Gustavo,
Parabéns pelo trabalho e tão logo esteja definida a
publicação nos avise. Tenho interesse nessa tua obra que
acredito ser única no meio jurídico brasileiro.
Com certeza é
um tema que enseja longos e tensos debates, bem sabemos aqui no RS, onde o
Judiciário Gaúcho despontou nesse fornecimento gratuito de
remédios, para qualquer um que pedisse, sem qualquer
atenção a legislação estadual e ao rol de
medicamentos.
Marisa
-----Mensagem original-----
De: Gustavo Amaral <[EMAIL PROTECTED]> Para: [EMAIL PROTECTED] <[EMAIL PROTECTED]> Data: Quinta-feira, 31 de Agosto de 2000 08:37 Assunto: RES: [IBAP] saude Apenas
para registro,
Portinho: Dentro
dos próximos meses deve ser publicada pela Editora Renovar, do Rio de
Janeiro, minha dissertação de mestrado que ataca essa linha
jurisprudencial. O uso dos
silogismos nesse campo (I- há um “direito” à
saúde, II- fulano está doente, III- logo “vire-se o
Estado”) é inteiramente equivocado. Apenas como exemplo, transcrevo abaixo
algumas citações que uso no meu
trabalho:
Há hoje um mito que países prósperos como os Estados
Unidos não precisam se preocupar com o problema da seleção
de pacientes, já que há recursos suficientes para todos. Há até quem acredite que
essa suficiência se estende mundo afora. Esse mito é menos que meia
verdade. A verdade nele contida
é que há recursos financeiros para eliminar muitas das escassezes
de hoje. Serão esses
recursos tornados disponíveis para satisfazer as necessidades
médicas de todos?
Infelizmente, isto não é provável, mesmo nos Estados
Unidos. Outros recursos não
financeiros, como órgãos para transplante, são escassos em
relação às necessidades. Novas escassezes, ademais, são
inerentes ao progresso da tecnologia.
Em outras palavras, critérios de seleção de
pacientes são desesperadoramente necessários hoje em todos os
lugares e continuarão a sê-los no futuro. (KILNER, John F. Who
Lives? Who Dies?: Ethical Criteria in Patient
Selection. New Haven:
Yale University Press, 1990, p. 3
- tradução
livre)
Em segundo lugar, pode a liberdade médica sobreviver em um
ambiente de limite orçamentário? Os médicos defendem zelosamente a
liberdade médica, o direito de prescrever o que pensa ser o melhor para
cada caso. Essa liberdade inclui o
direito de cada médico prescrever remédios, de cada especialista
aceitar ou rejeitar pacientes, prescrever exames, de realizar ou prescrever
procedimentos cirúrgicos que pensa possam ser benéficos. Como pode uma liberdade como essa ser
preservada quando o número de leitos e de salas de cirurgia é restrito, a capacidade de
realizar exames é limitada pelo acúmulo, resultado da
diminuição nas compras de equipamentos, e o orçamento para
remédios tem que competir com outras grandes prioridades em gastos
hospitalares? (AARON, Henry J &
SCHWARTZ, William B. The Painful Prescription: Rationing Hospital
Care. Washington: The
Brookings Institution, 1984, p. 10
-
tradução livre).
A despeito da força intrínseca da palavra, as necessidades
são de difícil definição. As pessoas não têm apenas
necessidades, elas têm idéias sobre suas necessidades; elas
têm prioridades, elas têm níveis de necessidades. Essas prioridades e níveis
devem-se não apenas à natureza humana, mas também a fatores
históricos e culturais. Como
os recursos são sempre escassos, escolhas difíceis têm que
ser tomadas. Penso que tais
escolhas somente podem ser políticas. Elas estão sujeitas a
alguma elucidação filosófica, mas a idéia de
necessidade e o compromisso com o bem comum não levam a uma
determinação clara de prioridades ou
escalonamento.
As necessidades não são apenas de difícil
definição, elas são também expansivas. Na frase do filósofo
contemporâneo Charles Fried, as necessidades são vorazes, elas
devoram os recursos. Mas seria
errado dizer que a necessidade não pode ser um princípio
distributivo. É, na verdade,
um princípio sujeito a limitação política. Tais limites podem ser
arbitrários, fixados por alguma coalizão de interesses
temporária ou por maiorias eleitorais. Considere-se o caso da segurança
pessoal numa cidade norte-americana moderna. É possível prover
segurança absoluta, eliminando todas as fontes de violência salvo
as domésticas, se puséssemos um posto de luz a cada dez jardas
[aprox.
10 metros] e um
policial a cada trinta [cerca de 30
metros], por toda a
cidade. Todavia, isso seria muito
caro e então optamos por algo menos. Quanto menos só pode ser decidido
politicamente, e só pode ser decidido
politicamente: é para isso que servem os arranjos políticos na
democracia. Qualquer esforço
filosófico para estipular em detalhes os direitos ou
titulações dos indivíduos restringiria radicalmente o
escopo do das tomadas de decisões na
democracia. (WALZER, Michael. Spheres of Justice. Basic Books, 1983, p. 66. O trecho em itálico está
em observação ao pé da página 67 - tradução
livre).
A questão é complexa e não comporta
soluções simplistas.
Se vc. ou alguém tiver interesse no debate, podemos fazê-lo.
Quero apenas deixar o registro da
complexidade da questão e da falsidade da afirmação
“boazinha”, “afirmadora dos direitos sociais”, que, pelo
que tenho visto, serve para atender a classe média com tratamentos caros,
as vezes no exterior, a despeito de qualquer consideração sobre os
reflexos gerais. Gustavo
Amaral -----Mensagem
original----- Infelizmente ainda se encontra teses
contrárias ao precedente abaixo transcrito, especialmente por parte de
alguns administradores. Resta-me apenas aplaudir esta linha decisória que
prevalece em nossos tribunais. MEDICAMENTO.
FORNECIMENTO. DOENTE CARENTE. |
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