Caro Professor Miraglia,

Agradeço muito as suas ponderações e, sobretudo, devo dizer que gostei
muito do exemplo no número 2. Acha que é o exemplo que encarna muito bem o
que me veio à mente.

Não é novo o resultado de que é possível por meio de tabelas validar mais
fórmulas de uma linguagem para além do que seriam teses de um sistema. Mas,
o que estou dizendo é que há um caso mais forte: é possível validar
equivalências que filosoficamente não existem. Isto tem de ver sim com o
que diz o senhor no final de que as leis do raciocínio precisam ser
relativizadas dentro do contexto com o qual se trabalha.

De novo, o melhor exemplo disto está na própria Física de Aristóteles: ele
usou também da sua própria lógica para discutir teses/ hipóteses acerca da
natureza e muitas vezes não se percebeu dos erros que havia nela. Ele
calculava muito bem os predicados, as implicações e mesmo chega a
formalizar suas observações com conceitos que eram dessa lógica. Quando ele
diz que movimento é uma mudança de estado, ele está dizendo que os
predicados do mesmo sujeito mudaram. Assim, ele não tinha como saber se o
que ele pensava do movimento captava corretamente as propriedades dos
movimentos no mundo físico. O problema persiste até hoje quando se olha
para o mundo quântico, por exemplo.

Em 7 de dezembro de 2012 21:56, Francisco Miraglia
<mirag...@ime.usp.br>escreveu:

> Car@s,
>
> Como raramente faço intervenções em nossa lista, talvez tenham
> paciência de ler as mal-traçadas que seguem.
>
> 1. Em geral, fixada uma certa lógica, ou até mesmo teoria,
> enunciados validados por este sistema são equivalentes. Este fato
> geral, é, evidentemente, do conhecimento de todos.
>
> 2. Por incrível que
> pareça, isto não é conhecimento comum entre os matemáticos.
> Tive algum trabalho para convencer colegas algebristas experientes que o
> princípio da indução sobre fórmulas nos naturais _não é _equivalente ao
> princípio da boa ordem. Mostravam-me uma "prova"; e eu dizia, estás
> provadondo que dois enunciados válidos na estrutura dos naturais são
> equivalentes, o que é  (ou deveria ser) óbvio; após alguma resistência,
> vem o inevitável e justicado "queremos um contra-exemplo". Foi ótima
> oportunidade para apresentá-los aos ultraprodutos!
>
> 3. Se bem entendi, parece-me que a questão está mal-posta do ponto de
> vista filosófico. Penso que a história da epistemologia nos leva a
> considerar que o sonho de um "sistema universal", deve ser
> abandonado. É só olhar em volta; alguns exemplos:
>
> a) Ao que tudo indica, um sistema lógico que seja capaz de alguma
> formalização da mecânica quântica ou do eletromagnetismo quântizado,
> deve ser modul ar  (como a álgebra dos sub-espaços
> fechados em um espaço de Hilbert, que satisfaz a lei da dupla negação),
> violando a distributividade da disjunção pela conjunção;
>
> b) Se desejarmos construir um sistema formal que dê conta de
> "recursos empenhados", os sistemas lineares não-clássicos parecem
> ser os mais adequados;
>
> c) Trabalhos meus e do Marcelo Coniglio, de Chris Mulvey, entre outros,
> mostram o mérito desta perspectiva na Matemática;
>
> d) As lógicas de origem categórica possuem, na minha opnião, méritos
> indiscutíveis;
>
> e) Cada um de nós certamente será capaz de pensar em exemplos
> análogos.
>
> 3. Penso que cada conjunto de sistemas que gostaríamos de
> compreender possui uma "lógica interna" que, se identificada, descreve
> as possibilidades e as limitações de uma formalização  (sinalizo, sem
> justificativa, uma postura filosófica da qual partilho: a ciência é apenas
> uma parte, de certo importante, do conhecimento humano; mas não
> é, nem de longe, TODO o conhecimento humano; também penso haver
> conhecimento que não é redutível à ciência).
>
> 4. Assim, um sistema lógico ou teoria é, no fundo, uma
> forma de compreender e esclarecer o significado das nossas experiências
> históricas, sociais, filosóficas, cientificas, tecnológicas, artísticas e
> culturais,
> isto é, um recurso para nossa emancipação. Até mesmo /a priori/, não vejo
> porque pensar que apenas um pode dar conta desta complexidade.
>
> Registro que a chamada lógica clássica tem méritos indiscutíveis na
> elaboração do conhecimento; não vejo motivos para riscá-la da lista de
> possibilidades no momento de escolher a mais adequada "to the
> problem at hand".
>
> 5. Deste ponto de vista, não defendo este ou aquele sistema lógico, mas
> sim pergunto-me "qual será o mais adequado para o problema ou conjunto
> de problemas que quero tratar".
>
> 6. É possível, como todos sabem, Godelizar qualquer sistema formal.
> Este é, penso eu, um argumento fraco para fixar-se em apenas um sistema,
> qualquer que seja. As razões são variadas; menciono apenas uma:
> o modo como os entes são codificados tem influência decisiva na nossa
> capacidade de formular analogias e propiciar o avanço da nossa
> compreensão dos problemas e sistemas que desejamos entender.
> Por exemplo, a superioridade dos chamados algarismos arábicos
> (que são indianos) sobre os romanos é um exemplo histórica, social e
> científicamente significativo.
>
> 7. Há algum tempo atras, trocamos idéias acerca de traduções e
> referi-me à noção de _corroboração_ (cuja pertinência aprendi de
> Dag Prawitz). Este caminho de investigação origina-se, entre outras
> sementes, no reconhecimento -- do qual partilho -- de que até mesmo
> as chamadas "leis do raciocínio" merecem discussão e precisam ser
> relativizadas ao contexto dentro do qual estamos trabalhando.
>
> Um grande abraço,
>
>     Chico Miraglia
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