Tony
Nada do que disse vai contra o que foi aqui discutido. Yuri Manin, que tem um 
dos melhores livros de lógica, disse que durante o século XX aprendemos muito 
com os formalismos, mas agora seria hora de buscar significados novamente, que 
é o que importa. Repeti de memória, mas dá para achar onde está a frase certa. 
Abraço
D



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Décio Krause
Departamento de Filosofia
Universidade Federal de Santa Catarina
88040-900 Florianópolis - SC - Brasil
http://www.cfh.ufsc.br/~dkrause
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Em 28/01/2013, às 02:16, Tony Marmo <marmo.t...@gmail.com> escreveu:

> Caro Professor,
> 
> A mim a primeira leitura e estudo da teoria de conjuntos axiomática pela 
> visão dos matemáticos é que se trata muito mais de uma teoria metafísica que 
> também pode tratar de questões matemáticas. Eu estava muito mais acostumado 
> com a visão da filosofia analítica até então. 
> 
> Não tenho problemas com essa interpretação, mas os matemáticos não gostam que 
> se lhes diga que do modo que estão lidando com fundamentos metafísicos. 
> Aliás, não raramente encontro gente que recusa qualquer interpretação para os 
> conceitos matemáticos, repetindo: "não, não é isso", mas eles fazem uma certa 
> metafísica ainda que não queiram admitir isso.
> 
> Aqui cabe duas colocações acerca de linguagem que a maioria dos matemáticos 
> desconhecem e explico porque é balda a tentativa de recusar interpretações ou 
> querer supercontrolá-las:
> 
> [1] Primeiramente, linguagens formais diferem de línguas naturais (conceito 
> da linguística gerativa e outras) num aspecto crucial: fórmulas não têm 
> intenção comunicativa, expressões de línguas naturais sim. Eu já ouvi gente 
> falar na "intenção por detrás da fórmula", mas isso é de certo modo um 
> unicórnio: simplesmente não está lá, salvo pela nossa imaginação.
> 
> [2] Quanto mais abstrato for o significado de uma expressão, maior a 
> possibilidade e diversidade de interpretações que essa expressão recebe. É 
> como aquele quadro abstrato em que cada um enxerga o que quiser, conforme 
> sente ou percebe as formas.
> 
> Ou seja, se você tiver alguma intenção a comunicar, ela não estará nas suas 
> fórmulas: você terá de as escrever em parágrafos em Português, Francês ou 
> outra língua natural. Pensou que colocou na fórmula, você a perdeu.
> 
> Mas, se você quiser, ao contrário disso, fazer um trabalho com noções 
> altamente abstratas, quanto mais abstrato for o seu pensamento, mais os seus 
> leitores estarão livres para o entender como quiserem ou sentirem. Não 
> adianta dizer-lhes depois: não é nada disso, porque você mesmo já abriu 
> espaço para tudo isso quando escolheu níveis muito altos de abstração.
> 
> Agora, nada disso é grande novidade, por exemplo, para engenheiros: eles 
> sempre arrumam interpretações concretas para os conceitos matemáticos, para 
> eles a matemática significa o que as suas aplicações em engenharia permitem 
> produzir. E eles não estão errados: do prisma deles, esse modo de interpretar 
> as coisas é que racional. Afinal de contas, a razão não busca o saber inútil.
> 
> Em 27 de janeiro de 2013 09:16, Décio Krause <deciokra...@gmail.com> escreveu:
>> Caros
>> Lembrem que podemos desenvolver ZF sem usar a palavra "conjunto", como um 
>> teoria formal. Na verdade, os "conjuntos" não estão lá, nós é que os 
>> colocamos depois...
>> 
>> Alguém aí quis me dar uma aula...agradeço, mas continuo com a mesma opinião.
>> 
>> Julio, seu link cai no MDPI. Baixei o app, mas como acesso seu artigo? Cada 
>> vez que clico no link ele cai na mesma coisa, pedindo para baixar o app de 
>> novo...
>> D
>> 
>> 
>> 
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>> Décio Krause
>> Departamento de Filosofia
>> Universidade Federal de Santa Catarina
>> 88040-900 Florianópolis - SC - Brasil
>> http://www.cfh.ufsc.br/~dkrause
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>> 
>> Em 27/01/2013, às 08:56, Julio Stern <jmst...@hotmail.com> escreveu:
>> 
>>> Caros Redistas: 
>>> 
>>> Varios dos pontos em discussao referem-se aa construcao de 
>>> uma Ontologia Mateematica adequada aos nossos propositos. 
>>> Discuto varios destes ponto na 
>>> Secco 3,  Mathematical Ontology,  do artigo: 
>>> 
>>> Constructive Verification, Empirical Induction, 
>>> and Falibilist Deduction: A Threefold Contrast. 
>>>  
>>> disponivel no link 
>>>  
>>> http://www.mdpi.com/2078-2489/2/4/635  
>>> 
>>> 
>>> Varios pontos a discutir: 
>>>    
>>> 1) A nocao de Objeto Concreto 
>>> presupoe uma epistemologia fortemente realista 
>>> ou um processo ingenuo de reificacao, isto eh, 
>>> ou os tais Objetos Concretos nos sao dados a priori 
>>> nO Mundo Real, ou eu ingenuamente acho que sei muito bem 
>>> quais sao os ditos cujos Objetos Concretos. 
>>>   
>>> 2) O Sentido Cotidiano de conjunto pode ate nao ser o 
>>> mesmo que (um dado) Sentido Matemático, mas isto nao quer 
>>> dizer que seja possivel fazer (uma) matematica (util) que 
>>> nao reflita os conceitos de alguma ontologia cientifica. 
>>>  
>>> Imre Lakatos discute o assunto en detalhe em um livrinho 
>>> de leitura deliciosa: Proofs and Refutations: The Logic of 
>>> Mathematical Discovery (que eu aho que foi traduzido no Brasil). 
>>>  
>>> Na verdade, Lakatos esta apenas buscando respostas a uma 
>>> pergunta fundamental formulada por seu professor, Arpad Szabo: 
>>>    
>>> Como (diabos) foi que Matematica se tornou uma ciencia dedutiva?! 
>>>    
>>> Abraco a todos, 
>>> ---Julio Stern 
>>> 
>>> 
>>> 
>>> ----------------------------------------
>>>> Date: Sun, 27 Jan 2013 01:15:48 -0200
>>>> From: marmo.t...@gmail.com
>>>> To: freires...@gmail.com; logica-l@dimap.ufrn.br
>>>> Subject: Re: [Logica-l] a resposta do Zerrmelo Fraenkel
>>>> 
>>>> Muito obrigado, Rodrigo. Permita-me citá-lo, na sua reflexão genial que
>>>> chega ao ponto que eu queria:
>>>> 
>>>> "Com relação aos "conjuntos de objetos concretos", acredito que o
>>>> entendimento standard na filosofia analítica é que conjuntos podem conter
>>>> objetos concretos. Talvez o exemplo mais marcante seja o das proposições
>>>> russellianas: para Russell objetos concretos e propriedades sobre esses
>>>> objetos são constituintes de proposições. Outro exemplo: para David Lewis,
>>>> mundos possíveis são objetos concretos. Conjuntos de mundos possíveis
>>>> seriam então, segundo David Lewis, outro exemplo de conjunto de objetos
>>>> concretos. (Uma concepção standard de proposições na filosofia analítica,
>>>> diferente da teoria de Russel, é a que diz que proposições são conjuntos de
>>>> mundos possíveis.) Ainda outro exemplo: Godel no artigo What is Cantor's
>>>> continuum problem? Logo na primeira página, sobre a definição de número
>>>> cardinal: "...we certainly want it to have the property that the number of
>>>> objects belonging to some class does not change if, leaving the objects the
>>>> same, one changes in any way their properties or mutual relations (e.g.,
>>>> their colors or their distribution in space)." Claro que apenas objetos
>>>> concretos podem ter cor ou distribuição espacial."
>>>> 
>>>> Isto vai ao ponto que disse eu em mais de uma mensagem: [1] a construção da
>>>> matemática admite mais de uma interpretação e [2] lógica e matemática não
>>>> são a mesma coisa, ainda que tenham muito a ver uma com a outra. Talvez nem
>>>> toda interpretação da construção da matemática coincida com a interpretação
>>>> de um matemático, ou nem toda tenha interesse como diz o João Marcos. Mas,
>>>> as várias interpretações estão aí. E certamente os lógicos não enxergam as
>>>> noções matemáticas exatamente como os matemáticos, não só porque as
>>>> interpretam de modo diferente, mas porque têm interesses diferentes. E você
>>>> primorosamente traz à tona a observação de que a filosofia analítica tem
>>>> uma visão diferente do que sejam conjuntos, que é a visão que interessa
>>>> mais aos lógicos. Ora, quando eu digo que a lógica tem e pressupõe um
>>>> ambiente cultural-filosófico próprio, que remonta a uma tradição pelo menos
>>>> desde Aristóteles, a filosofia analítica faz parte justamente disso.
>>>> 
>>>> Fico uma vez mais agradecido pelas suas contribuições e considero-me mais
>>>> que contemplado pela última.
>>>> 
>>>> Em 26 de janeiro de 2013 23:39, Rodrigo Freire 
>>>> <freires...@gmail.com>escreveu:
>>>> 
>>>>> O João Marcos está correto aqui:
>>>>> 
>>>>> O "sentido cotidiano" de *conjunto* não é o "sentido matemático", e o
>>>>>> primeiro tem tanta relevância para o segundo quanto o sentido
>>>>>> cotidiano de *continuidade* tem relevância para o sentido matemático
>>>>>> da mesma noção. Não saber separar os dois é ser incapaz de fazer
>>>>>> qualquer tipo de Análise Matemática minimamente interessante.
>>>>>> 
>>>>> 
>>>>> 
>>>>> Conjuntos (permitindo objetos concretos na relação ancestral de
>>>>> pertencimento ou não) são objetos organizados em uma hierarquia de um modo
>>>>> específico que *não* é compatível com o uso na linguagem corrente da
>>>>> expressão "coleção". Conjuntos não são coleções. Vou reproduzir aqui dois
>>>>> argumentos que acredito são suficientes para ver isso:
>>>>> 
>>>>> A1- Considere a coleção de bibliotecas da universidade federal fictícia do
>>>>> mato grosso do norte (UFFMGN). Uma biblioteca é uma coleção de livros, uma
>>>>> coleção de bibliotecas é uma coleção de coleções de livros. Suponha que o
>>>>> professor de lógica da UFFMGN pergunta para o bibliotecário da mesma
>>>>> universidade se a coleção de bibliotecas contém o livro de lógica de
>>>>> Hilbert-Ackermann. É coerente com o uso cotidiano da palavra coleção ouvir
>>>>> a seguinte resposta: "Sim, as duas edições do Hilbert-Ackermann estão na
>>>>> coleção de bibliotecas da UFFMGN."
>>>>> O problema é que o Hilbert-Ackermann "está na coleção", segundo o uso
>>>>> cotidiano de coleção, mas não pertence à coleção porque o 
>>>>> Hilbert-Ackermann
>>>>> não é uma biblioteca.
>>>>> O argumento não tem nada a ver com bibliotecas e pode trivialmente ser
>>>>> reformulado em termos de outras coleções de coleções. O uso cotidiano de
>>>>> "coleção" não respeita a organização hierárquica dos conjuntos.
>>>>> 
>>>>> 
>>>>> A2- Se conjuntos são coleções no sentido cotidiano, então o conjunto vazio
>>>>> é uma coleção. Isso faz de mim um colecionador de armas de fogo. Contudo,
>>>>> como não tenho nenhuma arma de fogo eu não sou um colecionador de armas de
>>>>> fogo segundo o uso cotidiano do termo: eu não preciso fazer nenhum 
>>>>> registro
>>>>> na polícia federal ou nas forças armadas, não faz sentido ir ao encontro
>>>>> brasileiro de colecionadores de armas, se tal coisa existir, etc.
>>>>> 
>>>>> 
>>>>> Olhei rapidamente o arquivo de materiais online que o Mario colocou aqui.
>>>>> Comparando a oferta de materiais de Lógica com a de outra área em que
>>>>> também atuo (Geometria), fica claro que a situação da Lógica é bem
>>>>> precária. Contudo, tenho dúvidas se vale a pena investir em construir uma
>>>>> literatura em português para o assunto.
>>>>> 
>>>>> Com relação aos "conjuntos de objetos concretos", acredito que o
>>>>> entendimento standard na filosofia analítica é que conjuntos podem conter
>>>>> objetos concretos. Talvez o exemplo mais marcante seja o das proposições
>>>>> russellianas: para Russell objetos concretos e propriedades sobre esses
>>>>> objetos são constituintes de proposições. Outro exemplo: para David Lewis,
>>>>> mundos possíveis são objetos concretos. Conjuntos de mundos possíveis
>>>>> seriam então, segundo David Lewis, outro exemplo de conjunto de objetos
>>>>> concretos. (Uma concepção standard de proposições na filosofia analítica,
>>>>> diferente da teoria de Russel, é a que diz que proposições são conjuntos 
>>>>> de
>>>>> mundos possíveis.) Ainda outro exemplo: Godel no artigo What is Cantor's
>>>>> continuum problem? Logo na primeira página, sobre a definição de número
>>>>> cardinal: "...we certainly want it to have the property that the number of
>>>>> objects belonging to some class does not change if, leaving the objects 
>>>>> the
>>>>> same, one changes in any way their properties or mutual relations (e.g.,
>>>>> their colors or their distribution in space)." Claro que apenas objetos
>>>>> concretos podem ter cor ou distribuição espacial.
>>>>> 
>>>>> 
>>>>> É verdade que mesmo o básico em Lógica (e em todas as outras áreas) não é
>>>>> tema sem controvérsia. Livros adoram começar com alguma afirmação
>>>>> categórica sobre o que é a lógica: ciência do raciocínio, estudo das leis
>>>>> do pensamento, estudo de relações formais entre portadores de valor de
>>>>> verdade, estudo da argumentação válida, etc. Seria muito melhor começar
>>>>> discutindo essas e outras possibilidades, bem como as várias traduções
>>>>> possíveis da palavra logos. Mas para isso precisa ter competência em
>>>>> análise conceitual. Os estudantes também parecem apreciar essas afirmações
>>>>> categóricas, mesmo que delas não entendam nada. Eles parecem precisar 
>>>>> dessa
>>>>> "paz de espírito" para seguir em frente, já que essas discussões iniciais
>>>>> "não vão render resultados".Esse espírito nada investigativo parece ser
>>>>> dominante em todas as áreas. Ninguém começa um livro de matemática
>>>>> arriscando dizer o que é a matemática. Não sei quando foi a última vez que
>>>>> vi algum livro de geometria tentando começar com algo do tipo: "geometria 
>>>>> é
>>>>> o estudo de formas espaciais". Não é que essas coisas tenham sido
>>>>> resolvidas, ao contrário. As pessoas passaram a ignorá-las, talvez por
>>>>> acreditarem que isso não renda papers que vão valorizar seus currículos...
>>>>> 
>>>>> Podemos nos perguntar pelos motivos dessa postura anti-investigativa. Vejo
>>>>> que, atualmente, os cursos de pós-graduação em matemática são feitos em um
>>>>> ritmo muito acelerado, porque tanto o professor quanto os alunos querem
>>>>> chegar rápido em algum resultado lá na frente. Não importa se ninguém
>>>>> entendeu nada desde o básico, incluindo o professor. Acredito que a idéia
>>>>> que esses cursos transmitem é que pesquisa em matemática é sempre sobre
>>>>> alguma coisa longe e estranha. Quando alguém é perguntado sobre o "básico"
>>>>> a resposta pronta é "isso está feito", mesmo quando ninguém sabe onde ou
>>>>> como, ou até mesmo quando não está feito... Talvez seja por isso que os
>>>>> matemáticos tem pouco apreço pelos fundamentos: eles acreditam que "está
>>>>> feito", mesmo sem saber o que significaria "estar feito" nesse caso.
>>>>> 
>>>>> Abraço
>>>>> Rodrigo
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