2/9/2009
     
      Petróleo na urna
     
      Editorial
     
     
            Consumou-se, na explicitação dos projetos do Planalto para o 
pré-sal, a revanche contra a abertura do mercado e contra a quebra do monopólio 
da Petrobras, efetivadas na década passada. A antecipação do calendário 
eleitoral, motivada pela iniciativa do presidente Lula de viabilizar a 
candidatura Dilma Rousseff, atropelou o interesse público.

            Propor a tramitação em 90 dias, no regime de urgência 
constitucional, de um programa que subverte todo o modelo de exploração, 
tributação, concorrência e partilha de recursos fiscais em curso -e que, além 
disso, exige emissão de mais R$ 100 bilhões em dívida pública, o equivalente a 
dois meses de arrecadação federal- é um acinte.

            O governo federal e a Petrobras, que passaram 14 meses confabulando 
para chegar à sua proposta, não são os únicos interessados na discussão. A 
mudança afeta toda a sociedade, detentora das riquezas do subsolo. A tramitação 
dos quatro projetos de lei pelo Congresso é a oportunidade de dar a Estados, 
municípios, trabalhadores, consumidores, empresários, ambientalistas e técnicos 
o tempo que for necessário para que se façam ouvir. 

            A precipitação de Lula chega a ser ridícula diante do fato de que 
não se sabe, com o mínimo de segurança, qual a dimensão da renda petrolífera 
que se quer, desde já, dividir. A que ponto a província do pré-sal vai elevar 
as reservas recuperáveis de petróleo do Brasil, hoje em 14 bilhões de barris? A 
que custo de extração? Na falta de mapeamento da região de 149 mil km2 
(equivalente à área do Ceará), campeia uma incrível dispersão de palpites. De 
30 bilhões de barris a 300 bilhões de barris, vai uma diferença oceânica. No 
primeiro caso, o Brasil apenas administraria pelas próximas décadas a 
autossuficiência energética já obtida; no outro, seria alçado à condição de 
potência exportadora. 

            Em vez de mapear as riquezas antes -até para convencer o público de 
que seria preciso mudar o modelo-, o governo passou diretamente à fase 
seguinte. A urgência eleitoral prevaleceu e deu passagem a propostas estatistas 
de fazer inveja aos "desenvolvimentistas" da ditadura militar.

            Na partilha de produção, o governo divide o lucro da empreitada, na 
forma de óleo, com o consórcio empresarial contratado para explorar os campos. 
Mas, para chegar ao lucro, é preciso definir antes os custos de cada 
empreendimento específico, o que não é trivial numa atividade complexa e 
intensiva em capital como a petrolífera.

            O governo cria, então, a Petro-Sal para controlar os custos de cada 
campo, entre outras funções -como cuidar dos trâmites de comercialização do 
óleo estatal- que deveriam ser eminentemente técnicas. Capaz de influir em 
decisões empresariais básicas, caso da contratação de fornecedores, e sujeita a 
controle político do governo de turno e de sua sempre notória "base aliada", a 
Petro-Sal seria uma porta escancarada para corrupção, negociatas e privilégios.

            Outro ponto vulnerável à politização e à má alocação de recursos, 
bem como à acomodação típica dos monopólios, é a regra que torna a Petrobras 
parceira obrigatória da União em todos os campos do pré-sal, com participação 
mínima de 30%. Dispensada da concorrência, terá no entanto de participar mesmo 
das empreitadas as quais o cálculo frio recomendaria recusar.

            O poder discricionário do Executivo amplia-se também por outros 
meios. Mesmo fora do pré-sal, onde continuam valendo as regras da concessão 
-empresas disputam livremente o direito de exploração num processo licitatório, 
e vence a que oferecer o maior lance-, o governo poderá intervir. Basta que 
considere, num simples decreto, a região como de "interesse para o 
desenvolvimento nacional" e ela será retirada da competição.

            Além disso, o privilégio já oferecido à Petrobras poderá ser 
ampliado. A fim de preservar o "interesse nacional", sem definir bem o que isso 
significa, o governo poderá contratar apenas a Petrobras, sem licitação, para 
operar determinados campos.

            Até aqui o governo Lula não demonstrou que a sua proposta será 
capaz de assegurar os investimentos necessários para a exploração das novas 
jazidas petrolíferas. Tomando-se os "chutes" mais conservadores acerca do 
potencial do pré-sal, não é difícil que essa cifra ultrapasse meio trilhão de 
dólares -ou 30% do PIB-, diluído ao longo dos anos. O modelo de concessões 
oferece uma resposta satisfatória a esse problema, pois amplia as fontes de 
investimento, por meio de uma competição de escala global, e propicia 
antecipação de receitas ao governo.

            A experiência mundial, decerto, mostra que modelos não são 
decisivos para o sucesso de um país na exploração do petróleo; por vários 
caminhos e ajustes se chega a um bom arranjo. O fundamental é o governo 
ampliar, por meio de tributação ou dispositivos análogos, a sua participação na 
renda gerada pela atividade -e ser proibido, por lei, de torrar os recursos em 
despesas de custeio. Dadas a rarefação de parâmetros técnicos e a falta de 
definições que prevalecem na proposta do Planalto sobre o pré-sal, nem isso 
está garantido.

            Por ora, o "passaporte para o futuro" anunciado pelo presidente 
Lula pouco se distingue de um panfleto eleitoral que já chega embolorado -tal o 
grau de dirigismo, privilégios e distorções nele estampados.
           
              
            Folha de São Paulo - SP
           
     

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