Olás, 

Aqui é o Samuel de verdade, nao o personagem da mensagem do Daniel 8-).

Respondendo mais à sua mensagem mesmo Daniel, a questao me parece mais de 
definibilidade do que de identidade.
A estrutura que você apresenta, pela tal categoricidade que vem do teorema 
do vaivém que JM lembrou (o famoso "back and fourth"),
é uma estrutura deveras homogênea: qualquer isomorfismo entre subestruturas 
finitas pode ser estendido a um automorfismo
da estrutura inteira; ora, entao a estrutura nao tem elementos definíveis, 
pois elementos definíveis têm que ser, necessariamente,
fixados por qualquer automorfismo. O que segue da...  definicao de 
definibilidade ! 

O que o seu colega deveria estar tentando te dizer é isso daí de cima, ele 
deveria estar se referindo à notável homogeneidade
da estrutura. Supondo que o seu colega seja um matemático, ele 
possivelmente nao estava pensando em "identidade"
com o rigor que é discutido em Lógica ou Filosofia.

Atés, espero ver todos em breve no EBL,

[]s  Samuel

PS: Uma busca rápida aqui me deu este paper que é um survey sobre 
estruturas homogêneas:

https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0012365X11000422



On Tuesday, February 19, 2019 at 6:12:08 PM UTC+1, Durante wrote:
>
> Caros colegas lógicos,
>
> Dia desses um colega me disse que uma ordem linear densa enumerável e sem 
> extremos é uma estrutura matemática que não apresenta nenhum critério de 
> identidade para os seus objetos.
>
> Dois exemplos de ordens lineares densas enumeráveis e sem os extremos são:
>
> (1) a ordem dos números racionais;
>
> (2) a ordem dos números racionais estritamente maiores do que 0 e 
> estritamente menores do que 1.
>
> Minha primeira reação foi pensar: isso é bobagem!
>
> Para simplificar e exemplificar, vou argumentar aqui focando apenas no 
> exemplo (2), a ordem dos racionais maiores que 0 e menores que 1. Mas tudo 
> o que estou dizendo me parece facilmente generalizável para qualquer ordem 
> deste tipo.
>
> Suponha que eu "pegue" um número em (2) e chame-o de 'd', e um de vocês, 
> digamos o Samuel, também "pegue" um número em (2) e chame-o de 's'. Nós 
> conseguiremos saber usando apenas sentenças da estrutura (2) se eu e Samuel 
> pegamos o mesmo número ou não. A estrutura (2) é "forte" o suficiente para 
> atribuir valor de verdade às sentenças (3) e (4) abaixo:
>
> (3) d < s
> (4) s < d
>
> Se (3) e (4) forem ambas falsas, ou seja, se nenhum dos números for menor 
> do que o outro, então saberemos que escolhemos o mesmo número. Ou seja (d = 
> s). Caso uma das sentenças seja verdadeira, a outra será obviamente falsa, 
> e neste caso saberemos que escolhemos números diferentes. Ou seja (d ≠ s).
>
> Bem, então temos um critério de identidade na estrutura (2). Para 
> quaisquer números racionais d e s maiores do que zero e menores do que um:
>
> (5) (d = s) <=> ~(d < s) & ~(s < d).
>
> Ok. Mas suponha agora que eu peça para o Samuel apontar para o número 1/2 
> usando apenas os recursos dados pela estrutura (2). Eu não tenho certeza se 
> Samuel conseguiria fazer isso, mesmo sendo ele o grande matemático que 
> todos sabemos que é. Como ele saberia se um dado número q desta estrutura é 
> ou não igual a 1/2 sem usar nenhum recurso externo? Como ele acharia o 1/2 
> entre estes racionais?
>
> Uma resposta possível poderia ser: ora, basta ele aplicar o critério de 
> identidade que definimos acima. Como 1/2 é um racional entre 0 e 1, então 
> ele é um dos elementos da estrutura (2), que portanto é capaz de atribuir 
> valor de verdade a (q < 1/2) e a (1/2 < q). Se ambas forem falsas, (q = 
> 1/2), caso contrário, (q ≠ 1/2). Então, bastaria a Samuel, que tem os 
> superpoderes de um matemático e não se preocupa com restrições meramente 
> computacionais e construtivistas, fazer este teste com TODOS os números 
> racionais entre 0 e 1 e apontar para aquele único que não é nem maior nem 
> menor do que 1/2. Pronto. Ele conseguiria assim apontar para 1/2.
>
> Hum... mas espere um pouco. Tem uma casca de banana aí em cima. Para 
> começar a fazer o teste acima, Samuel já tem que ter o número 1/2 
> disponível para comparar com todos os outros. Para conseguir apontar para o 
> número 1/2 ele já teria que ter o número 1/2 à sua disposição. Mas eu o 
> estou proibindo de usar qualquer informação não obtida da estrutura (2). A 
> moral da estória é: ainda que 1/2 seja um dos números racionais maiores do 
> que zero e menores do que um, a identificação de um número como sendo 1/2 
> exige mais recursos do que uma ordem linear densa, enumerável e sem os 
> extremos pode nos dar.
>
> Falando isso de um jeito mais filosófico, eu diria que uma ordem linear 
> densa, enumerável e sem os extremos não é suficiente para definir o 
> conceito do número racional 1/2. O significado matemático de 1/2 (metade) 
> exige mais do que uma tal ordem pode nos dar. Eu usei 1/2 apenas como um 
> exemplo. Na verdade, nenhum número racional específico é identificável em 
> (2). Ou, dito de um modo ainda mais geral, uma ordem linear densa 
> enumerável e sem extremos é uma ordem tão fraca que é impossível fazer 
> referência não ambígua a qualquer de seus elementos. Apesar de 
> numericamente distintos, é como se todos os elementos de uma tal ordem 
> fossem cópias da mesma coisa idêntica em todos os outros aspectos.
>
> Vou tentar explicar. Tudo que (2) me autoriza a afirmar de um dado 
> elemento s é sua ordem relativa a outros elementos de (2). Ou seja, para 
> afirmar algo de s eu preciso de outros elementos s1,...,sn e preciso 
> posicionar s e estes outros elementos na ordem, tal como: 
>
> (6) s1 < ... < s < ... < sn
>
> Mas seja qual for o posicionamento de s, sempre haverá infinitos outros 
> objetos em (2) que se relacionam com s1,...,sn da mesma maneira que s se 
> relaciona, ou seja, que ocupam a mesma posição de s apontada em (6). 
>
> Então as coisas que podem ser ditas em (2) de seus elementos não os 
> individualizam, porque  qualquer coisa que pode ser dita em (2) de algum de 
> seus elementos, pode ser dita de infinitamente muitos outros. 
>
> Parece, então, que a única verdadeira identificação dos distintos 
> indivíduos da estrutura (2) é a identidade numérica. Não há mais nada em 
> (2) que os distinga uns dos outros.
>
> Como falar isso de um jeito mais matemático e mais simples? Como dizer de 
> um jeito matematicamente simples que a estrutura (2) não fornece um 
> critério para identificarmos, por exemplo, o número 1/2? Eu acho que 
> poderíamos dizer isso através do seguinte teorema:
>
> (7) TEOREMA - Seja S o conjunto de todos os números racionais r tais que 0 
> < r < 1. Para cada s ∈ S existe uma função bijetora f_s:S→S tal que, para 
> todo t,u ∈ S:
>    . f_s(s) = 1/2 
>    . (u < t) <=> (f_s(u) < f_s(t))
>
> Ou seja, para cada s ∈ S existe um isomorfismo f_s em S que mapeia s em 
> 1/2 e que preserva a ordem dos racionais. Isso significa que qualquer 
> elemento de S pode "funcionar" como 1/2, pode "fazer o papel de" 1/2, 
> porque 1/2 não tem papel nenhum na estrutura (2). A estrutura (2) é muito 
> caótica. Ela não nos ajuda nem a contar nem a medir.
>
> Isso é bem estranho para a minha intuição (discreta e finitária). Deixe-me 
> ilustrar um pouco. Suponha que s seja um número racional bem perto de 0. 
> Algo como 0,0000000000001.
> Não importa quão perto 0,0000000000001 esteja de 0, existe uma bijeção f 
> em que f(0,0000000000001)=1/2 e que mapeia unicamente (espalhando) cada 
> racional entre 0 e 0,0000000000001 em cada racional entre 0 e 1/2, e que 
> também mapeia unicamente (espremendo) cada racional entre 0,0000000000001 e 
> 1 em cada racional entre 1/2 e 1. E esta bijeção é um isomorfismo, pois 
> preserva a ordem dos racionais. Ou seja, (u < t) <=> (f(u) < f(t)).
>
> Como eu entendo isso? Bem, esta ideia de estar mais perto de 0 ou de 1 ou 
> de estar no meio, não faz sentido na estrutura (2). Apesar da ordem, nenhum 
> dos elementos de (2) está mais perto de 0 ou de 1 do que qualquer outro. A 
> ordem é densa, mas enumerável e sem extremos. Isso é quase nada. Viajando 
> um pouco, acho que um bom nome para uma tal ordem seria "quase-caos". 
>
> Generalizando o teorema (7) obtemos:
>
> (8) TEOREMA - Seja S o conjunto de todos os números racionais r tais que 0 
> < r < 1. Para cada s,u ∈ S, existe uma função bijetora f_su:S→S tal que 
> para todo t,v ∈ S:
>    . f_su(s) = u 
>    . (v < t) <=> (f_su(v) < f_su(t)) 
>
> Ou seja, dados quaisquer 2 números racionais s e u maiores que 0 e menores 
> que 1, existe um isomorfismo f_su em S que mapeia s em u e que preserva a 
> ordem dos racionais. Isso significa que qualquer elemento de S pode fazer o 
> "papel" de qualquer outro elemento de S e, portanto, os elementos de S são 
> cópias da mesma coisa. São distinguíveis apenas numericamente (ser o mesmo 
> e ser outro), mas fora isso, são idênticos.
>
> Bem. Finalmente minhas dúvidas.
>
> D1. Alguém conhece este teorema (8)? Bem, eu acho que (8) é um teorema. 
> Parece bem plausível, apesar de, pelo menos para mim, contra-intuitivo. 
> Suspeito, inclusive, que ele tenha uma prova simples. Se não me engano, a 
> versão do teorema (8) para o caso geral de qualquer ordem linear densa sem 
> extremos foi demonstrada pelo próprio Cantor. Mas não estou certo. Algum 
> palpite da prova?
>
> D2. Vocês acham que este teorema (8) é uma boa "interpretação matemática" 
> do caso em questão? Meu colega disse que (2) é uma estrutura matemática que 
> não contém nenhum 'critério de identidade' para os seus objetos. Mas eu 
> acho que isso é um exagero. Há um critério de identidade. d e s são o mesmo 
> se (~(d<s)&~(s<d)), e são distintos caso contrário. O que eu acho que falta 
> a (2) [a todas ordens lineares densas enumeráveis e sem extremos] é um 
> critério de especificidade, ou de definibilidade. Não há nada que eu possa 
> dizer em (2) de um certo individuo que não seja verdade também de algum 
> outro. Ou seja, todas as sentenças (finitas) de (2) que são verdadeiras de 
> um objeto s, são também verdadeiras de muitos outros. (2) não tem 
> capacidade de especificar nenhum de seus objetos. Então, eu diria que o que 
> falta a (2) é um critério de definibilidade ou especificidade. Vocês acham 
> que o teorema (8) captura esta ideia?
>
> Desculpem a longa mensagem e sintam-se a vontade para corrigir qualquer 
> bobagem que eu tenha escrito.
>
> Saudações,
> Daniel.
>

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