CARTAS ÁCIDAS
Análise diária da mídia nacional, por Bernardo
Kucinski
18/9/2002
Como os tucanos pautam os jornaisNesta
campanha presidencial, em contraste com as anteriores, a mídia tem
procurado aparentar mais isenção. Mas a candidatura oficial continua
pautando jornais e jornalistas. Só que com mais sutileza. Nesta edição
contamos três histórias exemplares de como os tucanos pautam os jornais.
Uma história de falsa isenção, outra de intriga jornalística, e finalmente
ao falseamento de dados nos títulos internos da Folha. Tudo isso para
eleger Serra.
As comparações incomparáveis da revista ÉpocaÉpoca desta
semana saiu com um grande pacote de comparação entre os três candidatos,
com a aparência de isenção, mas habilmente formatado para enaltecer Serra
e diminuir Lula. O pacote abre com uma grande reportagem sobre a herança
de FHC, que já delimita a agenda com a pauta sempre sugerida pelos
banqueiros e monetaristas: de que existiria um Espaço curto para mudar.
Logo abaixo do título, a revista estampa com destaque que uma herança
pesada de desigualdades e arrocho financeiro limita o próximo governo e
impõe propostas na mesma direção. A premissa é importante para orientar o
resto do pacote que tem a única finalidade de dizer que se todos os
candidatos tem a mesma proposta e/ou terão que seguir uma mesma direção, a
diferença está na competência e/ou experiência de cada um, ou seja, Serra
é o melhor.
Seguem-se os perfis dos quatro principais candidatos, com o seguinte
tratamento: Lula é a obstinação refletida, com uma foto do candidato
petista se enfeitando no espelho e um texto crítico, que basicamente
semeia dúvidas sobre sua a capacidade de governar. Serra é o
centralizador e metódico, e ganha uma foto sensacional sentado numa
cadeira estudando documentos, em contraste total com a foto de Lula. Ciro
e Garotinho são apresentados apenas como dotados do poder de sedução pelas
palavras. Em resumo: Lula é o obstinado, Serra o preparado, os outros
dois, o demagogos.
Cada perfil é acompanhado de uma pequena entrevista com um intelectual
que faz a crítica do candidato. As perguntas de novo apontam que Serra é o
único preparado e Lula, o mais problemático. Uma das perguntas feitas
sobre Serra ao cientista político Fabiano Santos é : Mas Serra não seria
o candidato mais preparado?
A crítica a Lula é feita por Fábio Wanderley Reis. Época diz na
abertura que o professor da Universidade Federal de Minas Gerais garante
que Lula não pode dar certo. Acontece que o professor Wanderley, mesmo
criticando severamente Lula, nunca disse isso, conforme esclareceu ao
jornalista Cláudio Cerri, que ficou intrigado com a peremptoriedade da
declaração (que dificilmente sairia da boca de um cientista social) e
apurou o assunto. A frase é uma criação da revista, uma espécie de
cafagestagem editorial.
A história da intriga com a comunidade judaicaHá muitos
meses, no dia 14 de março deste ano, o candidato a vice de Lula, senador
José Alencar, respondendo a uma pergunta de Boris Casoy sobre a questão
palestina, no programa Passando a limpo, disse que sendo a população
árabe maior que a judaica, talvez fosse o caso de o Estado de Israel mudar
para outro lugar.
Mais de três meses depois, na sua coluna de 23 de junho, Cláudio
Humberto explorou a frase infeliz de Alencar, especulando o que seria para
a posição do governo na questão palestina se Lula morresse e Alencar
virasse o presidente. No dia 19 de agosto, Alencar visitou a Federação
Israelita e se desculpou pela gafe e pela ignorância, já que essa proposta
de um território alternativo para o estado judeu foi feita e superada há
mais de um século.
No dia 6 de setembro, um dia antes do Ano Novo judaico, Alencar enviou
carta ao rabino Sobel, mais uma vez se desculpando pelo palpite infeliz e
reconhecendo o direito à existência do estado de Israel. Sobel respondeu
também por escrito, no dia seguinte, inocentando Alencar e pondo um ponto
final no assunto. Mas para o comitê de Serra o assunto não morreu. E, com
a ajuda da mídia, criaram uma intriga.
No dia 7 de setembro, quando começava o Ano Novo judaico e os judeus
vão às sinagogas, o Estado de S. Paulo publicou um grande artigo de
Mauro Chaves em que ele transcreveu na íntegra todo o diálogo de Alencar
com Boris Cassoy, tomando o cuidado de não dizer que aquilo havia
acontecido seis meses antes. Deu como se tivesse acontecido na noite
anterior.
O estrago da campanha Lula