On May 11, 2007, "Fabianne Balvedi" <[EMAIL PROTECTED]> wrote:

> On 5/12/07, Alexandre Oliva <[EMAIL PROTECTED]> wrote:
>> 
>> 
>> Segundo sua tese, parece-me que eu, quando liberto Software Livre,
>> torno-me hospedeiro e sou prejudicado por quem meramente use o
>> Software, ou o modifique, sem tornar suas modificações publicamente
>> disponíveis, tornando-se então um parasita.

>> Qual é exatamente o prejuízo que você entende que eu esteja sofrendo?

> Você já ouviu falar de capitalismo cognitivo?

Não tinha.  Li o que vc passou, meio na diagonal, e confesso que não
consegui entender direito :-(

Então pesquisei um pouco mais e achei esse texto bem interessante:

http://www1.folha.uol.com.br/folha/sinapse/ult1063u614.shtml

> O prejuízo no capitalismo monetário é fácil de explicar, pois se
> dá em números. Já no capitalismo cognitivo, onde não existe uma
> relação matemática estabelecida para se quantificar perdas,
> é um pouco mais complicado, mas nem por isso menos importante.

Eu parto do princípio que, se não dá pra quantificar, não dá pra
afirmar que houve perda.  O que não quer dizer que se invalida o uso
do capitalismo cognitivo, apenas que, pelo menos do meu ponto de vista
de exatóide, faço questão de que haja alguma forma de quantificar
alguma coisa, porque se não há, não vejo como falar em perda ou
ganho.  Pode ser difícil quantificar, mas precisa ter um jeito.

É que nem quando eu pergunto "quanto vale sua liberdade?"  Isso chama
a atenção para o fato de que é difícil, sim, quantificar o valor da
liberdade, mas que não fazê-lo, deixá-la de fora das análises de
decisão, leva a uma conclusão errada, em que uma ilusão de ganho acaba
se mostrando uma grande perda, perda essa facilmente mensurável no
longo prazo.

> Então tentando analisar pragmaticamente esta questão,
> o fato de alguém usar um conhecimento adquirido sem
> retornar algo ao seu "hospedeiro", faz com que haja,
> sim, um prejuízo cognitivo para quem forneceu aquele
> conhecimento.

Putz...  É difícil mesmo pra mim acreditar que haja prejuízo aí.  Vejo
potencial pra custo de oportunidade ou algo nessa linha, de não ter
uma espectativa de colaboração do outro atendida, mas perda de fato ou
pelo menos de direito?

Consigo vislumbrar potencial de perda pra sociedade, na medida em que
uma opção de não compartilhar, por exemplo, o segredo de uma invenção
(pra voltar na análise de patentes), acaba custando mais para todos,
que se vêem privados de utilizar as vantagens da invenção.  Isso por
certo se reflete nos indivíduos.

Mas ainda não consigo ver como perda de fato.  Tipo assim, minha régua
de medida, meu zero, é se o sujeito/empresa não fizesse a modificação
ao software, ou não inventasse a técnica patenteável.

É evidente que alguém fazer a modificação sobre o software que eu
publiquei e também publicá-la traz benefício a todos, possivelmente
inclusive para mim; leva o marcador pra cima do zero.  [Para
simplificar o argumento, vou desconsiderar o suicídio de Santos Dumont
por ver sua invenção sendo usada para a guerra, a invenção da bomba
atômica e outros avanços tecnológicos que consigo trouxeram também
prejuízos.]

Mas de que forma o fato de alguém fazer uma modificação a um software
e usá-la apenas internamente leva a sociedade, ou, que seja, apenas
eu, pra baixo do zero?  Como é possível que eu ou a sociedade acabemos
numa situação pior do que antes por não ter acesso a uma coisa que, se
nunca houvesse sido criada, também não teríamos?

O que me ocorre é se a existência dessa nova modificação oferecesse
algum impedimento para um desenvolvimento independente dessa mesma
modificação.  Como, por exemplo, uma patente de software.

Mas, sobre patentes de software, suponho que temos consenso neste
fórum de que são um problema, mas que também não são o único caso, nem
o caso mais comum, de uma modificação não distribuída como fonte de
prejuízo para o autor original ou para toda a sociedade.  Devo então
supor que há algo que ainda me escapa, ou que não há prejuízo de fato.


> pois acredita-se aí que o conhecimento pertence à humanidade, e não
> apenas a determinadas pessoas, e por isso deve-se devolver a ela o
> seu lucro.

Essa é uma tese defensável talvez do ponto de vista do lucro
financeiro.  Mas como devolver à sociedade o prazer estético derivado
da criação de uma obra?  A alegria e a satisfação por um trabalho bem
feito?  O orgulho de ter completado a obra?  O crescimento
proporcionado por sua criação?

Numa visão mais geral de lucro, que eu prefiro chamar benefício (até
pra remeter à classificação das formas de simbiose), parece-me que,
pelo mesmo argumento do movimento da devolução, todos esses benefícios
imateriais experimentados deveriam também ser devolvidos à sociedade.

Aí fica a dúvida não só sobre o "como", mas também sobre, se você
exige que o artista devolva à sociedade *todo* o benefício que colheu
de seu trabalho, você mata o artista.

Não é a mesma lógica distorcida da defesa da "propriedade
intelectual", que inverte a lógica do monopólio como incentivo à
criatividade, tentando torná-lo um direito natural que, se subtraído,
extinguiria a criatividade, como se a exploração comercial facilitada
pelo monopólio fosse o único motor da criatividade.

Quando se generaliza a idéia de devolver o lucro para benefícios
quaisquer, benefícios estes imateriais e portanto não devolvíveis à
sociedade em sua forma original (como transferir à sociedade o prazer
e a satisfação que eu experimentei, por exemplo?), nem facilmente
monetizáveis (não me referindo a dinheiro, mas a valor, medida de
benefício, em qualquer "moeda de troca" que possa ser usada para
transferir o lucro/benefício para a sociedade), criar-se-ia uma
obrigação, seja ela legal ou moral, de que o artista de alguma forma
"compensasse" a sociedade pelo benefício que colheu do ato de criar
sua obra.

Para artistas dotados de grande talento, isso talvez não fosse um
grande problema, pois a oferta de sua obra à sociedade já pagaria,
provavelmente com folga, os prazeres que eles experimentaram com sua
criação.

Mas e os cantores de chuveiro, os poetas do primeiro amor, os pintores
de parede de galerias :-), e tantos outros artistas cujo talento não
proporcionaria à sociedade prazer ou benefícios equivalente de
grandeza comparável ao prazer (talvez desproporcional) do artista em
completar sua obra?  Como poderiam (e deveriam) esses artistas, que
certamente são a imensa maioria da população, pagar a dívida à
sociedade que o benefício que experimentaram com seu ato criativo lhes
trouxe?

Vejo duas possíveis conseqüências desse endividamento:

1. uma sociedade que reconhece e perdoa esse endividamento, como forma
  de investimento de longo prazo em artistas que, espera-se, venham a
  desenvolver seu talento ao longo do tempo e então quitar seu
  compromisso com a sociedade.  Artistas, por sua vez, em sua maioria
  endividados à sociedade, no afã de quitar sua dívida, produzem mais
  e mais.

  a. Pode ser uma utopia, em que todos se vêem induzidos (mas não
  forçados) a contribuir cada vez mais, criando um ciclo virtuoso de
  endividamento para com a sociedade que leva ao enriquecimento do
  todo, ou

  b. uma distopia, em que a incapacidade de quitar a dívida induza à
  frustração pessoal, em que o artista deixe de experimentar prazeres
  na criação de suas obras, pois assim se endividaria menos, talvez
  sem perceber que essa frustração provavelmente se reflete na obra e
  a torna ainda menos valiosa.  Perde a sociedade.

2. uma sociedade que cobra a dívida, gerando semelhante frustração em
  autores, mas que, dada a obrigação de pagar a dívida, preferem
  deixar de criar para não mais se endividarem, e então buscar quitar
  sua dívida de outra forma.  Perde a sociedade.


Parece-me que 1a seja o único cenário desejável, pois fomenta e
incentiva a criação, sem porém exigir a "devolução".  Promover o
conceito moral da busca do bem comum, como forma de suscitar a
sensação de endividamento, ainda que não exigível, parece-me (do alto
de minha ignorância e da minha inexperiência com o assunto ;-) a
fórmula para conduzir a esse objetivo desejável.

Já a promoção da idéia de obrigação parece-me criar justamente o
efeito contrário, extinguindo a publicação, a colaboração e a cultura
por matar a criatividade.


Faz algum sentido isso?

-- 
Alexandre Oliva         http://www.lsd.ic.unicamp.br/~oliva/
FSF Latin America Board Member         http://www.fsfla.org/
Red Hat Compiler Engineer   [EMAIL PROTECTED], gcc.gnu.org}
Free Software Evangelist  [EMAIL PROTECTED], gnu.org}
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