Lembrou-me (com certo limite) Wittgenstein, e a sua filosofia da linguagem,
principalmente na frase: "Assim, pode não existir grande quantidade de
pensamento humano adulto quando a linguagem não desempenha um papel
significativo."

Abraços,

Jaison Schinaider

Em 4 de março de 2011 07:42, psdias2 <psdi...@yahoo.com.br> escreveu:

> Abaixo, transcrevo um artigo da Scientific American Brasil, deste mês, que
> trata de como a linguagem
> (idioma) influencia o processo cognitivo (e vice-versa). É bastante
> interessante e, em muitos trechos,
> bastante engraçado.
>
> Obs.: O artigo está disponível diretamente no site da Scientific American
> Brasil:
>
>
> http://www2.uol.com.br/sciam/reportagens/como_a_linguagem_modela_o_pensamento.html
>
> Paulo
>
> *Como a Linguagem Modela o Pensamento*
>
> *Diferentes idiomas afetam de maneiras distintas a percepção do mundo*
>
> /por Lera Boroditsky/
>
> Estou diante de uma menina de 5 anos em pormpuraaw, uma pequena comunidade
> aborígene na borda oeste do Cabo York, no norte da Austrália Quando peço
> para ela me mostrar o norte, ela aponta com precisão e sem hesitação. A
> bússola confirma que ela está certa. Mais tarde, de volta a uma sala de
> conferências na Stanford University, faço o mesmo pedido a um público de
> ilustres acadêmicos, ganhadores de medalhas de ciência e prêmios de gênios.
> Peço-lhes para fechar os olhos (para que não nos enganem) e apontem o norte.
> Muitos se recusam por não saberem a resposta. Aqueles que fazem questão de
> se demorar um pouco para refletir sobre o assunto, em seguida apontam em
> todas as direções possíveis. Venho repetindo esse exercício em Harvard e
> Princeton e em Moscou, Londres e Pequim, sempre com os mesmos resultados.
>
> Uma criança de cinco anos de idade em uma cultura pode fazer algo com
> facilidade que cientistas eminentes de outras culturas lutam para conseguir.
> O que poderia explicar isso? Parece que a resposta surpreendente é a
> linguagem.
>
> A noção de que diferentes idiomas possam transmitir diferentes habilidades
> cognitivas remonta a séculos. Desde 1930, essa associação foi indicada pelos
> linguistas americanos Edward Sapir e Benjamin Lee Whorf, que estudaram como
> as línguas variam, e propuseram maneiras pelas quais os falantes de idiomas
> distintos podem pensar de forma diferente. Na década de 70, muitos
> cientistas ficaram decepcionados com a hipótese de Sapir-Whorf, e ela foi
> praticamente abandonada. Mas agora, décadas depois, um sólido corpo de
> evidências empíricas demonstrando como os diferentes idiomas modelam o
> pensamento finalmente emergiu. As evidências derrubam o dogma de longa data
> sobre a universalidade e rendem visões fascinantes sobre as origens do
> conhecimento e a construção da realidade. Os resultados têm implicações
> relevantes para o direito, a política e a educação.
>
> Ao redor do mundo, as pessoas se comunicam usando uma deslumbrante
> variedade de idiomas -- mais ou menos 7 mil ao todo --, e cada um deles
> exige condições muito diferentes de seus falantes. Suponha, por exemplo, que
> eu queira dizer que vi a peça Tio Vânia na Rua 42. Em mian, língua falada em
> Papua, Nova Guiné, o verbo que usei revelaria se o evento acabou de
> acontecer, aconteceu ontem ou em passado remoto, enquanto na Indonésia, o
> verbo não denotaria sequer se o evento já aconteceu ou ainda está para
> acontecer. Em russo, o verbo revelaria o meu gênero. Em mandarim, eu teria
> de especificar se o tio do título é materno ou paterno e se ele está
> relacionado por laços de sangue ou de casamento, porque há vocábulos
> diferentes para todos esses tipos diferentes de tios e assim por diante (ele
> é irmão da mãe, como a tradução chinesa claramente expressa). E em pirarrã,
> língua falada no Amazonas, eu não poderia dizer "42", porque não há palavras
> que expressem números exatos, apenas vocábulos para "poucos" e "muitos".
>
> Pesquisas em meu laboratório e em vários outros vêm descobrindo como a
> linguagem molda até mesmo as dimensões mais fundamentais da experiência
> humana: espaço, tempo, causalidade e relacionamentos com os outros.
>
> Voltemos a Pormpuraaw. Ao contrário do inglês, o kuuk thaayorre, idioma
> falado em Pormpuraaw não usa termos relativos ao espaço como esquerda e
> direita. Em vez disso, os falantes de kuuk thaayorre conversam em termos de
> pontos cardeais absolutos (norte, sul, leste, oeste, e assim por diante).
> Claro que, em inglês também há termos designando os pontos cardeais, mas
> apenas em grandes escalas espaciais. Não diríamos, por exemplo: "Eles
> colocaram os garfos de sobremesa a sudeste dos garfos grandes." Mas em kuuk
> thaayorre os pontos cardeais são usados em todas as escalas. Isso significa
> que acaba se dizendo coisas como "o copo está a sudeste do prato" ou "o
> menino em pé ao sul de Mary é meu irmão". Em Pormpuraaw, deve-se estar
> permanentemente orientado, apenas para conseguir falar corretamente.
>
> Além disso, o trabalho inovador realizado por Stephen C. Levinson, do
> Instituto Max Planck de Psicolinguística, em Nijmegen, na Holanda, e John B.
> Haviland, da University of California em San Diego, durante as duas últimas
> décadas têm demonstrado que falantes de idiomas que se valem de direções
> absolutas são especialmente bons em manter o registro de onde estão, mesmo
> em paisagens desconhecidas ou no interior de edifícios estranhos. Eles fazem
> isso melhor que quem vive nos mesmos ambientes, mas não falam essas línguas.
>
> Pessoas que pensam de modo diferente sobre o espaço também são suscetíveis
> a pensar de forma diferente sobre o tempo. Por exemplo, minha colega Alice
> Gaby, da University of California em Berkeley e eu demos aos falantes de
> kuuk thaayorre conjuntos de fotos que mostravam progressões temporais: o
> envelhecimento de um homem, o crescimento de um crocodilo, uma banana sendo
> consumida. Em seguida, pedimos que organizassem as imagens embaralhadas no
> chão para indicar a sequência temporal correta.
>
> Testamos cada pessoa duas vezes, cada vez elas olhavam para um ponto
> cardeal diferente. Os falantes de inglês que recebem esta tarefa vão
> organizar as cartas de modo que o passar do tempo seja da esquerda para a
> direita. Os de língua hebraica tenderão a colocar as cartas da direita para
> a esquerda. Isso mostra que a direção da escrita em uma linguagem influencia
> a forma como organizamos o tempo. Os kuuk thaayorre, porém, rotineiramente
> não organizam as cartas da esquerda para a direita ou da direita para a
> esquerda. Eles as arrumaram de leste para o oeste. Isto é, quando estavam
> sentados de frente para o sul, as cartas ficaram da esquerda para a direita.
> Quando encaravam o norte, as cartas ficaram da direita para a esquerda.
> Quando olhavam para o leste, as cartas vinham na direção do corpo, e assim
> por diante. Nunca dissemos a ninguém que direção eles estavam encarando --
> os thaayorre kuuk já sabiam disso e espontaneamente usaram essa orientação
> espacial para construir suas representações do tempo.
>
> As representações do tempo variam de muitas outras maneiras pelo mundo. Por
> exemplo, os falantes de inglês consideram que o futuro fica "adiante" e o
> passado "para trás". Em 2010, Lynden Miles da University of Aberdeen, na
> Escócia, e seus colegas descobriram que os falantes de inglês,
> inconscientemente, balançam seus corpos para a frente, ao pensar no futuro,
> e, para trás, ao considerar o passado. Mas em aimará, um idioma falado na
> cordilheira dos Andes, dizem que o passado está à frente e o futuro atrás. E
> a linguagem corporal dos falantes de aimará corresponde ao seu modo de
> falar: em 2006, Rafael Núñez, da University of Califórnia em San Diego e Eve
> Sweetser, da mesmo universidade, no campus de Berkeley, descobriram que os
> aimarás gesticulam na frente deles quando falam do passado, e atrás deles
> quando discutem o futuro.
>
> Lembrando "quem fez o quê?"
>
> Os falantes de línguas diferentes também diferem na forma como descrevem os
> eventos e podem se lembrar bem de quem fez o quê. Todos os acontecimentos,
> mesmo os acidentes ocorridos em frações de segundos, são complexos e exigem
> que analisemos e interpretemos o que aconteceu. Tomemos, por exemplo, o caso
> do ex-vice- presidente Dick Cheney na caça de codornas, na qual, ele atirou
> em Harry Whittington, por acidente. Pode-se dizer que "Cheney atirou em
> Whittington" (em que Cheney é a causa direta), ou "Whittington foi baleado
> por Cheney" (distanciando Cheney do resultado), ou "Whittington levou um bom
> chumbinho" (deixando Cheney totalmente de fora). O próprio Cheney disse:
> "Resumindo, eu sou o cara que puxou o gatilho que disparou a bala que
> atingiu Harry", interpondo uma longa cadeia de ações entre ele e o
> resultado. A fala do então presidente George Bush: "Ele ouviu um movimento
> de pássaro, virou-se, puxou o gatilho e viu seu amigo se ferir", foi uma
> desculpa ainda mais magistral, transformando Cheney de agente a mera
> testemunha em menos de uma frase.
>
> Minha aluna Caitlin M. Fausey e eu descobrimos que diferenças linguísticas
> influenciam o modo pelo qual as pessoas analisam o que aconteceu e exercem
> consequências na memória de testemunhas. Em nossos estudos, publicados em
> 2010, falantes de inglês, espanhol e japonês assistiram a vídeos de dois
> rapazes estourando balões, quebrando ovos e derramando bebidas
> intencionalmente, ou sem querer. Mais tarde, passamos aos participantes um
> teste de memória pelo qual tinham de dizer qual sujeito havia feito a ação,
> exatamente como numa fileira diante da polícia. Outro grupo de falantes de
> inglês, espanhol e japonês descreveu os mesmos acontecimentos. Quando
> olhamos para as informações da memória, encontramos exatamente as diferenças
> na memória de testemunhas oculares previstas pelos padrões de linguagem. Os
> falantes de todos os três idiomas descreveram as ações intencionais usando o
> agente, dizendo coisas como "Ele estourou o balão", e todos os três grupos
> lembraram igualmente bem de quem fizera essas ações intencionais.
> Entretanto, quando passaram para os acidentais, surgiram diferenças
> interessantes. Os falantes de espanhol e japonês foram menos propensos a
> descrever os acidentes que os que falavam inglês. E, da mesma forma,
> lembraram- se menos do agente que os que falavam inglês. Isso não aconteceu
> por terem pior memória global -- eles se lembraram dos agentes de eventos
> intencionais (para os quais seus idiomas naturalmente mencionariam os
> agentes), da mesma forma que fizeram os indivíduos de língua inglesa.
>
> Não apenas as línguas influenciam o que lembramos, mas as estruturas dos
> idiomas podem facilitar ou dificultar o nosso aprendizado de coisas novas.
> Por exemplo, pelo fato de as palavras correspondentes a número em alguns
> idiomas revelarem a base decimal implícita mais claramente que em inglês
> (não há adolescentes problemáticos, com 11 ou 13 anos, em mandarim, por
> exemplo), as crianças que aprendem essas línguas são capazes de interiorizar
> mais rapidamente a base decimal. E, dependendo de quantas sílabas as
> palavras relativas a números têm, será mais fácil ou mais difícil memorizar
> um número de telefone ou fazer cálculo mental. A linguagem pode até afetar a
> rapidez com que as crianças descobrem se pertencem ao sexo masculino ou
> feminino.
>
> O QUE MODELA O QUÊ ?
>
> Essas são apenas algumas das fascinantes descobertas das diferenças
> translinguísticas em cognição. Mas, como saber se as diferenças na linguagem
> criam diferenças em pensamento, ou se é o contrário? Parece que a resposta
> inclui os dois: a maneira como pensamos influencia a maneira de falar, mas a
> influência também age na direção contrária. Durante a década anterior, vimos
> uma infinidade de demonstrações engenhosas estabelecendo que a linguagem
> realmente desempenha papel causal na formação da cognição. Estudos
> demonstraram que ao mudar o modo de falar, mudamos a maneira de pensar. O
> ensino de novas denominações de cores, por exemplo, muda a capacidade de as
> pessoas as discriminarem. Pessoas bilíngues mudam o modo de enxergar o mundo
> dependendo do idioma que falam. Duas descobertas publicadas em 2010
> demonstram que mesmo algo tão fundamental quanto de quem você gosta e não
> gosta depende do idioma em que é feita a pergunta.
>
> Esses estudos, um de Oludamini Ogunnaike e seus colegas de Harvard e outro
> de Shai Danziger e seus colegas da Universidade Ben-Gurion de Negev, Israel,
> observaram bilíngues nos idiomas árabe e francês em Marrocos, espanhol e
> inglês nos Estados Unidos, e árabe e hebraico em Israel, em cada caso foram
> testadas as tendências implícitas dos participantes. Por exemplo, pediram às
> pessoass bilíngues em árabe e hebraico que apertassem rapidamente botões em
> resposta a palavras, mediante várias situações. Em uma delas, foram
> instruídos para, ao verem um nome hebreu como "Yair", ou uma característica
> positiva como "bom" ou "forte", pressionarem "M"; se vissem um nome árabe
> como "Ahmed" ou um aspecto negativo como "mesquinho" ou "fraco", deveriam
> pressionar "X". Em outra situação, a paridade foi revertida, de modo que os
> nomes judaicos e características negativas partilhavam um botão e nomes
> árabes e aspectos positivos correspondiam a um só botão. Os pesquisadores
> mediram a rapidez com que os indivíduos foram capazes de responder nas duas
> condições. Essa tarefa tem sido amplamente utilizada para medir tendências
> involuntárias ou automáticas -- com que naturalidade coisas como
> características positivas e grupos étnicos parecem se corresponder na mente
> das pessoas.
>
> Surpreendentemente, os pesquisadores verificaram grandes mudanças nessas
> tendências involuntárias automáticas em indivíduos bilíngues, dependendo do
> idioma em que foram testadas. Os bilíngues em árabe e hebraico mostraram
> atitudes implícitas mais positivas em relação aos judeus quando testados em
> hebraico que quando testados em árabe.
>
> A linguagem também parece estar envolvida em muitos mais aspectos de nossa
> vida mental que os cientistas previamente supunham. As pessoas confiam na
> língua, mesmo quando fazem coisas simples como distinguir manchas de cor,
> contar pontos em uma tela ou se orientar em uma pequena sala: meus colegas e
> eu descobrimos que, ao limitar a capacidade de acesso às faculdades
> linguísticas fluentes de um indivíduo, dando-lhe uma tarefa verbal que exige
> competição, como repetir uma notícia, prejudica a capacidade de executá-la.
> Isso significa que as categorias e as distinções que existem em determinados
> idiomas interferem amplamente em nossa vida mental. O que os pesquisadores
> vêm chamando de "pensamento" esse tempo todo na verdade parece ser uma
> reunião de ambos: processos linguísticos e não linguísticos. Assim, pode não
> existir grande quantidade de pensamento humano adulto quando a linguagem não
> desempenha um papel significativo.
>
> Uma característica marcante da inteligência humana é a sua adaptabilidade,
> a capacidade de inventar e reorganizar os conceitos do mundo de modo a se
> adequar às mudanças de metas e ambientes. Uma consequência dessa
> flexibilidade é a enorme diversidade de idiomas que surgiu ao redor do
> mundo. Cada um oferece o seu próprio conjunto de ferramentas cognitivas e
> engloba o conhecimento e a visão de mundo desenvolvidos ao longo de milhares
> de anos dentro de uma cultura. Cada um tem uma forma de perceber,
> classificar e fazer sentido no mundo, um guia inestimável desenvolvido e
> aperfeiçoado por nossos antepassados. A investigação sobre a forma como o
> idioma que falamos molda a nossa forma de pensar está ajudando os cientistas
> a desvendar o modo como criamos o conhecimento e construímos a realidade e
> como conseguimos ser tão inteligentes e sofisticados. E essa percepção
> ajuda- nos a compreender exatamente a essência daquilo que nos faz humanos.
>
> Lera Boroditsky Lera Boroditsky é professora-assistente de psicologia
> cognitiva da Stanford University e editora-chefe de Frontiers in Cultural
> Psychology. Seu laboratório faz experimentos em todo o mundo,
> concentrando-se em representações mentais e nos efeitos do idioma na
> cognição
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