Caros Walter, Steffen, e demais colegas,

A incorporação da auto-referência numa teoria da verdade pode ser tratada de
forma bem interessante quando se utiliza os chamados "conjuntos
não-bem-fundados", da teoria de Honsell & Forti, e, posteriormente, Aczel.

Um aluno meu de doutorado chamado Sérgio da Silva Aguiar, professor da
Universidade Estadual do Oeste da Bahia (em Vitória da Conquista)
desenvolveu uma teoria semântica baseada em "fluxos" ("streams") e o
resultado ficou bem interessante. A tese, intitulada "Uma Análise da
Auto-Referência baseada em Fluxos Semânticos", foi defendida em Março de
2008. Aqui vai o resumo da tese:

O objetivo principal desse trabalho é apresentar uma teoria de fluxos
(streams em inglês), que são pares ordenados possivelmente aninhados, capaz
de analisar sentenças (proposições) em geral, incluindo aquelas que
apresentam auto-referência. Desejamos que uma teoria geral, como a teoria
dos conjuntos, possa fundamentá-las. Entretanto, teorias clássicas de
conjuntos como a ZFC controlam auto-referência por meio de um axioma - O
Axioma da Fundação. Por esse motivo fundamentamos nossa semântica numa
teoria mais abrangente desenvolvida por Honsell e Forti (1983) e
aperfeiçoada por Peter Aczel (1988) - A Teoria dos Hiperconjuntos. Na
perspectiva dos hiperconjuntos, estruturas com auto-referência
(circularidade) são admitidas sem problemas. Como desejamos analisar
sentenças, isto é, interpretá-las num certo mundo e avaliá-las, uma das
principais preocupações são os critérios filosóficos do que entendemos como
verdade. Por isso, começamos em nosso primeiro capítulo, fazendo um apanhado
geral das teorias filosóficas da verdade. Afim de compararmos o poder de
interpretação de teorias clássicas com teorias mais modernas como a dos
hiperconjuntos, apresentamos, ainda que muitoresumidamente, os principais
aspectos da teoria dos conjuntos (ZFC) e em seguida falamos sobre
hiperconjuntos, bissimulação e fluxos, cuja compreensão é essencial para a
semântica da linguagem em nossa abordagem. Com essas noções em mãos,
entendemos que podemos analisar proposições tidas como paradoxais. O
principal representante dos paradoxos com auto-referência é o assim chamado
Paradoxo do Mentiroso: Esta sentença é falsa. Algumas linguagens foram
desenvolvidas objetivando dar uma semântica adequada ao paradoxo, mas cadas
uma delas apresentaram problemas e sofreram críticas por apresentarem pontos
fracos sob alguns aspectos tidos como essenciais. Então, apresentamos
algumas abordagens, concebidas para minimizar esses problemas: as abordagens
de Bertrand Russel, Tarski, Kripke, Barwise & Etchemendy e de A. N. Prior. A
nossa abordagem baseou-se principalmente numa afirmação de Prior que "toda
sentença pode ser entendida como uma afirmação de verdade sobre ela mesma".
Entretanto, apresenta também aspectos semelhantes às linguagens
desenvolvidas por Tarski (metalinguagens), Kripke (apelo semântico) e
Barwise & Etchemendy (semântica situacional). Desenvolvemos uma linguagem
que pode acomodar sentenças em geral, inclusive as que apresentam
auto-referência. Alguns problemas apresentados em abordagens multivaloradas
foram resolvidos, pois o nosso sistema não apresenta mais do que dois
valores para avaliação. Problemas de linguagens puramente sintáticas também
foram sanados, pois a nossa estrutura não é baseada apenas em aspectos
sintáticos e possui ponto fixo. Com isso acreditamos que, sem perdermos
intuição, ganhamos poder de interpretação. Acreditamos também que uma prova
pode ser interpretada como sendo um fluxo semântico, pois é nada mais que
uma seqüência de proposições adequadamente encadeadas. Sendo assim, no
último capítulo falamos sobre provas diretas e provas por absurdo. Um
resultado interessante é que a interpretação de provas por absurdo dá origem
a um objeto potencialmente infinito bissimilar à sentença do Mentiroso.


Um abraço,

Ruy


Em 5 de junho de 2011 07:42, Walter Carnielli
<walter.carnie...@gmail.com>escreveu:

> Caros:
>
> o  Steffen Lewitzka tem razão, assim como   bem apontaram para o
> ponto a Andrea   Loparic, o Décio Krause e o Marcelo Finger.
>
> É claro (acho importante esclarecer isso aos estudantes que nos lêm
> nesta lista)  que nem a minha,  nem a do  Steffen, são
> "demonstrações "  de coisa nenhuma.   À  parte o ponto que levantei ,
> sobre a noção de prova não excluir universalidade    (e  a este
> respeito as  "provas"  aí se parecem mais  com  o  Paradoxo de Curry)
>  o ponto  central  desse tipo de argumento  são as sentenças
> auto-referentes em relação à  sua  própria verdade  (não apenas
> inocentemente  "auto-referentes", como   "meu nome  é  Fulano" se  sou
> Fulano) .
>
> Uma  das tarefas  essenciais das  diversas teorias da verdade que
> temos à disposição  é dar  um tratamento adequado a este  tipo de
> sentença sem estragar  o resto.
>
>  Um tratamento assim  aparece na, chamada teoria  da verdade de
> Kripke-Feferman, pela qual as  sentenças desse  tipo  não são nem V
> nem F (e nesse ponto é uma teoria  parcial da verdade). Acho que as
> melhores referencias são:
>
> Feferman, S.,Reflecting on Incompleteness. Journal of Symbolic Logic,
> 56: 1–49, 1991
>
> Feferman, S.  Axioms for Determinateness and Truth. Review of Symbolic
> Logic, 1: 204–217, 2008
>
> Por exemplo, a teoria de Kripke-Feferman,  prova, a respeito da
> sentença do Mentiroso, que nem  ela nem sua negação são verdadeiras.
> A  sentença (C) que eu proponho,  ou a (D) que o   Steffen propõe,
> cairiam nessa  categoria, e dessa  forma, numa teoria   da verdade
> não-ingênua, nem a minha "demonstração"  nem a dele seriam corretas.
>
> Abs,
>
> Walter
>
>
>
>
>
> Em 4 de junho de 2011 20:36, Steffen Lewitzka <steffenlewit...@web.de>
> escreveu:
> >
> > Prezados,
> >
> > gostaria de apresentar um argumento que tal vez sirva para responder a
> pergunta do Prof. Walter Carnielli. Antes disso, vou apresentar uma "prova"
> ainda mais curta para P =/= NP. Aqui vem:
> >
> > "Se esta proposição é verdadeira, então P =/= NP."
> >
> > Q.E.D.    :-)
> >
> > ou um pouco mais formal:
> >
> > (D) Se a proposição (D) é verdadeira, então P =/= NP.
> >
> > ou equivalentemente:
> >
> > (D) (D) é falso ou P =/= NP.
> >
> > Note que a proposição (D) não pode ser falsa: se for falsa, então seria
> verdadeira, um paradoxo ! Portanto, (D) é necessáriamente verdadeira. Logo P
> =/= NP.
> > Ok, qual é o problema aqui? Acredito que não se trata de nenhuma "prova"
> mas de um problema de satisfatibilidade de uma equação que define uma
> proposição auto-referente: Podemos definir (D) através da seguinte equação:
> >
> > x = ((x is true) \rightarrow y)
> >
> > onde, no nosso caso, a variável y denota a proposição "P =/= NP", e a
> variável x denota a proposição (D) (como elementos de um universo de
> proposições). Essa equação lembra o Paradoxo de Loeb. Mas este somente é um
> paradoxo, se y denota uma proposição falsa. Se y denota uma proposição
> verdadeira, então a proposição auto-referente denotada por x é
> necessariamente verdadeira - e não temos problemas. Desta forma, podemos
> reduzir a questão a um problema de solução de equações. A equação acima é
> satisfatível (ou solúvel) se e somente se y denota qualquer proposição
> verdadeira. Isto é, a veracidade de y é uma premissa necessária (para evitar
> um paradoxo) !! Mas isto não constitui uma demonstraçao para y.
> > Da mesma forma, a proposição auto-referente (C), dada pelo Prof.
> Carnielli, pode ser definida pela seguinte equação:
> >
> > x = [[(y is true) or (B is true) or (x is true)]   and   [(y is false) or
> (B is false)]   and   [(y is false) or (x is false)]   and   [(B is false)
> or (x is false)]]
> >
> > Como a constante B denota uma proposição verdadeira (uma tautologia),
> podemos verificar que esta equação é satisfeita se e somente se a variável x
> denota uma proposição falsa (C) e a variável y denota qualquer proposição
> verdadeira. Logo, temos que escolher para y uma proposião que já foi provada
> como verdadeira. E esta não pode ser "P =/= NP".
> > Correto?
> >
> > Saudações,
> > Steffen
> >
> >
> >
> >>Message: 2
> >>Date: Fri, 3 Jun 2011 05:53:47 -0300
> >>From: Walter Carnielli <walter.carnie...@gmail.com>
> >>To: logica-l@dimap.ufrn.br
> >>Subject: [Logica-l] A mais curta demonstra??o de que P =/= NP
> >>Message-ID: <BANLkTi=s0Bjo29GKGfMMKbOGq=9=ili...@mail.gmail.com>
> >>Content-Type: text/plain; charset=windows-1252
> >>
> >>==================================
> >> Teorema: P =/= NP
> >>
> >> Prova>
> >>
> >> Considere, conjuntivamente as seguintes asser??es:
> >>
> >> (A) P =/= NP
> >>
> >> (B) Se P =/= NP ent?o NP =/= P
> >>
> >> (C) Exatamente uma destas tr?s asser??es ? verdadeira.
> >>
> >> ? claro que (B) ? verdadeira, e que (C) n?o pode ser verdadeira
> >>(caso contr?rio, haveria pelo menos duas asser??es verdadeiras).
> >>
> >>Portanto (C) ? falsa, e da? n?o ? o caso que *exatamente* uma das
> >>tr?s asser??es seja verdadeira. Em consequ?ncia, ou nenhuma delas ?
> >>verdadeira (o que n?o ? o caso, pois pelo menos (B) ?
> >>verdadeira), ou duas delas s?o verdadeiras, a saber, (A) e (B).
> >>
> >> Portanto P =/= NP.
> >>
> >> ==============================
> >>
> >> O que est? errado com este racioc?nio? A ?nica cr?tica ? que
> >> este argumento ? universal, ou seja, prova-se qualquer coisa
> >> em lugar de (A). Mas por acaso alguma no?ao de demosnstra?ao
> >> exclui uma tal; "trivialidade demonstrativa"?
> >>
> >> Abs,
> >>
> >> Walter
> >>++++++++++++++++++++++++++++++++++++
> >>Prof. Dr. Walter Carnielli
> >>Director
> >>Centre for Logic, Epistemology and the History of Science ? CLE
> >>State University of Campinas ?UNICAMP
> >>13083-859 Campinas -SP, Brazil
> >>Phone: (+55) (19) 3521-6517
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