Oi, Cassiano!
Seguem meus comentários.

>> Nesse caso, muito do que é não-ciência não será confundido com ela (nem
>>> tem essa pretensão) e, consequentemente, não haverá toda uma gama de
>>> problemas associados a essa confusão.
>>>
>>
> Eu argumento em outro sentido (acho). Os problemas que tenho em vista
> dizem respeito à sobreposição de finalidades.
>

Então entendo que para cada finalidade uma determinada distinção se mostra
apropriada. Podemos pensar em ciência/pseudo-ciência e também em
ciência/não-ciência.


> A ciência nos diz que podemos fazer muitas coisas, inclusive conhecer os
> fenômenos de maneira mais, ou menos, confiável do que a religião ou a
> política (quer dizer, ao menos, pretensamente mais confiável…).
>

Não é nitidamente mais confiável?


> Mas até onde consigo entender, a ciência não nos diz pq deveríamos fazer x
> ou y. A religião e a política fazem isso? São elas q devem fazer isso? Não
> sei. Sei q um modelo como o do CNRS da França pode ser belo, ma non
> funziona in tutti quanti i paesi…
>
> Da maneira como a entendo, a ciência não faz isso, ainda que possa nos
fazer mudar de ideia porque pode revelar conflitos entre objetivos ou
consequências e possibilidades não previstas antes.


>
> Já o caso de atividades que se parecem muito com a ciência, em todas as
>> suas características superficiais, mas não têm poder de previsão, por
>> exemplo, merecem ser tratadas em separado justamente porque muitas pessoas
>> serão enganadas (nem precisamos entrar no mérito de se há má fé ou não).
>>
>
> Aqui me parece q vc está usando o poder de previsão como característica
> definidora da ciência. Eu diria o seguinte, concordo, mas formularia
> diferentemente: o q torna uma teoria científica é q ela afirma q deve haver
> alguma coisa, algum funcionamento dos fenômenos, por trás (digamos) da
> teoria q sustenta as previsões e q lá na frente condiz com as evidências q
> somos capazes de ter.  Acho q é fundamental, então, distinguir entre o q
> simplesmente é literário, político, religioso (não cientifico) e o q é
> pseudocientífico, ou ciência picareta, como já vi escreverem. Mas esse
> limite “denorex” - “parece, mas não é” - é impossível definir
> absolutamente, embora caso a caso talvez não.
>

Não sei se é impossível.
Que critério vc imagina que estaria sendo usado caso a caso, mas não seria
generalizável?


> Na história da ciência há inúmeros exemplos a citar de teorias q pareciam
> ser científicas, mas depois viu-se que não eram - ou ao menos deixaram de
> ser em vista de modificações metodológicas ou novas descobertas.
>

Acho que esse problema afetaria tanto a divisão
ciência/pseudo-ciência quanto a ciência/não-ciência. Vejo como uma
dificuldade, mas que não torna a tentativa desnecessária.


>
>  Melhor mesmo é vc aprender a capturar a cobra com segurança e devolvê-la
> ao mato sem matá-la; se for impossível reencaminhar a cobra, buscar
> entregá-la à polícia ambiental ou equivalente. E ter sempre de reserva,
> tanto qto possível, alguma dose de soro antiofídico.
> Reconhecer espécies não é tão difícil tb, mas exige tempo e nem sempre
> temos tempo - a disposição para aprender q anima a ciência, em muitos
> casos, não basta, é preciso agir, e o tempo da ação - assim como o do
> lumpen - é outro.
>

Na verdade eu capturei com sucesso (sem machucá-la). A dúvida era se
soltaria perto. Minha esposa preferiu que chamássemos os bombeiros.
Gostod e cobras e lagartos em geral. Já tentei criar calangos bico doce
(aqui tem bastante) e iguanas, mas tive medo dos últimos não comerem
direito e soltei.
Quanto à coral, vi que não é fácil saber quando é falsa, então não tentei.

>
>> A genuína disposição para aprender não seria uma condição necessária e
>> suficiente, então?
>>
>

> Eu não disse isso. Pode ser, mas em se tratando de uma atitude, mais do q
> qq outra coisa, não acho q seja disso q se trata.
>

Meu ponto é que a própria atitude genuína parece implicar que, uma vez
tendo reconhecido certos métodos nitidamente eficientes pra entender e
prever as coisas, há uma expectativa de que reconhecendo o mesmo contexto
eu deveria aplicar os mesmos métodos SE o que me move primordialmente ainda
é a disposição de aprender. Claro que ela é apenas uma das coisas que nos
move, mas aí entra justamente a possibilidade de nos deixar mover
conscientes dos reais motivos (até onde a gente consegue ou julga
suportável/desejável).


> Acho que isso é fruto da divisão extrema do trabalho. Parece que a gente
>> acaba relaxando em relação aos fundamentos racionais e filosóficos da
>> ciência justamente porque no dia a dia geralmente podemos passar sem eles.
>>
>>
>
> Concordo, só acho q não se trata de fundamentos filosfóficos ou racionais
> (descreio disso).
>

Interessante.
A descrença na razão em geral ou especificamente em relação aos fundamentos
(relaxamento quanto aos) terem algum papel nesse estado de coisas?



> A ênfase na disposição para aprender q eu defendo ressalta menos os
> métodos e mais uma atitude.
>

Sim. Ela é mais importante que os métodos, mas penso que ela gera um
"dever" para consigo mesmo em relação à escolha das opções disponíveis uma
vez que se tem conhecimento sobre elas.
Caso não tenha ficado claro, estou supondo a razão instrumental.


>
> Não sei se entendi. Não é contraditório afirmar que o distanciamento de
>> contextos locais permite universalizar o conhecimento (entendo que está
>> sendo aprendido um conhecimento universal) e ao mesmo tempo dizer que sem
>> aproximação dos contextos locais é impossível aprender?
>>
> Não vejo contradição alguma. Penso aqui agora no Ubi D`Ambrósio: se para
> ensinar aritmética elementar usamos o exemplo de 2 maçãs x 3, pra uma
> criança q nunca viu uma maçã e só conhece bananas esse exemplo não tem o
> menor sentido.
>

Pensei que o conhecimento universal mencionado acima tinha sido adquirido
enquanto estando distanciado. Não sei se vc vê o processo de distanciamento
e aproximação como ambos necessários, mas se eu fosse chutar diria que o
contexto local é o ponto de partida fundamental, mas enquanto não houver
distanciamento não há conhecimento universal.


> O problema não é a aritmética, mas como  e para quê ela é usada, por quem.
> A Mariana Kawall em um de seus livros discute como certos povos indígenas
> acham estranho falar de “dei 4 flechas, das 8 q tinha, a meu amigo e fiquei
> com 4”, pq se vc dá a um amigo, juntando com as 5 q ele já tinha, vc só
> pode ficar com 9. Quem aqui não sabe trabalhar com algoritmos? Wittgenstein
> diria q é a gramática dos verbos q usamos q está aqui em questão. Outro
> livro muito esclarecedor a respeito é o já clássico em pedagogia *Na vida
> dez, na escola zero*, da Ana Lúcia Schliemann (acho q é esse o nome).
>

Interessante!
A autora alega que existe uma matemática básica distinta?
Vou ver sobre.

Se julgamos que a ciência mainstream está num patamar mais elevado que
>>> determinado sistema de crenças S de nossa própria sociedade, por que
>>> esperar que essa relação também não se aplique para o caso de um sistema de
>>> crenças S' de uma outra sociedade que parece ser análogo a S? Por que
>>> meramente pensar nessa hipótese é ser imperialista/colonialista?
>>>
>> Vc escreveu bem: se julgamos, mas eu não julgo assim. Aliás, talvez não
> devesse, mas ainda me surpreendo q haja quem assim pense, em termos de
> “patamar mais elevado”.
>

Quer dizer então que a escolha de saberes entre as culturas pra vc é
aleatória? Vc acha que nenhuma explica, prevê ou consegue transformar o
mundo distintamente melhor* que as outras?

* Quando uso essas palavras (melhor, superior, num patamar mais elevado
etc.) estou apenas tentando indicar uma preferência em termos de escolha.


> Escrevi um artigo q foi julgado “não científico”, acerca de um filme q, a
> meu ver, problematiza bem esse ponto. O artigo é este aqui:
>
> https://periodicos.uem.br/ojs/index.php/ActaSciHumanSocSci/article/view/62243
> (perdão pela autocitação). O artigo ser julgado não científico pouco me
> importa, pior seria, para mim, q fosse julgado tedioso ou completamente
> desinteressante. O filme é mais importante do q a identificação
> catalográfica do meu artigo para fins de Qualis A, B ou C. E o filme mostra
> bem esse ponto: irracional são sempre os outros, né?
>

Não acho que irracionais são sempre os outros. Apenas acho que todos juntos
podemos tentar melhorar nossa condição em termos de razão, inclusive para
isso é até melhor que possamos contar com pontos de vista diversos. O
problema é que se por um lado nada garante que em todos os contextos haverá
o surgimento de um ponto de vista hegemônico, por outro, também não temos
como garantir que toda a diversidade será mantida. Assim como não me parece
adequado forças as pessoas a crerem, também não me parece adequado ter uma
atitude paternalista e impedir que a outra pessoa acesse as mesmas
informações que eu tenho e, a partir delas, forme a mesma visão de mundo
que eu.

Botei seu artigo na lista de leituras.
Obrigado pelo link e pela dica de filme. Parece bacana!
:-)

>
> A reivindicação já não é que a respectiva prática É ciência? Pra que
>>> outras condições e metodologias se todas geram igualmente conhecimento?
>>>
>> Sim, certamente já é ciência e gera conhecimento, mas há certos problemas
> q não resolvem se não houver acesso a metodologias e produtos específicos.
> Vacinas, por exemplo.
>

Pronto. Se vc disser que só resolve com essas metodologias e produtos, não
só uma ciência é melhor que a outra em termos de escolha, mas uma funciona
e a outra não. É um caso, mas se isso começa a se refletir em muitos casos,
a expectativa em relação a uma ser a melhor escolha que a outra faz sentido.


> Meu colega já citado John Kleba tem vários artigos sobre isso. O q eu
> acrescento é lembrar q muitos povos brasileiros reivindicam acesso à
> pesquisa para q seus saberes floresçam e não sejam capitalizados por
> empresas saqueadoras, restringindo o acesso aos resultados da pesquisa
> unicamente à via do consumo de produtos. Se o conhecimento é uma construção
> coletiva, pq seu usufruto deve seguir a lógica dos lucros privados? Quanto
> vale a biodiversidade da qual se apropriam os grandes laboratórios, p.ex.?
>

Concordo. Dois livros muito interessantes que tocam nessa problemática são
esses:
https://www.thepublicdomain.org/enclosing-the-commons-of-the-mind/

>
>>
>>> …com o tempo vi que como não há uma definição de filosofia …
>>>
>>
> Há *uma* definição de ciência?  Há tempos procuro um texto nos moldes de
> um capítulo ou artigo que defina a questão. Se vc souber de algum, por
> favor, me indique, será extremamente útil para as minhas aulas.
>
>>
>>
> Não há, mas penso que o problema em relação às ciências é bem menor que o
em relação à filosofia.



> … sem condições mínimas que o deixem florescer, como provavelmente foi o
>>> caso em boa parte da história do homo sapiens, parece-me que esticar os
>>> conceitos de ciência e filosofia de modo que acompanhem toda a história do
>>> homem implicaria em perder distinção que queremos manter pelo uso do termo.
>>>
>>
> Não sei se queremos manter a mesma distinção, acho q eu não tenho em vista
> as mesmas coisas q vc.
>

Não sei se fui claro: a distinção a que me referi não é entre ciência e
filosofia (apesar de eu achar importante também essa distinção), mas entre
elas e o resto.


>> Há uma tentativa de esconder a influência?
>> O que significa pra vc assumir que houve influência?
>>
> Desculpe se citei muitos nomes, mas especificamente sobre esses pontos, eu
> gosto bastante do Kwame Anthony Appiah; a Ella Shohat tb traz argumentos
> importantes ao debate, mas não especificamente no âmbito da filosofia; já
> no Brasil, o Renato Noguera tem trazido importantes trabalhos para o
> debate, quase como uma voz clamando no deserto - se essa metáfora (alô,
> Júlio!) ainda for permitida - não fosse pelos trabalhos anteriores do Nei
> Lopes, p.ex. Mas há muitos outros. Muryatan Barbosa de Oliveira escreveu um
> bom livro sobre pensamento africano contemporâneo. Outras pessoas saberão
> mais do q eu indicar outros trabalhos.
> Influência é uma palavra difícil de definir, vc fez bem em perguntar. O q
> é mais fácil é negar o mito do milagre grego, como dizem, e afirmar q toda
> cultura é sempre híbrida, necessariamente apropriativa.
>

Não me parece que assumir que há influência e apropriação nos leva a negar
os milagres em termos de mudança de mentalidade e descobertas.
Acho que deve até ter alguém por aí demonstrando que a natureza
extremamente copiável dos produtos intelectuais e culturais implica em um
número maior que poucas descobertas extremamente difundidas que o de muitas
descobertas mais ou menos simultâneas.
Achava que a própria história da linguagem e da escrita (o próprio DNA)
eram boas evidências disso, não?


> Alguém nega isso?
>> Ou vc está propondo que saber ancestral é equivalente a conhecimento
>> científico?
>>
>
> Acho q a bibliografia citada vai te dar ideia do tamanho da negação.
> Vc está certo, não estou propondo q saber ancestral sse conhecimento
> científico, mas sim afirmando q o conhecimento científico não é
> prerrogativa exclusiva de certa civilização ou modelo de racionalidade.
>

Ainda continuo com o mesmo dilema em mente: se aceito que houve uma mudança
nítida em termos de metodologia e potencial de entender/prever a natureza
em relação aos métodos de minha própria cultura adotados em gerações
anteriores e esses métodos são mais ou menos equivalentes aos de várias
outras culturas, ao usar o termo ciência pra me referir a esse novo método
e não ao método antigo, me parece inadequado insistir em usar o termo para
o equivalente, em outras culturas, ao método ancestral da minha.
Fica realmente parecendo que queremos negar essa diferença como forma de
honrar as demais culturas ancestrais, como se assumi-la necessariamente me
levasse a desprezar as pessoas dessas culturas.


> No entanto, o humanista em mim me leva a afirmar q se é possível
>> racionalizar coletivamente e submeter as nossas crenças irracionais à
>> crítica para q não sucumbamos aos impulsos de morte, não é nada desejável
>> racionalizar todas as esferas da nossa vida. Individualmente, de ninguém
>> devemos exigir q justifique racionalmente todas as suas crenças - primeiro,
>> pq é impossível, segundo, pq é desumano e terceiro pq se ainda q fosse
>> possível e ainda q restasse algo de humano em alguém q o conseguisse, essa
>> pessoa seria uma bruta chata de galochas, um Sócrates da vida - quem é q
>> aguenta um cidadão desses, q fica perguntando o tempo inteiro “mas o q é q
>> vc quer dizer com isso? O que significa aquilo? Como assim? Pq?” Sócrates
>> morreu por isso - o q incomodava nele era a sua atitude, contraditória,
>> como bem identificou Platão, mas plenamente coerente com o q ele, Sócrates,
>> pensava de si próprio e de sua sociedade.
>>
>
>> Concordo.
Entretanto, ainda é pertinente a discussão sobre que crenças devem, não
devem ou não precisam ser justificadas. Acho que qualquer empreendimento
coletivo implica automaticamente ao menos essa discussão.


>
>> * Umas observações interessantes sobre esse pessimismo em relação à razão
>> estão aqui:
>> https://tinyurl.com/2hxcmcen
>>
>>> É justamente o receio de que estamos combatendo equívoco com equívoco o
>>> que me preocupa. Já até tentei me tranquilizar pensando que talvez seja da
>>> nossa natureza oscilar em relação ao ponto ótimo, alternando entre ação e
>>> reação, entre avanço progressista e contra-ataque reacionário, na esperança
>>> de que estamos aos poucos nos aproximando desse suposto ponto ótimo. Mesmo
>>> assim resta a questão de qual exagero é realmente inevitável e qual está em
>>> nosso poder evitar, dado que os exageros cobram seu preço.
>>>
>> Não gostei do tipo de abordagem do vídeo. A racionalidade vem da
> irracionalidade, não acho q se trata de 2 modos distintos e antagônicos de
> pensar e agir.
>
Interessante sua colocação sobre racionalidade vir da irracionalidade.
Alguma referência?
Os modos não são distintos, mas complementares. O problema é que eles podem
conflitar dependendo do contexto.
Parece-me que esses dois modos distintos têm encontrado bastante
respaldo científico, não?
O problema que o vídeo aborda, e que acho ser bem real, é que com a
desvalorização exagerada da razão não a estamos usando nem nos contextos em
que ela poderia ser muito bem aplicada.

>
> Um abraço, Ricardo, eu é q agradeço.
>
>
Abraço!
E...
Sextou!
;-)

[]'s ...and justice for all.

Ricardo Gentil de Araújo Pereira

-- 
LOGICA-L
Lista acadêmica brasileira dos profissionais e estudantes da área de Lógica 
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