Não quero fazer disto uma discussão, até porque esta é uma lista de
informações rápidas sobre lógica.

Mas parece-me importante fazer alguns esclarecimentos, que a maior parte
dos colegas poderá querer apagar sem ler.

Primeiro, eu não disse que o meu livro era uma tradução do original de
Portugal, mas uma versão brasileira.

Segundo, por mim, o livro seria vendido cá exactamente com o mesmo título e
sem ter mexido numa só frase. O Tony faria o mesmo. Só que quem arrisca o
seu investimento é o editor: é ele que gasta milhares de reais para fazer
fisicamente o livro e distribuí-lo, sem fazer a mínima ideia se as pessoas
vão comprá-lo em número suficiente para pagar as despesas, quanto mais
fazer lucro. Assim, é razoável que um editor se preocupe em eliminar tanto
quanto possível o que ele vê como possíveis obstáculos à sua venda. Está
enganado? Talvez. Talvez ninguém decidisse não comprar o livro só devido
aos "factos" e aos "directos". Por outro lado, talvez várias pessoas não o
comprassem precisamente por isso. Ninguém sabe, porque ninguém quer gastar
dinheiro para fazer uma pesquisa de opinião sobre o caso. Mas não me parece
despropositado que um editor jogue pelo seguro e decida pedir ao autor para
fazer uma versão brasileira. Foi o que aconteceu e eu aceitei. O dinheiro é
do editor, o risco é dele. O Saramago não aceitava isso, e os seus livros
são muito bem recebidos cá no Brasil. Acho isso maravilhoso. Mas eu estou
longe de ser popular como o Saramago.

Assim, gostaria de chamar a atenção para a irrelevância da seguinte
afirmação, ainda que aceitemos que é verdadeira: "Qualquer brasileiro ou
timorense letrado pode compreender o português de Portugal". Isto é
irrelevante por duas razões.

Primeiro, o "pode" só seria vagamente relevante se restringirmos fortemente
os mundos possíveis em que estamos pensando -- pois certamente um
brasileiro que noutro mundo possível tenha emigrado para Portugal aos seis
meses não terá dificuldade com a minha prosa. Mas isto é irrelevante. O que
queremos é falar de um brasileiro comum vivendo no Brasil, sem grande
contacto com o português de Portugal. E neste caso estamos de facto falando
apenas do esforço de ir ao dicionário em vários casos em que eu uso termos
que as pessoas comuns no Brasil desconhecem (uma vez um leitor brasileiro
criticou muito amavelmente uma tradução minha de "pequeno-almoço" pensando
que o texto original era francês e eu estava a cometer um galicismo,
desconhecendo por completo que em Portugal "café da manhã" se diz
"pequeno-almoço"... e sem se ter dado ao trabalho de ir ao Aurélio).

Segundo, a frase, ainda que verdadeira, é irrelevante porque o que preocupa
o editor é precisamente a falta de paciência do leitor para comprar um
livro popular que o obriga a ir ao dicionário para saber uma coisa tão
simples e irrelevante como o significado de "pequeno-almoço".

Em conclusão, parece-me que a decisão de um editor em fazer versões
brasileiras de livros portugueses, e vice-versa, é legítima, tal como é
legítimo não o fazer. E todo o editor preferiria esta segunda opção, até
por ser bem mais barata.


2012/9/28 Tony Marmo <marmo.t...@gmail.com>

> João Marcos, o óbvio obviamente existe, inclusive para traduções. Se não
> existisse, aí que seria impossível traduzir.
>
> A grande virada da Linguística nos anos 1960 passou crucialmente pelo
> reconhecimento da competência inata dos falantes nativos contra essas
> doutrinas arcaicas de que ninguém sabe sua própria língua, que ninguém
> entende outros dialetos, etc. Mas, ao contrário do que os preconceitos sem
> base científica dizem, qualquer falante nativo de Português, nascido e
> criado no Brasil ou em Timor-Leste, uma vez alfabetizado, pode entender
> Camões, Machado de Assis ou Agostinho Neto. Não há a menor necessidade de
> adaptar autores para os públicos entenderem, muito menos de querer chamar
> essas adaptações de traduções. As pessoas têm capacidades cognitivas
> mínimas e isso deve ser respeitado e reconhecido.
>
> Em 28 de setembro de 2012 09:17, Joao Marcos <botoc...@gmail.com>
> escreveu:
>
> > Parabéns ao Desidério pelo lançamento do novo livro!
> >
> > O título original foi claramente bem traduzido ao português
> > brasileiro.  Aliás, como não há nada realmente "óbvio" em matéria de
> > traduções entre línguas naturais, para o caso particular das variantes
> > lusitana e brasileira da nossa língua construí na minha limitada
> > experiência além-mar um pequeno dicionário:
> >   http://goo.gl/thDmW
> > É fa[c]to que estão lá expressões como "em direto" e "porreiro", em
> > particular, bem como o "eléctrico", o "autocarro", o "protão", e o
> > bife da "vazia", entre mais de mil outros espécimes linguísticos.  Não
> > há, obviamente, nenhuma pretensão de completude, e a última
> > a[c]tualização do documento foi feita há sete anos.
> >
> > Abraços,
> > Joao Marcos
> >
> > PS: a expressão "em tempo real" é amplamente conhecida e usada no Brasil.
> >
> >
> > 2012/9/27 Desidério Murcho <desiderio.mur...@gmail.com>:
> > > Caros amigos da Lógica-L
> > >
> > > Estão todos convidados a mandar-me axiomas e teoremas para cima da
> > cabeça,
> > > mas não regras de inferência, no lançamento do meu livro popular,
> > *Filosofia
> > > ao Vivo*. O livro será lançado pela Oficina Raquel no Rio de Janeiro,
> no
> > > sábado, dia 6 de Outubro, na Estação das Letras, entre as 11 e as 14
> > horas.
> > > O livro é a versão brasileira do meu inesperado sucesso português
> > *Filosofia
> > > em Directo*, que em apenas 104 páginas procura explicar o que é a
> > filosofia
> > > fazendo-a, em vez de falar sobre ela -- e mesmo assim, encontrei espaço
> > > para explicar a importância da lógica, falando sobre ela, mas sem a
> > fazer.
> > > Um autêntico feito, que me mereceria palavras elogiosas mais calorosas,
> > não
> > > fosse eu o autor, e por isso sei bem que sou uma besta.
> > >
> > > O convite está aqui: http://dmurcho.com/
> > >
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> > > Com os melhores cumprimentos,
> > > Desidério Murcho
> > >
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Desidério Murcho

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