver o Lula nos traindo. Assim, ele que era a “salvação do
 povo”, agora está sendo retratado como o símbolo do “povo enganado”.
Preferimos vê-lo como o “pobre ingênuo”. Foi fácil culpar o Collor: branco,
rico e yuppie. Se Lula for culpado, estamos ferrados. Os crimes descobertos
podem se somar numa montanha de “verdades” que se transmutarão em uma imensa
mentira. A própria idéia de “punição aos culpados” esconde um perigo:
pressupõe a noção de “desvio” da norma, quando a doença é a própria norma.
Nossa mentira é estrutural. A idéia de “punição” é conservadora. Todo o
sistema tem de ser mudado. Mas, quem fará a mudança? Que aparelhos do
Estado? O Judiciário vai deixar tudo cair na vala comum dos recursos e
chicanas. Ninguém irá em cana, sabemos. Não dispomos de aparelhos
legislativos, jurídicos, repressivos para solucionar nada. Os fatos são
muito mais complexos que as soluções disponíveis. Os remédios são do século
XIX e os crimes do século XXI. Acho que só a comoção já visível da população
poderá estimular uma virada institucional. Alguma coisa plebiscitária, de
referendo, poderá dar conta da violência da descoberta de que nossa
República é uma mentira. A República tem de ser re-fundada. Senão, poderemos
nos cegar de tanta verdade, como Édipo. Ou então, teremos de assumir a
tragédia de nosso impasse.



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