Oi Rhalah,

nossa, achei essas coisas que você mostrou do Jafelice muito
primárias... vou compartilhar umas idéias, mas com um disclaimer: eu
li essas anotação do, ou sobre o, Jafelice com bem menos atenção do
que deveria. Lá vão:

1. Ele ataca "a Ciência" sem delimitar qual "Ciência" ele está
   atacando. Pelo que eu entendi a "Ciência" que ele ataca não inclui
   a Antropologia, e também não inclui nenhum matemático ou físico que
   tenha visto as limitações de um certo modo tradicional de dar aulas
   e de escrever e esteja tentando usar outros modos.

2. Se todas as posições são igualmente válidas, legítimas e
   merecedoras de respeito, então: oba! Eu posso roubar, matar e
   estuprar e a minha posição vai continuar tão válida, legítima e
   merecedora de respeito quanto antes... né?

3. Tem gente que diz que não existem músicas melhor ou piores, é só
   uma questão de gosto. Essas pessoas ignoram que quando músicos se
   encontram e tentam gravar uma música juntos eles têm uma noção
   comum do que é uma música boa, e eles usam isso pra tentar fazer a
   música deles ficar a melhor possível. Com ciência e com ética é a
   mesma coisa: tem pessoas de fora que têm certeza de que tudo é
   questão de gosto e que tanto faz, mas as pessoas de dentro têm
   noções comuns do que é fazer ciência da melhor forma possível e do
   que é ser o mais ético possível.

4. Me pareceu que essa apresentação dele foi principalmente pra dizer
   pros colegas dele: "olha, vocês são burros, a noção de ciência de
   vocês é um lixo", mas ele fez isso muito mal. Qdz, ele poderia ter
   feito algo muito mais construtivo, tipo mostrar algo sobre uma
   outra forma de aprender física, mas ele só fez umas referências a
   uns textos muito distantes.

5. Você falou da "ausência de espanto entre os professores presentes".
   Imagino que em alguns casos essa "ausência de espanto" seja uma
   apatia parecida com que a gente tem com bolsonaristas... a gente
   pensa em responder o que eles estão dizendo, e aí a gente procura
   algo que a gente possa dizer, mas aí a gente vê que eles vão
   entender tudo errado, e aí a gente procura outra coisa pra dizer,
   vê que eles vão entender aquilo errado de novo, e a gente repete o
   loop 10 vezes, e depois das 10 vezes a gente desiste...

Assim que der eu vou tentar ler direito as outras coisas que você
mandou.

  [[]],
    Eduardo Ochs
    http://angg.twu.net/math-b.html
    http://angg.twu.net/2022-apresentacao-sobre-C2.html


On Mon, 28 Nov 2022 at 11:05, rhalah <rha...@gmail.com> wrote:

> Olá, Marcelo e demais colegas listeiros!
>
> Aproveito essa questão do Marcelo, que creio resumir uma parte importante
> e interessante do problema, pra dar uma de re-animator em não uma, mas duas
> conversas antigas da lista (uma é esta).
>
> O tema que me interessa, especificamente, é a questão do relativismo
> epistemológico e como podemos ter ao menos um norte que permita algum senso
> de equilíbrio, respeito e justiça no tratamento das pessoas (culturas
> inteiras também devem ser respeitadas?).
>
> Tivemos aqui na escola em que trabalho (um campus do IFRN) uma
> apresentação do professor Jafelice (professor de física aposentado da UFRN)
> que me deixou bastante incomodado. O problema não foi tanto ele ter falado
> o que falou, mas a ausência de espanto entre os professores presentes,
> principalmente os das ciências naturais. Isso reforça a minha impressão de
> que há realmente dois mundos (as tais duas culturas) que se comunicam muito
> pouco, mesmo quando um dos mundos questiona os fundamentos do trabalho do
> outro.
>
> Alguns trechos que me surpreenderam:
>
> "A ciência é colonizadora: impõe uma visão única de mundo e é fonte de
> poder do pensamento único dominante; isto a torna epistemicida e etnocida
> em inúmeras ocasiões."
>
> "Quando consideramos evidente que o conhecimento científico é superior aos
> outros sistemas de conhecimento, autóctones, nos rendemos à  visão de mundo
> colonizatória."
>
> "A vertente da antropologia que adoto é a culturalista e hermenêutica
> (e.g., GEERTZ, 1997) e a concepção epistemológica, relativista – a qual,
> por sua vez, se articula melhor com um enfoque construtivista em educação,
> em especial aquele interpretado desde a perspectiva da biologia do
> conhecimento (MATURANA, 2001). Adotar essa concepção significa acatar uma
> pluralidade de alternativas para o ser humano construir conhecimento, todas
> igualmente válidas e legítimas. O conhecimento científico, portanto, não é
> visto como especial ou superior, nem implica em alternativa privilegiada
> (em nenhum sentido, seja social, ontológico, filosófico etc.); acata-se a
> existência de uma diversidade epistemológica – no fundo, base das demais
> diversidades."
>
> Os demais trechos que achei problemáticos estão nesse docs (aceita
> comentários):
>
> https://docs.google.com/document/d/1g3H-Tn2pBX3jQG9feb8roDgUd9rp380t8ZdKg77oAu4/edit?usp=sharing
>
> Em relação à problemática exemplificada pelo texto mencionado acima, tenho
> compartilhado com algumas pessoas o que acho ser o melhor resumo de como
> chegamos até aqui:
>
> https://docs.google.com/document/d/1KNTjo16NoQAn-b5UiUVmZ86QWSjBCZkxEX2drSFHrww/edit?usp=sharing
>
> O texto é de 1997. Parece ter sido uma excelente previsão.
>
> Por fim, a outra conversa, que acabei achando ao pesquisar essa
> problemática do relativismo como condição para a igualdade (e a não
> discriminação), é esta:
> https://groups.google.com/a/dimap.ufrn.br/g/logica-l/c/w_A4sAFy6Z0
>
> Nela, o colega Manuel Doria anunciou um paper forthcoming que atualmente
> está disponível aqui, caso interesse a mais alguém:
>
> https://www.academia.edu/81478439/The_Unreasonable_Destructiveness_of_Political_Correctness_in_Philosophy
>
> Isso tudo me lembra muito o texto do Russell que tenho adotado quase como
> um mantra:
>
> "Se a um homem é oferecido um fato que vai contra seus instintos, ele o
> examinará minuciosamente e, a não ser que a evidência seja esmagadora, se
> recusará a acreditar nele. Se, por outro lado, é oferecido algo que
> constitui uma razão para agir de acordo com seus instintos, ele o aceitará
> mesmo sob a mais tênue evidência. A origem dos mitos pode ser assim
> explicada."
> -Proposed Roads to Freedom: Socialism, Anarchism and Syndicalism (1919,
> New York: Henry Holt and Company, p. 147)
>
> On Friday, 10 December 2021 at 12:02:25 UTC-3 Marcelo Finger wrote:
>
>> Oi Daniel.
>>
>> Gostei do seu argumento, e emendo uma pergunta.
>>
>> Quando um convívio de ideias deixa de ser pluralista e passa a ser
>> manipulado por detentores de uma ideia até então marginalizada em busca de
>> reconhecimento? Mais ao caso: Quando o convívio de ideias passa a ser
>> imposição de uma única visão?
>>
>> []s
>>
>>
>> Em sex., 10 de dez. de 2021 às 11:42, Daniel Durante <dura...@gmail.com>
>> escreveu:
>>
>>> Colegas,
>>>
>>> Realmente, Eduardo, lendo a descrição do curso que você enviou, e o
>>> texto do link que consegui abrir, devo reconhecer que este curso não parece
>>> fazer o que o título da disciplina (medicina, saúde e espiritualidade) e
>>> sua ementa sugerem.  Não parece haver qualquer pluralismo ali. Perdi a
>>> vontade de cursar 🙂 e entendo a reação que tem causado. Mas resta a
>>> pergunta: a disciplina optativa e a ação de extensão a ela vinculada são ou
>>> não aceitáveis em uma universidade pública?
>>>
>>> Essa pergunta me leva ao texto do Cassiano. De fato, Cassiano, a
>>> constelação familiar é bem esquisita e eu não tenho qualquer simpatia por
>>> esta prática. Sou muito mais simpático aos passes e as benzedeiras de
>>> bairro. Mas eu não sei se o machismo do alemão do século XX que a inventou
>>> é muito diferente do machismo do austríaco do século XIX que inventou a
>>> psicanálise. Aliás, existe alguma psicoterapia cognitiva que não seria
>>> classificada de pseudociência? Então vamos substituí-las todas por drogas?
>>> Vamos "medicalizar" a psiquiatria e acabar com terapias cognitivas? Afinal,
>>> as drogas podem ser testadas em arranjo experimental duplo-cego e não são
>>> pseudociência.
>>>
>>> Não vejo essa tendência (que é vigente) como avanço, mas como
>>> retrocesso. Nem todos os nossos problemas cabem nos parâmetros da
>>> metodologia científica materialista. Aliás, muito poucos cabem. O próprio
>>> caso das vacinas da Covid é um bom exemplo. Desenvolver e produzir vacinas
>>> absurdamente eficientes foi essencial, mas não resolve o problema. É
>>> preciso aplicar as vacinas. É preciso vencer o negacionismo de parte da
>>> população de países ricos, é preciso vencer a desigualdade global e fazer a
>>> vacina chegar em países pobres. Sem um certo "ecletismo científico", e aqui
>>> eu respondo (um pouco) ao João Marcos, que eu chamaria de "abordagem
>>> interdisciplinar", a gente não resolve nada.
>>>
>>> Um dia desses, eu perguntei para alguns colegas cientistas do Centro de
>>> Biociências aqui da UFRN se o bicho dentro de um ovo de pato, antes de
>>> nascer, é um pato ou não é um pato. Eles desconversaram, deram nomes
>>> técnicos para este "bicho", mas evitavam responder se a coisa com nomes
>>> técnicos era ou não um pato. Pressionados, alguns responderam sim e outros
>>> responderam não. Meu ponto aqui é que não há metodologia científica
>>> naturalista que leve a uma resposta incontroversa sobre se e quando o bicho
>>> dentro de um ovo de pato, antes de nascer, é um pato ou não é um pato. E
>>> isso não é um problema ou falha da ciência atual. É um limite. Se isso
>>> acontece com esta minha pergunta, que é infantilmente simples, imagina
>>> então quando a gente pensa sobre todas as questões muito mais complexas
>>> ligadas à saúde. Seria muita ingenuidade achar que todas elas têm respostas
>>> alcançáveis via metodologia científica naturalista. Não têm.
>>>
>>> O problema é que sempre vão haver respostas divergentes e desacordos
>>> para estas questões cruciais que escapam à objetividade empiricamente
>>> mensurável da ciência. Vendo melhor a tal disciplina da UFRN, percebo que
>>> discordo da abordagem e da proposta. Mas tenho dificuldade de me posicionar
>>> contrário à aceitabilidade de tal disciplina e da ação de extensão. Na
>>> verdade, não sei.
>>>
>>> Saudações,
>>> Daniel.
>>>
>>> Em quarta-feira, 8 de dezembro de 2021 às 00:14:15 UTC-3, eduardoochs
>>> escreveu:
>>>
>>>> Meio off-topic, mas lá vai.
>>>> Pessoas da UFRN, como está sendo a repercussão disso na universidade
>>>> de vocês?
>>>>
>>>>
>>>> https://oglobo.globo.com/brasil/educacao/construcao-do-reino-de-deus-novo-curso-da-ufrn-choca-estudantes-de-medicina-25309373
>>>> https://archive.md/TeS69
>>>>
>>>> [[]],
>>>> E.
>>>>
>>> --
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>>> Para cancelar inscrição nesse grupo e parar de receber e-mails dele,
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>>> .
>>>
>>
>>
>> --
>> Marcelo Finger
>>  Departament of Computer Science, IME-USP
>>  http://www.ime.usp.br/~mfinger
>>  ORCID: https://orcid.org/0000-0002-1391-1175
>>  ResearcherID: A-4670-2009
>>
>> Instituto de Matemática e Estatística,
>>
>> Universidade de São Paulo
>>
>> Rua do Matão, 1010 - CEP 05508-090 - São Paulo, SP
>>
>

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LOGICA-L
Lista acadêmica brasileira dos profissionais e estudantes da área de Lógica 
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