Prezado Walcacer

Evidentemente respeito seu reconhecido saber jurídico, entretanto, neste caso, me permito discordar.

Tenho para mim que o licenciamento ambiental é restritivo do direito individual. Mesmo que seja apenas o reconhecimento pelo Estado desta restrição. Desta forma, para poder ser aplicável em todo o país, depende de lei geral federal. Esta lei existe, é a Lei n° 6.938/81, cujo artigo 10 é impositivo ao determinar o prévio licenciamento para as obras e atividades potencialmente poluidoras. Este mesmo artigo determina também expressamente que o prévio licenciamento seja feito "por órgão estadual competente", abrindo campo apenas para o licenciamento em nível federal nas hipóteses previstas no seu § 4°. Desta forma, o mesmo dispositivo autoriza a imposição da restrição, cria uma obrigação para todos os empreendedores, e determina quem será o executivo da medida.

É de se ver que não outorga competência genérica aos integrantes do SISNAMA; apenas ao órgão estadual competente, i.é., aquele indicado pela legislação estadual, e, especificamente ao IBAMA, designado órgão licenciador no nível federal. Assim não arranha a autonomia estadual, mas delimita precisamente o campo da competência, que não é estendido ao âmbito municipal.

Apenas a legislação federal pode estabelecer este tipo de competência. Desta forma, o Município, a quem a Constituição excluiu a competência legislativa para legislar sobre matéria ambiental não tem força para instituir um sistema de licenciamento ambiental próprio. Apenas pode legislar sobre matéria de interesse local.

O legislador federal foi sábio. Não atribuiu esta competência ao Município porque ele não necessita dela. O Município tem competência para regrar o uso do solo em seu território. Assim, emite suas licenças edilícias, que são indispensáveis para a localização, construção, instalação, ampliação e funcionamento de qualquer empreendimento (mesmo uma simples obra de reforma) em seu território. Portanto, nada impede que o Município estabeleça parâmetros ambientais para a outorga destas licenças. O próprio dispositivo federal que criou o licenciamento ambiental, deixa claro que tais licenças são imprescindíveis ao determinar que a licença ambiental é exigível "sem prejuízo de outras licenças exigíveis", como são as edilícias.

Portanto, o Município não necessita de estabelecer um licenciamento ambiental paralelo ao do Estado para defender o meio ambiente em seu território, que é uma obrigação constitucional. As próprias licenças municipais são mais que suficientes. Depende apenas da legislação municipal.

Por conseguinte, se tem meios e modos de cumprir sua obrigação constitucional que lhe é imposta pelo mesmo dispositivo que estabelece suas capacidades administrativas em comum com a União, os Estados e o Distrito Federal, parece claro que não lhe carece apelar para uma competência que não lhe foi outorgada.   Insistir neste caminho apenas levará à discussões judiciais, que não beneficiam a ninguém, e muito menos ao meio ambiente.

Assim não me parece que no caso, seja este o melhor caminho. Ao contrário. Para cumprir o seu poder-dever constitucional basta que o Município aperfeiçoe a sua legislação particular, nela imprimindo a variável ambiental, como é de sua estrita competência constitucional.   Nela então poderão aparecer os dispositivos "inovadores e fecundos", que estariam sendo reclamados, mas, aí sim, "absolutamente de acordo com os princípios constitucionais e certamente destinados a dar-lhes cumprimento mais adequado"

O Estado é que necessitava deste instrumento para cumprir a mesma missão. Por este motivo é que ela lhe foi outorgada pela legislação.

Mesmo anterior à Constituição de 1988, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, em matéria de competências lhe foi percursora. Editada da vigência da Emenda Constitucional n° 1, que dava competência exclusiva à União para legislar sobre quase toda a matéria de proteção ao meio ambiente, restando aos Estados apenas legislar concorrentemente sobre saúde publica e produção e consumo, realisticamente esta Lei, na prática, ampliou, pela descentralização das ações, a capacidade de intervenção dos Estados. O constituinte, reconhecendo a sua importância, é que elevou seus postulados e instrumentos ao nível constitucional, evitando e calando as inúmeras objeções e leguleios que então serviam de instrumento para o poluidor e degradador eximir-se das obrigações impostas pelas leis estaduais.

Nem mesmo a acordância com a manifestação do eminente jurista e meu particular amigo Ubiracy Araújo, lograram alterar o meu ponto de vista. O fato do Município poder multar, em nada altera a sua incompetência para emir a licença ambiental.

Como todos sabemos — e ele mais do que todos, uma vez que exerceu com elogiável dignidade o alto cargo de Procurador Geral do IBAMA — a Lei n° 6.938/81, ao contrário das editadas naqueles anos de chumbo, que procuravam centralizar em Brasília todas as ações e decisões, é eminentemente descentralizadora das ações de conservação ambiental. De forma surpreendente e até "subversiva", como disse alguém, transferiu para o âmbito dos Estados e Municípios praticamente toda a ação fiscalizadora de seus ditames. Diz, p. ex., o § 1° do Art. 11: "A fiscalização e o controle da aplicação de critérios, normas e padrões de qualidade ambiental serão exercidos pelo IBAMA, em caráter supletivo da atuação do órgão estadual e municipal competentes".

Daí não se pode tirar a ilação que os órgãos municipais, embora integrantes do SISNAMA possam expedir as licenças ambientais de que trata o Art. 10, que dá esta competência expressamente ao órgão estadual competente e, supletivamente ao IBAMA, dentre todos os integrantes do SISNAMA.

Tampouco me comove a entrada da ANAMA no CONAMA, pois a principal conseqüência desta intervenção, aparentemente, foi eivar de inconstitucionalidade a Resolução CONAMA n° 237/97, exata e principalmente no capítulo das competências.

A Lei de Crimes Ambientais também não outorgou aos Municípios a capacidade para emitir "licenças ambientais", apenas repetiu antigo dispositivo quanto à cobrança de multas; que nada tem a ver com competência licenciatória. Convenhamos que são formas bem diferentes do exercício do poder administrativo de polícia ambiental. Assim como prevenção é diferente de repressão.

Da mesma forma o Código Municipal de Rio Branco, por melhor que seja — e certamente será mercê brilhante assessoria que teve — também não modifica o fato dele dispor em contrário a lei geral federal, o que é de duvidosa constitucionalidade.

Desculpem me haver alongado demais, mas não tive tempo para ser conciso.

Abraços

Inagê

Um grande abraço do
Inagê

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